Torre de Gomariz | Braga.

























Nos sítios onde se faz vinho, o Outono tem uma cadência muito particular. Por isso, este é o tempo certo para escrever sobre este lugar. Continuando sempre com o meu espírito de deixar no meu sítio sítios que estejam ao alcance de uma viagem de carro. Lindo, o nosso país. Lindo, lembrar isso. Uma e outra vez. Desta vez, a norte. Perto de Braga. A Torre de Gomariz. E as vindimas em pleno. A acontecer enquanto tudo o mais acontece no mundo. As estações são assim mesmo: indomáveis e indiferentes ao ruído.
Apetece estar. E ficar. E andar de bicicleta. E ir às vinhas buscar os bagos de uva que sempre ficam, depois da vindima. E nadar muito. E ler. Ao sol e pela noite dentro. E dormir. E fazer nada. E dar conta do tempo a passar, mas tendo o sol como único relógio de pulso, como no fragmento de jornal que é um poema do Ruy Belo e que anda comigo para onde for. Talvez seja assim que se dê mesmo conta do tempo: a seguir a curva do sol. 
Mas mais do que tudo, este post é para falar da comida e do vinho. Um sítio onde se produz um vinho de que gosto tanto, tinha mesmo de ter comida que prolongasse. Para além de todos os óbvios da relação entre a comida e o vinho, a Torre de Gomariz é um sítio onde apetece chegar e ficar. E o restaurante ajuda bastante nesse processo bom de querer ficar. A começar pelo pão. Nunca se liga assim muito ao pão, quando se fala de restaurantes. Mas, para mim, é o primeiro indicador, relativamente ao que virá a seguir. Isso e a sopa. São os primeiros sinais. E sim, tanto o pão como a sopa disseram coisas (muito) boas sobre o que viria a seguir. Delicioso, o creme de tomate com ovo escalfado e manjericão. Há sempre qualquer coisa de irresistível na imagem de um ovo escalfado e é maravilhoso quando não é só imagem e sabe a todas as expectativas. Uma carta que integra as estações e aquilo que há à volta. E bom peixe, bem tratado. Suculento, sem sabores a perturbar. A mesma coisa com a carne. E a parte doce ser assim como uma nuvem, a finalizar um jantar bem tranquilo. A mesa é um lugar de entrega, de verdade. E sim, é o tipo de sítio que não faz pensar em experiências alargadas. Convida mesmo à intimidade e àquela coisa bonita e intemporal de usar um vestido preto e ir jantar. 
o livro que foi comigo. Pesado. Literalmente pesado. Não deu para a minha leveza habitual de o levar nas mãos e pronto. Uma narrativa extensa, com qualquer coisa de um tempo em que havia muito tempo. Para ler. Para escrever. E não tem que ver com as 800 e tal páginas. Depois de se ler os quatro volumes de Guerra e Paz, o número de páginas de um livro torna-se um aspecto bem relativo. Tem que ver com o demorar das descrições, com o respirar das personagens, com os caminhos que vão seguindo. Tudo a um ritmo que dificilmente se conseguia agora. E é um livro escrito por uma mulher, mas que assinou com nome de homem. Dir-se-ia que isso é mesmo coisa de outro tempo. Eu diria que não. O caminho duro da literatura é (ainda) mais duro para uma mulher. Mas quando acontece, quando uma mulher excepcional consegue esse Olimpo, acontecem livros destes. E não há género para a boa literatura. A fauna. Analisada com luvas delicadas, como se o domínio fosse o da entomologia. Dorothea, a personagem-chave, aquela em torno da qual as outras narrativas se tornam só outras narrativas. Lydgate, o homem que se dá conta de que casou com uma mulher frívola e superficial. Ladislaw e todas as injustiças de que é alvo. O passado que enlameia os pés (e a consciência) de Bulstrode. As narrativas extensas implicam despedirmo-nos de personagens que vivem connosco enquanto o livro dura, sabendo que nunca nos despedimos verdadeiramente, que sentiremos sempre saudades. Entre muitas outras coisas, esta é a marca dos grandes. Gostei de o ler (também) neste lugar que fica hoje, que tenha feito parte da minha história a acontecer ali. 

A música é dos Editors. Violence. 

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