Todos os dias.











À comida de todos os dias, pede-se que seja assim. Fácil e rápida nos procedimentos. Com ingredientes próximos. Poucos adereços. E que nos dê alegrias pequeninas. No momento de fazer. E depois. O caminho que nos leva às coisas também pode ser um lugar. Neste caso, esse lugar é cada um dos momentos, até que tudo seja harmonia silenciosa dentro de um tacho. Começa com a tábua de madeira ainda sem nada. Só a lâmina da faca. A seguir, o esmagar dos alhos. O perfume da folha de louro a que se retira o veio principal. A frescura das cenouras. A simetria dos cubos de bacon. A finalizar, o perfume da mostarda. 
Gosto mesmo do espírito bom da comida de tacho. Pelo jogo entre o facto de ser comida relativamente autónoma, mas que carece de uma vigilância carinhosa, a intercalar cada uma das fases. De cada vez que se abre o tacho, os perfumes da comida têm o efeito imediato de apaziguar todas as nossas tensões. De transformar tudo em silêncio tranquilo. O mundo e os seus ruídos parecem estranhamente pequenos, redutíveis a meros episódios biográficos. Penso sempre assim, enquanto a comida se resolve e enquanto vou bebendo o vinho que estará à mesa daí a pouco, mas que me acompanha, nestes momentos de pensar aquilo que (me) acontece.
Não sei como é que seria a minha vida sem o dado inalienável que é este de fazer comida quotidianamente. Não sei que existência paralela seria essa. Mas creio que seria triste. Que a vida seria bem triste, se não pudesse viver cada uma destas coisas pequeninas. Se não pudesse confirmar todos os dias este meu amor inicial pela comida. Cada um vive como quer, como pode. A mim, quero só que a vida me dê os sentidos e a saúde para poder fazer a minha comida. Todos os dias. Só quero isso. E é tanto, no fundo. 
A receita que fica hoje é uma espécie de benção. O creme aveludado de mostarda faz um jogo maravilhoso com a frescura das cenouras e com o verde vibrante das ervilhas. É comida de todos os dias, mas parece-me que se presta também a refeições mais formais. O detalhe do perfume e do sabor da mostarda faz com que assim seja, creio.  

Peitos de frango em molho de mostarda e de legumes
NB: Uso mostarda em pó porque o sabor é mais intenso e parece integrar-se melhor. Mas fica igualmente bem com mostarda em creme. Basta alterar a quantidade desta receita para duas colheres.

4 peitos de frango + 3 dentes de alho (esmagados e com um pouco da casca) + metade de uma folha de louro (sem a nervura do meio) + metade de um pimento (vermelho ou amarelo) + 8 cenouras pequenas ou 3 cenouras grandes (partidas em rodelas relativamente grossas) + 4 fatias de bacon (não me canso de fazer referência a este ) + 1 copo de vinho branco + 1 copo de água + 1 tigela de ervilhas (uso congeladas) + 1 colher (de sopa) bem cheia de mostarda em pó + 1 colher (de sopa) de Maizena (uso Express) + sal, azeite e pimenta preta q.b. 

Lava-se os peitos de frango e corta-se em pedaços mais ou menos do mesmo tamanho. Coloca-se no tacho e tempera-se logo com sal e com pimenta preta. A seguir, os alhos esmagados, o louro, o vinho branco, o pimento, o bacon e as cenouras. Acrescenta-se um fio generoso de azeite, a mostarda e mistura-se bem os temperos, usando as mãos. Leva-se ao lume durante 25 minutos. Nos primeiros 5 minutos, o lume deve estar forte e o tacho sem a tampa. A seguir, junta-se o copo de água, tapa-se e deixa-se estar durante 20 minutos certos, mexendo de vez em quando. Decorrido esse tempo, rectifica-se os temperos e acrescenta-se a Maizena, misturando bem. Desliga-se o lume e junta-se as ervilhas, fechando a tampa e deixando estar durante cinco minutos, antes de servir. Assim, estarão verdes e redondas. Se tivessem sido cozinhadas desde o início, estariam amarelas e encarquilhadas e isso seria uma lástima.
Serve-se a fumegar, num prato fundo ou numa tigela, para concentrar melhor o sabor e os aromas da mostarda. Costumo acompanhar com o meu arroz de molho inglês ou com umas batatas salteadas de que deixarei receita, um destes dias.

A música é esta porque tem uma onda muito boa de ouvir. E de dançar. 


17 comentários:

  1. Comida boa, de conforto, vinho e música. Para quê pedir mais...
    Beijos mil.
    Vera

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    1. Havendo os pressupostos elementares, não será preciso muito mais do que isto que a vida vai dando. Todos os dias.

      Beijos para ti, Vera.

      Mar

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  2. Bom dia, Mar.
    Ao ler o seu lindíssimo texto, uma imagem: a minha mãe. A descrição que a Mar faz do seu acto de amor e de generosidade que é cozinhar, lembra-me a minha mãe. Adorava cozinhar pelo prazer que sabia que ia dar à sua família. E conseguiu-o quase até aos noventa e dois anos, pouco tempo esteve afastada da sua cozinha.
    Também eu gosto da comida de tacho e também gosto de fazer assim o frango, mas sem o seu rigor do tempo, vou fazendo, sem muito controle de relógio. A mostarda era a que a minha mãe usava para fazer a maionese.
    Obrigada, pelas lembranças que me despertou e parabéns pelo texto e pelas imagens tão belas.
    Continuação de uma boa semana.
    Bjs
    Ana
    (Peço desculpa se o comentário aparecer repetido, não sei o que se passa nem como evitar.)

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    1. Boa noite, Ana

      Essa é uma evocação muito grande. Muito bonita. Agradeço-a de coração. O universo da comida presta-se cada vez mais a exercícios de vaidade ou de narcisismo. Bem distantes da realidade que todos os dias toma forma pelas mãos de tantas e tantas mulheres. Gosto sempre de lembrar todo esse amor silencioso, repercutido por muitos lugares. O amor que se transforma assim. Em comida.
      Não sei se viverei tanto tempo. O mais certo é que não seja assim. Mas que este dado esteja. Que faça parte dos dias a haver, até ser a tal hora que nos espera a todos.
      Sou cozinheira sem relógios:) Aliás, não uso relógio, sequer. É que quando aponto as receitas nos cadernos, vou escrevendo os tempos direitinhos e as quantidades, para poder ser exacta, ao publicar aqui. É para correr bem aí desse lado:)

      Uma boa semana para si também. Não tem de pedir desculpa por nada, querida Ana.

      Mar

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  3. Que linda toda a sequência. Que lindas as palavras e as imagens. Quer-se assim a comida de todos os dias. Esta já me tinha despertado a vontade, só de ouvir a tua descrição durante a conversa de domingo. Vou querer experimentar ;)
    Bj
    Babette

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    1. Obrigada por gostares. Creio que será o género de comida de que todos aí gostarão. Parece-me que sim. O teu Zé deve querer que o sabor da mostarda seja mais intenso:) Logo vês, se experimentares. Esta comida é tão gostada que fiz para o jantar de domingo e tive de voltar a fazer para o jantar de segunda-feira. O António e o Vasco quiseram mais e eu sou do género de ceder facilmente:)

      Um beijo.

      Mar

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  4. Belíssimo texto e belíssimas imagens... No fundo, no fundo, é tudo tão simples, não é? Não são precisas grandes elaborações ou sofisticações para que um final de dia atarefado ou um fim-de-semana mais preguiçoso sejam uma festa dos afectos ou dos sentidos. É esse o sortilégio que a comida feita com carinho tem. Deve ser um frango delicioso, este que a Mar partilhou aqui. Por isso, por querer experimentar, vou fazer-lhe uma pergunta prosaica, um bocadinha fora do tom tão especial que marca as suas palavras: tenho no congelador uma embalagem de mistura de ervilhas e cenouras. Se as quiser utilizar nesta receita, em que fase é que me aconselha a introduzi-las? Bem sei que, se calhar, os legumes congelados vão um pouco contra o espírito essencial das receitas, mas às vezes temos de ser práticos. O que não quer dizer, acho eu, que os resultados não possam ser igualmente deliciosos....
    Um abraço,
    Marta

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    1. Olá Marta:

      Nada contra o pragmatismo:) Antes pelo contrário. Por isso, começo por essa parte da embalagem de mistura de ervilhas e cenouras. Se for como as que conheço, as cenouras não são muito grandes e creio que pode fazer como eu descrevo na receita (juntar depois de desligar o lume e deixar que cozam durante cinco minutos no vapor natural do tacho fechado). A ver se corre bem, mas a Marta verá se o tacho precisar de voltar ao lume.
      E sabe, apesar da tal poesia, a minha cozinha é bem real. Não é "para a fotografia", como costumo dizer. Isto significa que tenho de ser como todas as mulheres e tentar fazer o melhor. Claro que procuro aproveitar cada bocadinho do processo. Uma felicidade quotidiana. Minha. Dos que amo. Isso não me impede de usar ervilhas congeladas e concentrados de tomate deliciosos e práticos e misturas de alfaces.
      Muito obrigada pelas coisas que escreveu. E sim, este frango é delicioso. Do género de dar felicidade no final dos dias mais cinzentos. Que corra bem, a sua comida feita com carinho. O ingrediente principal é mesmo esse. Em tudo.

      Um abraço.

      Mar

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    2. Obrigada, Mar. Não me tinha apercebido que na sua receita as ervilhas são congeladas. Sim, as cenouras da embalagem são pequenas.Vou experimentar como sugere. Sabe o que me encantou na receita, para além da simplicidade? O molho de mostarda. Adoro esta marca de mostarda em pó, uso-a muito mais do que qualquer outra e fico feliz quando ela entra em mais uma receita...
      A ver como me vai saber este frango. Sabe que cozinho, no dia-a-dia, só para mim? Procuro que a comida me saia tão bem como se a tivesse preparado para outros. Acho que é importante sabermos celebrar-nos e mimar-nos. Mas não tenho ilusões de que muitas vezes o pragmatismo se sobrepõe à paciência ou à imaginação. Daí ter sempre à mão legumes e frutos congelados, por exemplo...
      Um abraço. Depois contarei como tudo correu.
      Marta

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    3. Olá Marta,

      A mostarda é mesmo o ingrediente/detalhe que muda tudo, nesta receita. E sim, a versão em pó é mais intensa e, ao mesmo tempo, mais fácil de trabalhar, em comida de tacho. Para além disso, dá um toque de magia à maionese mais elementar.
      Concordo consigo também nisso de ser importante tomarmos conta de nós. E também tenho refeições a sós. Três almoços em cada semana. Gosto (também) de estar sozinha. De não falar, de não interagir, de não emitir opiniões. Esses almoços solitários são-me fundamentais, apesar de muito breves. Mesmo com os constrangimentos de tempo, procuro que as coisas rápidas desses almoços tenham sabor e beleza. São só para mim, mas gosto que seja assim. Obrigada por essa sua nota muito pessoal, Marta.
      E as minhas desculpas por só agora vir aqui responder. A quinta-feira à noite implicou correcção de testes, dois bolos de aniversário e fantasias de Carnaval. Está a ver como tenho mesmo de ser pragmática?:) E não tenho empregada nem nada que se pareça. Uma vida cheia de realidade.
      Espero que tenha corrido bem, a receita com a mostarda de que gostamos.

      Um abraço grande para si. E bom fim-de-semana.

      Mar

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  5. Saber apreciar os pequenos gestos de todos os dias é aquilo que distingue as pessoas felizes das outras. Tenho pena quando ouço pessoas que se queixam porque têm de fazer o jantar todos os dias. Que tristeza deve ser não se apreciar uma coisa que temos de fazer diariamente.
    Também gosto muito do espírito de comida de tacho. Ontem fiz boeuf bourguignon, para a minha amiga Lídia e o marido e para outra amiga, que está a viver momentos muito difíceis. Aquela comida de tacho, acompanhada por vinho tinto e conversas de conforto fizeram-lhe bem. Mais uma vez, o poder da mesa :)

    Um beijo para ti.

    Ilídia

    PS: Fiquei com vontade de usar mostarda em pó num guisado ;)

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    1. A comida e todas as suas pequenas magias. Mais ainda quando é assim, de tacho, velada com carinho. Como fizeste para ti. Para esses teus amigos. Um dos melhores temperos da vida, se assim a quisermos, se assim a entendermos. Há muitas e muitas maneiras de procurar a felicidade. Por mais incompreensíveis que nos pareçam. Apesar de tudo, tão bonito, o mundo-mosaico que habitamos.
      A ver se sim, se usas deste pó na comida. Tem qualquer coisa de magia:)

      Um beijo.

      Mar

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  6. Boa tarde, Mar.
    Obrigada. Ontem segui as suas instruções e fiz carne de vitela com vinho tinto e a tal mousse de chocolate. Arrisquei, sem antes ensaiar, servir a amigos especiais, mas certa que se seguisse os conselhos da Mar, não falhava. E não falhei. Não falhamos. Perfeita a carne. Divinal a mousse. Foi um jantar feliz. Boa comida. Boa companhia. Uma parte do sucesso de ontem a si o devo, por isso, obrigada.
    Bom domingo.
    Bjs
    Ana

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    1. Olá Ana,

      Fiquei tão feliz ao ler este seu comentário. Fico sempre. Mas achei tão bonito que tenha vindo deixar aqui este carinho. A ideia, ao deixar as receitas, é mesmo essa. Que as pessoas possam fazer à vontade, com confiança. As experiências/testes/desastres ficam comigo. Não vêm para aqui, que eu quero é que tudo corra bem aí desse lado.
      As coisas que escreveu dão mais sentido à maneira como entendo estas partilhas. Obrigada também por isso.
      Muito, muito feliz por esse seu jantar de sábado.

      Um beijo.

      Mar

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  7. Boa tarde, Mar.
    Obrigada. Ontem segui as suas instruções e fiz carne de vitela com vinho tinto e a tal mousse de chocolate. Arrisquei, sem antes ensaiar, servir a amigos especiais, mas certa que se seguisse os conselhos da Mar, não falhava. E não falhei. Não falhamos. Perfeita a carne. Divinal a mousse. Foi um jantar feliz. Boa comida. Boa companhia. Uma parte do sucesso de ontem a si o devo, por isso, obrigada.
    Bom domingo.
    Bjs
    Ana

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  8. Olá Mar,
    Muito obrigada pela partilha e pelos textos. Este seu sitio é uma delicia. Já ouvi em repeat músicas que aqui partilhou e que eu não conhecia e já coloquei vinhos "na minha lista" para um dia os provar ;).
    Ontem, eu e o meu filho mais novo fizemos "a" mousse e ficou tão boa!
    Obrigada!
    Um abraço
    Helena

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    1. Olá Helena,

      Bem lindo, isso de ter feito sua/vossa "a" mousse. Fico feliz. Creio que é transparente, a minha alegria por ter notícia dessas disseminações. A música, os bons vinhos, a comida honesta. E tudo o mais que traz densidade a cada um dos nossos dias. Obrigada a si, pelo sol destas suas palavras.

      Um abraço.

      Mar

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