Sempre a(quela) luz.




















Uma luz qualquer que está sempre. Uma luz qualquer que se alimenta do invisível e do indizível. Do efémero que é um paradoxo porque persiste afinal. Uma luz que se fosse verbo seria um gerúndio. Um exercício contínuo de vá lá e continua e mais um bocadinho e outra vez, tenta/acredita outra vez. E sempre, sempre, aquela frase que ficou não se sabe de onde: também isto vai passar. Tudo vai. Com o vento. Com a água. Com o tempo. O que nos eleva e nos exalta. O que nos atira ao chão ou nos deixa para trás. Cada uma das nossas alegrias esfuziantes e sonoras. Cada um dos silêncios. Os que compreendemos e que não fazem barulho cá dentro. E os que são lugares cheios de perguntas sem respostas porque às vezes é mesmo assim: não há resposta nenhuma. 
A vida agora é (mais) lá fora. Há umas semanas que sim. Que tudo se declina lá fora. Há música. Há as vozes e os risos e aquele caos bom das pessoas, quando estão juntas. Antes de tudo, a comida a ser feita e todos os sons que são uma espécie de silêncio, por conferirem uma ordem transitória. A nós e a todas as nossas desordens interiores. Aquele espírito bom de ser só levar tudo lá para fora e de as coisas acontecerem e pronto. O tempo a ser mais lento e mais nosso. Não sei bem. Sei que é só para viver. Sei que gosto muito de todas as pequenas coisas desta altura lá fora. O som dos talheres. O gelo a cair e a agitar-se nos copos. Os gestos e as cores e a melodia irrepetível da mesa a começar. O que se segue. Os silêncios breves, quando a comida é servida e que são uma coisa que eu não encontro maneira de dizer. As conversas cruzadas. As interrupções. A mesa já sem lógica e isso não ser importante, por ser sinal de que está a ser vivida de acordo com o momento. 
Ser deste sol. Ser desta luz. Ser do Verão. De cada Verão. É isso. E agora deste, que começou ontem. O dia mais longo do ano. O dia mais cheio de luz. E é mesmo disso que se precisa. De luz. E de gente que escreva como o Padre Tolentino Mendonça. Também precisamos de gente capaz de dizer as coisas. Tão bom, abrir a revista do Expresso e saber que está lá aquela página. Sempre tanto, naquelas palavras que ficam mesmo. Que parecem seguir a vida connosco. O tempo pode passar e ser o que quiser, que sei que tudo ali tem a medida certa. De palavras. De silêncio. E os livros da Ana Teresa Pereira. Sempre, esta escritora que raramente aparece. Leio-a há anos. Os livros dela vêm comigo sem hesitação de nenhuma espécie. Leio-os com urgência, quase sempre num fôlego. Uma escrita enigmática e labiríntica, mas que ao mesmo tempo se bebe como água fresca num dia de Verão. Os cheiros, as cores das coisas, os lugares. A beleza selvagem e magnética das mulheres impossuíveis. Os homens indomesticáveis e densos. Deixo este. O Verão selvagem dos teus olhos. Título lindo, a dar vontade de mais. Um vinho muito fresco. A primeira hidrângea do ano, ali no jardim. As cerejas. E aquela luz. Nas coisas lá de fora. E o universo aleatório e íntimo registado nos cadernos que estão sempre. 
Por esta altura, a minha comida é (ainda) mais fácil e mais simples de fazer. Como esta que fica hoje. Duas inspirações mediterrânicas, de sul. Carbonara + panzanella. Cada processo é lindo de fazer. E o resultado é sempre o tal silêncio que eu não sou capaz de dizer. Fica a receita. Com esta luz.

Carbonara de Verão
           
500g de massa (uso esta) + 1 cebola (média) + 2 dentes de alho + 100g de bacon (uso este) + 2 pacotes de natas + 3 gemas de ovo + azeite, sal, pimenta preta, Parmesão e salsa picada q.b. 

Coze-se a massa durante cerca de 8 minutos. Retira-se e passa-se de imediato por água fria. Reserva-se. Pica-se a cebola  e os alhos e o bacon em cubos. Leva-se ao lume com um fio de azeite, num tacho largo. Quando a cebola estiver translúcida, acrescenta-se a massa e envolve-se bem. Junta-se depois a mistura de natas, gemas, Parmesão e salsa, temperada com sal e pimenta preta a gosto. Esta parte só deve acontecer quando a massa estiver prestes a ir para a mesa, para não termos ovos mexidos com massa. Quando sim, deve-se ter o pão já pronto. O processo está descrito aqui. Na hora de servir, mais salsa e mais Parmesão. E tomate de rama cortado em quartos. E está. 

A música é esta. Tame Impala. Let it happen. 


6 comentários:

  1. Olá Isa,
    lindos os brancos e os dourados, junto com todos os tons de azul. Aprendi contigo isto de lembrar o maior e o menor dia do ano, de um ano inteiro, uma coisa muito física até.
    A Ana Teresa Pereira, que me deste a conhecer, que vou procurar.
    Tenho que te ligar : )
    Um beijo muito grande,

    da Pipinha

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    1. E eu aprendo (há muitos anos) tantas e tantas coisas maravilhosas contigo, minha querida.

      O Verão é também cada um dos nossos jantares ali fora. Ligo amanhã, para combinarmos. Isso e irmos ao (nosso) Eighty One:)

      Um beijinho muito grande*

      Isa

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  2. Sempre tudo tão bonito e inspirador, muito muito obrigada por partilhar, se me permitir sinta-se abraçada

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    1. Tão lindo, Ana. Obrigada. Muito. Tão bom, o abraço. Um muito grande para si também. E dias bons, cheios de luz.

      Mar

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  3. Sabes quando se guarda aquele chocolate para o podermos comer quando todas as tarefas pendentes foram feitas e quando finalmente estamos no sofá com o nosso pijaminha, a chuva que cai lá fora num amanhã de julho traz-nos alívio e paz e finalmente podemos respirar fundo, fechar os olhos e saborear o nosso chocolate ? ...
    Andei a guardar os teus posts para os poder saborear de forma inteira e sem distrações. Hoje de manhã comi-os lentamente e que bem que me soube!
    Obrigada

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    1. Olá Dulce,

      Que querida:) Ainda bem que é assim. Fico muito feliz. Obrigada eu.

      Um beijinho grande*

      Mar

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