Elegia

As cidades são lugares onde muito acontece. Ao mesmo tempo. E às vezes, a um ritmo demasiado acelerado. E parece que não há tempo nem circunstância para olhar as coisas, para reparar verdadeiramente no que surge. Por mais que isto pareça um lugar-comum, tem, como todos os lugares-comuns, um fundo de verdade. Na minha memória afectiva, havia uma imagem que associava com carinho à cidade que tem a luz mais bonita. Lisboa era também a figura de um homem, a acenar com um sorriso às outras pessoas. Às pessoas que não conhecia de parte nenhuma, mas a quem sorria generosamente. Uma dádiva. Um presente. Um gesto quotidiano de acrescentar beleza e bondade à vida dos outros. Mesmo que esse gesto reflectisse a sua solidão. A necessidade de procurar os outros. Era assim que ele escolhia procurar os outros. De uma maneira aparentemente essencial. E o "senhor do adeus" tinha um nome. Chamava-se João Serra. E deixou ontem de existir. E eu quis escrever a morte de alguém que deixou de existir. E que foi, humildemente, significativo na vida das muitas pessoas que passavam por ali.
NB: A fotografia não é minha.

2 comentários:

  1. Era alguém que recusava a indiferença. Bom texto.

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  2. Penso o mesmo. Uma recusa à indiferença. Ao não-olhar quotidiano.
    Obrigada.

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