Serralves. E a Casa Guedes. E as ruas.

























Gosto de Serralves. Muito. Especialmente nos dias em que parece que a cidade e o mundo se esqueceram de Serralves e se anda por ali quase sem ninguém. Horas de almoço de dias de semana: a melhor altura para se deambular à vontade. E há o carácter temporário do museu. E há o parque, que é assim como se fosse uma arte que está sempre lá. Mas que nunca é a mesma, porque as estações a mudam de cor. E nunca me farto da arquitectura. Do branco. Dos tons terra. Do ocre no chão cá de fora. Parece haver sempre um ângulo diferente de luz. As janelas rasgadas. O chão livre. Tudo minimal. Mas com algo de catedral onde se entra e se mantém o silêncio. E interiormente disponíveis para o desconcerto e para a surpresa que a arte sempre implica. Longa vida aos que transfiguram o real. Longa vida aos que nunca morrem, por sobreviverem à fronteira última do tempo biográfico. Em relação às polémicas recentes, não faz sentido tanta questão. Em primeiro lugar, quem vai ver uma exposição de Robert Mapplethorpe, sabe que a imagética sado-maso fará parte e pronto. Mas reduzir aquela arte a esse dado é bem limitado. E o segundo aviso que entretanto foi colocado à entrada da sala também não justifica tanto barulho. O primeiro aviso parecia expressar um certo ponto de vista moral. Deve ter sido um virtuoso qualquer a redigi-lo. A arte não é uma coisa bonitinha e certinha. Não acontece para ser programa familiar de domingo à tarde. Para isso, há o futebol e todas as outras anestesias. Aquilo que me chateia em Serralves é que a cafetaria seja péssima e que insistam em usar colheres de plástico no café. Isso é que me chateia a sério e isso é que mereceu o meu protesto (outra vez). E também era bom que as pessoas na televisão aprendessem a dizer bem o nome no centro de tanta polémica. A disseminação da ignorância também é uma coisa que chateia.   
E se Serralves é uma espécie de ecossistema que faz com que a noção de cidade fique em suspenso, quando se chega ao centro, ela toma conta de nós e recebe-nos de braços abertos. É assim que é o Porto. As artérias meio caóticas, a cheirar a castanhas assadas mal as há a vender. E pessoas a falar sozinhas, num murmúrio indefinido. E pessoas a falar com quem passa, a anunciar mais um final dos tempos. Com aquele português que enfatiza todas as sílabas. E fachadas cinzentas. E azuis. E amarelas. E todas as cores. Mais a exuberância geométrica ou floral dos azulejos. E fluida como um rio, a cidade no centro. Serpenteia. Nada de ângulos rectos. As pessoas e as casas e as ruas é que se adaptam e que se habituam, que o Porto tem pressa de ir dar ao rio. 
Antes de descer tudo e chegar lá, é sempre boa ideia entrar na Casa Guedes e comer aquela sandes de pernil. A partir do meio dia e até não haver aqueles tabuleiros com a carne encharcada num molho denso. O melhor é ir cedo e comer ao balcão. E mesmo que nunca tivéssemos ouvido falar num sítio chamado Casa Guedes, a imagem reiterada das pessoas à entrada, pacientemente expectantes, far-nos-ia tentar perceber o que é que justificaria aquela espécie de romaria. Apesar das filas, as pessoas da Casa Guedes são expeditas. E muito simpáticas. O tempo passa rápido afinal e toda a gente terá direito à sua sandes de pernil:) 

A música é esta. Linda de ouvir enquanto se caminha numa cidade cheia de gente. 

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