De agora.












Há coisas que implicam mesmo paciência. E não há volta a dar a isso. No caso das favas, é essa a palavra que me ocorre logo, imediata. Esse exercício de paciência começa no momento de as escolher. As vagens mais curtas, que são as que têm dentro as favas mais tenras, as mais pequenas. São essas as escolhidas. A primeira coordenada para que o resultado final seja leve, aromático, a corresponder ao espírito da Primavera. Depois disso, é sentarmo-nos, sem estarmos a pensar que temos de ir não sei para onde e irmos abrindo as vagens. A seguir, a parte do processo que implica mais paciência: retirar as cascas. Um dado que requer entrega e calma, mas que vale a pena. Porque é assim que sabemos que não vamos ter favas encarquilhadas e amarelas. Serão verdes. Por isso, para mim, a ideia fundamental do processo de cozinhar favas, é tomar conta desse verde.
Eu nunca gostei assim muito de favas. Especialmente nas versões mais habituais. E sim, invariavelmente com aquele tom amarelo, a esconder tanta beleza interiormente verde. Um prato pesado, do qual comia o mínimo possível, exactamente porque, no meu entendimento, o efeito da comida não deve ser esse. Na comida, como em muitos outros aspectos, preservo só a parte do prazer e as outras deito fora, como com as cascas das favas. 
Previamente cozidas, para que libertem aquele odor pouco agradável. Três minutos em água a ferver e resolve-se esse problema. Salteadas, a seguir. Dois, três minutos. O que interessa é que fiquem como na imagem, um bocadinho suadas e com o verde intacto. 
Tal como acontece com as ervilhas de quebrar, ficam maravilhosas, associadas a batatas novas e ao final solar de um ovo escalfado. E o tomilho. Tomilho fresco fica mesmo bem. Logo no início, quando se está a saltear as batatas e as favas. E depois, no final de tudo. Pouco antes de servir. Com este vinho tão especial. Quando gostamos muito de uma coisa, procuramos repeti-la. E é assim, com as palavras do Herberto Helder. Neste caso, o livro póstumo. De agora, também. Assim como as favas. Só que um livro tem qualquer coisa de para sempre. Livros destes são sempre para sempre. 

Favinhas salteadas com bacon, batatas novas e tomilho
Quantidade para 2 pessoas 

150 g de favinhas (peso depois de descascadas) + 8 batatas novas (médias, cortadas em quartos) + 1 cebola (média) + 2 dentes de alho (picados e com um pouco da casca) + 4 fatias de bacon nesta versão e 4 tiras de bacon nesta versão (deliciosa) + um pouco de vinho branco + ovos para escalfar + sal, azeite, vinagre de sidra, pimenta preta e tomilho q.b. 

Primeiro, coze-se as favas durante três minutos, em água que já esteja a ferver. Retira-se, passa-se para um coador e por muita água fria, para suspender a cozedura. Reserva-se. A seguir, coze-se as batatas e faz-se o mesmo de passar por água fria, depois de cozidas. Coloca-se as batatas novamente na panela onde estiveram a cozer, salpica-se com um pouco de sal, um fio de azeite, um pouco de vinagre de sidra e umas folhas de tomilho. Reserva-se. Numa sertã, leva-se ao lume a cebola picada, os alhos, o bacon e duas ou três hastes de tomilho. Quando a cebola ficar translúcida, junta-se um pouco de vinho branco e deixa-se evaporar. A seguir, acrescenta-se as favinhas e vai-se salteando durante cerca de dois minutos. Enquanto isso, leva-se a panela das batatas ao lume, para aquecer ligeiramente no tempero. Ao mesmo tempo, escalfa-se os ovos (três minutos em água quente, mantida ao lume) e coloca-se as fatias de bacon no forno a 210ºC. Para servir, basta colocar as batatas num prato fundo, a seguir o salteado e, bem no final, aquele final lindo do ovo escalfado e de duas fatias de bacon a estalar. Uma haste final de tomilho, uns salpicos de pimenta preta e está. Fatias de pão, vinho branco bem perto e acontece uma espécie de magia:) 

E ballet clássico em Nova Iorque. Cerca de quatro minutos bem lindos. 


13 comentários:

  1. Bom dia, Mar.
    Fico sempre a babar quando vejo os seus ovos. Hoje, na companhia de umas favas, com ar magistral, então, é não conseguir conter a saliva (logo eu que sofro de xerostomia ...). Adoro favas e adoro ovos. O texto que precede a receita apura os sentidos e requer urgência na execução desta receita. Obrigada.
    Continuação de uma boa semana.
    Bjs
    Ana

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  2. Bom dia, Mar.
    Fico sempre a babar quando vejo os seus ovos. Hoje, na companhia de umas favas, com ar magistral, então, é não conseguir conter a saliva (logo eu que sofro de xerostomia ...). Adoro favas e adoro ovos. O texto que precede a receita apura os sentidos e requer urgência na execução desta receita. Obrigada.
    Continuação de uma boa semana.
    Bjs
    Ana

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    1. Boa noite, Ana

      Os ovos e os seus efeitos:) É tempo de favas. Estão no auge daquela frescura. Eu só gosto assim: salteadas, ligeiramente fervidas antes. Antes de chegar a este ponto, só fazia favas porque o meu marido adora e porque adoro fazê-lo feliz:) Se reproduzir a receita com essa urgência, que lhe saiba tão bem como nos sabe a nós. Obrigada a si.

      Um beijo de boa semana.

      Mar

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  3. Olá Mar,

    Eu também nunca fui muito de favas. Agora, já faço e como. Mas, continuo a preferir ervilhas.

    Esta sua receita parece-me "comida do Norte". Por aqui, existe o hábito de fazer favas para acompanhar peixe frito. Ou cozidas, com chouriço.

    Com ovos fazem-se as ervilhas. Há sítios onde é o almoço tradicional da Pascoa: ervilhas com ovos e chouriço também.

    E vim dar conta do resultado das salsichas frescas no forno.

    O meu marido, à primeira dentada, classificou o jantar de "excelente". Não há melhor argumento pois não?

    Muito simples e muito, muito boa!

    Obrigada.

    Um beijo do Algarve, a meio da semana

    Sandra Martins

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    1. Olá Sandra,

      Também prefiro ervilhas, mas esta versão converteu-me. Repeti e tudo. Nunca na vida que eu repetia favas. E só comia uma vez porque a minha mãe não dava para a conversa do "não gosto":)
      Excelente parece-me mesmo bem:) O meu filho já formulou esse pedido para o jantar de amanhã. Não há melhor argumento. Toda a razão. E assim simples, ainda mais. Fico muito feliz. E agradeço ter dito.

      Um beijo para si. A meio de uma semana cheia de sol.

      Mar

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  4. Não sou a maior fã de favas mas esse prato está mesmo apetitoso!

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    1. Eu também não era. Mas cozinhá-las nesta versão fez com que reformulasse esse ponto. E não me custou nem um pouco:) Uma boa semana para ti.

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  5. As minhas dava favas nunca têm essa essa casquinha que confunde os sabores. E foi por isso que no meu caso foi o contrário: o Zé não gostava das versões que conhecia e agora adora! Bj
    Babette

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    1. Fazes bem, que essa casca esbranquiçada estraga mesmo tudo. Aqui, acontece muito ao contrário: passo a gostar de coisas a que não achava piada depois de as cozinhar por eles gostarem muito. O amor e as suas declinações. Quando é assim, não há sombra de dimensão sacrificial ou de abdicação.

      Um beijo.

      Mar

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  6. Eu gosto muito de favas e habitualmente como-as com casca porque gosto do sabor. Gostos! Este prato tem muito bom aspeto e recordou-me as saudades que tenho de comer favas. Creio que está na altura de cozinhá-las para me deliciar.
    Excelente sugestão!
    Graça

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    1. Olá Graça,

      Mesmo assim. É uma questão de gosto. A cozinha é um território muito particular, a esse nível. Com qualquer coisa que parece sempre intransmissível.
      Sabe muito bem, a comida que tem bom aspecto. Muito delicada nos sabores, curiosamente. Se for a altura, que lhe saiba bem.

      Obrigada, Graça.

      Mar

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  7. Ando completamente "perdida" (ou melhor, encontrada?) por este blog... Que delícia tudo! Bem-haja a partilha.
    Sara

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    1. Olá Sara,

      Obrigada. Muito lindo, o teu comentário. Do género de dar mais sentido à ideia livre de partilha.

      Coisas boas para ti!

      Mar

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