Rua da Rosa, 244.


















Alguém me falou deste sítio como se fosse um segredo. Em Lisboa, no perímetro do Príncipe Real. Deram-me as coordenadas certas. Que não se notava muito por fora. Que não fazia parte dos roteiros de sushi que fazem muito barulho. Ao contrário. Era silencioso. As portas estariam fechadas. Mas prontas a ser abertas. Desse segredo, fazia parte o detalhe de haver ramen aos sábados. Mas só durante o Inverno. E que era mesmo preciso fazer reserva. Os segredos podem ser segredos e tudo o mais, mas os segredos são maravilhosamente especiais. E nós gostamos muito de coisas especiais. Somos muitos a partilhar esse dado e por isso é que é mesmo preciso reservar tempo e vontade para coisas especiais. Queiramos nós que assim seja. 
Cheguei relativamente tarde ao encantamento com a gastronomia japonesa. Tinha tido uma péssima experiência ainda na adolescência e ficou de tal modo gravada que sempre que ouvia falar em sushi, vinha a memória imediata daquele contexto e não parecia haver nada a acrescentar. Mas a vida tem sempre uma palavra a dizer. Mesmo que nós achemos que não. E foi assim mesmo. No Ichiban que as pessoas do Bonsai respeitam muito, com aquela reverência japonesa. A partir daí, uma espécie de paixão pelo universo da comida japonesa. Tão para além do sushi e da sofisticação apressada que se busca no imaginário associado. Estou a aprender coisas. Muitas. Leio, observo, pergunto. E encanto-me tanto. A comida japonesa tem uma metafísica muito particular. Cheia de rituais e de subliminares. A atenção ancestral ao detalhe. O respeito pela matéria-prima, pelos cortes, pelas simetrias e pelas assimetrias. Por isso, não bastam as palavras sushi e sashimi, para ir a um sítio. Essas duas palavras estão no meio de outras tantas que ando a (tentar) aprender. Fazem parte de um todo maravilhoso. Encontro regularmente esse todo que é tanto no Ichiban, no Porto. Precisava de sentir o mesmo em Lisboa. E isso ainda não tinha acontecido. Mas aconteceu. No Bonsai. No número 244 da Rua da Rosa.
Entra-se num universo à parte, depois de fazermos deslizar as portas de entrada. É ainda mais silencioso do que imaginava. Mas não um silêncio frio, cerimonioso. É um silêncio que nos convida a sentar e a fazer parte. Podemos ficar na sala principal ou escolher uma das salas e ser como se o Japão fosse já ali. E é bem difícil escolher a parte da comida. Bem difícil por haver muito por onde gostar. Todos os dias, a lógica de tasca japonesa. Podemos escolher pequenos pratos para partilhar, de acordo com a cadência das estações e do mar. Ou ir pelas vias clássicas, nisto dos restaurantes japoneses. Seja por onde for que queiramos ir, correrá bem. A frescura delicada e perfumada da comida da geografia lá longe onde irei num futuro não muito distante, estará sobre uma das mesas lacadas e marcadas pelo tempo e pela alegria de todos os que estiveram antes, de todos os que vierem depois. Não consegui guardar as imagens que queria da comida. Mas gostei muito. Tanto. Talvez tenha sido por isso:) E a parede wabi sabi que parecia contar histórias. Entre uma coisa e outra, o meu olhar ia sempre para aquela parede-narrativa. 
Cá fora, Lisboa à noite. As ruas e as vielas a ferver de gente. Os cheiros e os sons metálicos. As músicas a sair dos sítios. Os risos estridentes e os sussurros dos namorados. Pessoas sozinhas a atravessar tudo sozinhas. E as luzes da cidade, a partir do Miradouro de São Pedro de Alcântara. E eu sem saber como sou por fora, por saber que não conseguimos isso de nos olharmos de fora. Eu a caminhar em silêncio, para guardar melhor tudo o que acontecia, indiferente a mim e ao meu silêncio. E eu a querer tirar um azul eléctrico de um edifício, por achar que não fica bem. Que não diz bem com aquele fundo. A fauna e a flora. Tal como são. E tudo bem que as coisas até podem ser como são. Mas nós temos sempre uma palavra a dizer. Pode ser breve, pode até nem se ouvir. Mas temos sempre a possibilidade de uma palavra. E a palavra é procurar. Coisas e pessoas e sítios que nos façam bem. Sítios assim como o Bonsai. Fica na Rua da Rosa, 244. E aqui. 

E a música é esta. Um som novo que parece antigo. Com sol dentro. A celebrar o Verão a começar outra vez. 

6 comentários:

  1. Nunca comi comida japonesa. Parece quase uma vergonha, ainda não ter experimentado. Mas isso acontece um pouco pelo que referiste, pelo receio de não gostar (ou de ter más experiências) e por até à data, não saber de lugares muito bons. Mas com o teu post, isso mudou ;) Vou guardar o Ichiban e o Bonsai, como lugares a conhecer. :)

    Gostei tanto do teu último parágrafo, nunca conseguimos nos olhar por fora, não é ? Podemos calcular até, como os outros nos veem, mas nunca o conseguiremos ver. Esse olhar deles sobre nós, será sempre só deles. Dos outros. Também sou assim, principalmente num sítio novo, gosto de caminhar em silêncio e tentar absorver tudo o que me rodeia. Guardar o melhor em mim.

    E é isso mesmo, procurar pessoas, coisas e sítios que nos façam bem, que nos façam sentir mais felizes, mais leves. É como este teu lugar, que me faz sentir tudo isto e muito mais. E obrigada por isso, querida Mar.

    Gostei muito da música, com sol, mas também com uma frescura muito boa. ;)


    Beijinhos e um bom final de semana :) Com sol e coisas boas! Parece que ele agora já chegou aqui, e veio para ficar. ;)

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    1. Dá uma hipótese:) No meu caso, uma má (péssima) experiência fez com que durante 10 anos dissesse sem hesitar que comida japonesa não era a minha cena. O que eu andei a perder. Mas tenho compensado bem o tempo perdido:)

      Guarda estes dois sítios, sim. Quando vêm para aqui, é sinal de coisas boas:)

      Uma impossibilidade ontológica, a de nos vermos por fora. O olhar dos outros devolve-nos coisas. Umas boas, outras nem tanto. Mas o ponto era olharmos para nós como se fôssemos outros. E não dá. Há relatos daqueles estados de quase-morte, em que as pessoas têm uma percepção exterior de si e dos outros. Mas esse território é um território-limite. Sabe-se lá. Só quando lá chegarmos.

      Muitas coisas boas, Cláudia. Procurar muitas coisas boas. As más que tiverem de vir não dependem inteiramente de nós. Mas as coisas boas têm muito que ver com a nossa determinação, com a nossa vontade.

      A música é linda como um dia de Verão igual ao de hoje. Acordei ainda mais cedo do que o habitual e senti uma felicidade maior do que eu. Uma leveza qualquer no ar. E em mim, pareceu-me.

      Eu sei que tem estado sol aí longe:) Vou vendo o Accuweather regularmente, para ver se tens sol:)

      Um beijo grande para ti. Obrigada pelo teu carinho. E mais dias de sol!

      Mar

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    2. Vou dar sim :) É verdade, quando vêm para aqui é mesmo sinal de coisas boas ;) O Ramen, que eu gostei tanto, é também comida japonesa ? Se é, do Ramen eu já sei que gosto :)

      Era bom olharmos para nós, como se fôssemos outros, termos essa percepção. Pois, essas experiências quase-morte, só quando lá chegarmos realmente é que iremos saber.

      É verdade, as coisas boas dependem acima de tudo de nós. Eu para ser sincera, gostava de ser mais determinada, não que não tenha determinação. Mas já vivi tantas mudanças na minha vida, e não foram boas (na sua maioria), que tenho tendência por vezes, a ter receio da mudança, de alterar muito a minha vida. Mas as coisas boas, na grande maioria das vezes, acontecem quando arriscamos... quando nos determinamos a procurá-las. Tens toda a razão.

      Que bom, essa felicidade maior que tu, tu mereces.

      És uma querida, um doce. Fiquei tão contente de saber, que te lembravas de ver se eu tinha sol :) És muito especial, querida Mar.

      O tempo aqui é bastante inconstante, hoje choveu imenso o dia todo e agora, às 19, veio o sol :P Tempo maluco, este.

      Outro para ti. Digo o mesmo, obrigada eu, por todo o teu carinho. Sim, mais dias de sol, para todos nós ❤


      Cláudia

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    3. Um universo vasto e delicioso, o da comida japonesa. Essa é uma das muitas declinações. Vais gostar:)

      O medo é o maior obstáculo das nossas vidas. Creio que percebo o que dizes. E é natural sentirmos essas coisas. Mas se nos ficarmos pelos nossos medos, por mais compreensíveis que sejam, perdemos a parte mágica da possibilidade, do exercício de fé que lhe é necessário.

      Vejo sempre o Accuweather, para ver como está o tempo nas geografias das "minhas" pessoas. Pode parecer ridículo, creio. Uma coisa que não interessa nada, que não faz diferença nenhuma. Mas é mais forte do que eu. E já vi que hoje estão umas nuvens, aí longe. Mas também havia sol:)

      Muito linda, tu. Obrigada, querida Cláudia. Dias maravilhosos para ti. Um beijo.

      Mar

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    4. Desculpa só responder hoje. Tendo em conta o Ramen, acredito que sim. :)

      É verdade, não podemos deixar os nossos medos vencerem. Se eles vencerem, também impedirão de vivermos a vida em pleno e perde-se realmente, a parte mágica da possibilidade, o que de bom poderá também surgir.

      Não é nada ridículo, pelo contrário, mostra a pessoa bonita que és. Fico muito feliz por me incluíres nas tuas pessoas, naquelas que com carinho, vês se têm sol. :) Obrigada por tudo. Pelas tuas palavras, pela tua ternura que me faz sempre tão bem.

      Agora tem estado uns dias bonitos de Primavera. Não está um calor de Verão, tem estado antes, um tempo morno e agradável e finalmente com o sol a brilhar. :)

      Tu também o és. Obrigada eu, Mar. De coração. Para ti também. Beijinhos

      Cláudia

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    5. Que bom que não achaste ridículo:) Por esta altura, a nossa vida pede sol. A chuva e o tempo frio têm uma magia muito especial, mas quando é tempo de sol e de calor, que aconteçam. Por isso, muitos dias de sol para ti, neste Verão a começar.

      Um beijo grande aí para longe.

      Mar

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