Rotina.












Uma das palavras que é dita sem pensar. Há muitas e muitas palavras dessas. Pronunciadas sem grande densidade. Esta é uma daquelas palavras que acabamos por dizer sem respiração prévia. Dizemos e já está. E é quase sempre daquela maneira arrastada, na hesitação entre o exercício de resignação e a vontade de lhe fugirmos. Mas a rotina é tão nós, é tão nossa. Tão feita do oxigénio irrepetível de cada um dos nossos dias. Acaba por ser mesmo bonita, a palavra que parece dar vontade de fugir, como se lê nos anúncios. Fugir à rotinaQuebrar a rotina. Chega a dar pena da pobre da palavra:) Creio que estamos sempre demasiado pendentes da ideia do extraordinário. Talvez seja por aí. No fundo, é como se se vivesse sempre a suspirar pelo Verão ou por tudo aquilo que não é o dia que se está a viver.
A questão é que eu sinto que as rotinas têm sempre algo de extraordinário. A começar pelo dado imperceptível de acordarmos. É certo que a rotina dita que é para acordar cedo e que não dá para grandes elaborações mentais. A vida é agora. É sempre agora. É feita desse acordar que quer ficar mais um bocadinho. E de tudo o que vem a seguir à decisão quotidiana que olha para o despertador a marcar as 06.30 e que pensa que é melhor não pensar muito no assunto. Mas há o respirar. E esse é como a vida: é sempre agora. Até ver, melhor acrescentar.
Penso muito nisto dos dias. Da maneira como se sucedem. E penso com carinho em alguns dos dados previsíveis da minha vida. Pensando bem a sério, chego ao ponto de defender alguns desses dados. Umas vezes, no registo de tomar conta. Noutras circunstâncias, parece ser preciso um exército. 
Este é um dos tais dados previsíveis da minha vida. Saber que há sempre um bolo de iogurte com cenas, como costumo dizer no tom ligeiro com que digo algumas coisas. Este é com laranjas e coco. A base é previsível como se fosse rotina. Mas dá sempre para algo de muito especial, a tal base. Tem de haver bolo de iogurte. É que assim, os dias ficam mais bonitos. É por isso. Os quadradinhos especiais, guardados numa das minhas latas de bolos parecem ser uma alegria próxima, exequível. Vão desaparecendo, ao ritmo do primeiro café de cada um dos dias. Ao sabor dos finais de jantar preguiçosos, a prolongar um tempo precioso. Os dois bolos de iogurte de todas as semanas aqui. O bolo feito no domingo à noite e que vai durar até quarta-feira. E o bolo feito na quinta-feira, já com ressonâncias de fim-de-semana. A cadência é essa. Ou a rotina, se se quiser. E eu gosto e preciso deste dado. Muito.
Bolo de iogurte é a vida descomplicada. É o que eu penso. É como se puséssemos a vida numa taça e batêssemos tudo de uma vez. A seguir, é só um bocadinho de forno e, no fim de tudo, aquela magia boa de um bolo delicioso e despretensioso. A sequência é uma das páginas de um dos meus cadernos. E fica também aqui. Bem perto dos jeans que são todas as estações, desde a minha adolescência. Um dos tais dados previsíveis, estes jeans. São meus há tantos anos e gosto deles há tantos anos. 

Bolo de iogurte com coco e laranja

4 ovos inteiros + 1 iogurte natural + 2 copos (de iogurte) de farinha + 2 copos (de iogurte) de coco + 4 copos (de iogurte) de açúcar + 2 copos (de iogurte) de óleo + raspa de duas laranjas e o sumo de uma. 

Bate-se tudo junto, durante uns cinco minutos. Leva-se ao forno durante vinte minutos exactos, num tabuleiro com estas dimensões: 40 x 27 x 2,5, a 180ºc. Retira-se do forno, parte-se em quadrados e polvilha-se com açúcar em pó e raspas de laranja. Como sobremesa, fica ainda mais especial, servido com esta compota de laranja. 

E sempre a música. Hoje é esta. 


12 comentários:

  1. Hoje fiz biscoitos de coco, a seguir ao jantar, enquanto o Paulo arrumava a cozinha. Uma receita bem simples e leve, bem adequada a dias azafamados. O Manel ajudou a pôr as colheradas no tabuleiro. No fim, guardei-as na caixa que me enviaste com o teu bolo com "cenas" de Natal ;) E, enquanto fazia estes biscoitos numa noite de quarta-feira, pensei em como um serão de uma quarta-feira pode ser bom. Temos formas muito semelhantes de encarar as nossas rotinas. Eu gosto de rotinas. De as manter e de as quebrar quando me apetece. Ainda ontem lia algures alguém que dizia que nem gostava de escrever a palavra e que a substituía sempre por "hábitos" ou outra palavra mais inócua. Eu cá também escrevo e digo sem pudores que gosto muito das minhas rotinas. Rotinas como fazer biscoitos e ler blogues bonitos como o teu :)

    Um beijo,

    Ilídia

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    1. Olá Ilídia,

      Essa caixa igual à da imagem era parte do teu presente. Achei que irias dar-lhe um uso quotidiano, tal como o descreveste. Fico tão feliz. Creio que imaginas. E sim, temos maneiras semelhantes de contemplar a vida de todos os dias. Por motivos que guardo para mim, cada dia é uma espécie de milagre, de dádiva. Por mais difícil que seja, agradeço-o muito. Fazer bolos com cenas é uma das minhas maneiras de dizer à vida que gosto muito de andar por aqui:)
      E acabei de fazer bolo de iogurte com coco e chocolate, que hoje de manhã acabou o outro que era igual ao das imagens. Rotina (linda) de quinta-feira. Ou hábito ou o que se quiser.
      Obrigada a ti, aí na tua ilha verde. A fazer biscoitos e aqui um bocadinho. Ainda bem que sim.

      Um beijo.

      Mar

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  2. Adoro as minhas rotinas. E também gosto das quebras que permitem, quando acontecem por nossa vontade, claro.
    A rotina (pobre da palavra) é estruturante. Faz bem, creio. Em muitos aspectos. Esta do bolo de iogurte só dá alegrias, por exemplo ;). E ajuda a medir a semana ;)
    Bj
    Babette

    Ps. Esta minha semana está a ser muito cheia... Estive a trabalhar até agora e a imagem do bolo deu-me vontade de estender a mão e agarrar um quadradinho...

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    1. Olá Babette,

      Sim. Os quadradinhos de bolo de iogurte acabam por ter esse efeito. Não houvesse calendário e saberia o dia da semana através das minhas latas de bolos e dos conteúdos que se vão sucedendo.
      E é quase fim-de-semana. Pensa nisso, que faz bem pensar em coisas próximas, em vez de se pensar num trópico intangível. Gosto especialmente de pensar que adoro acordar sem despertador. De vez em quando, tenho uma certa raiva ao som que me desperta dos meus sonhos. Rotina que dá vontade de quebrar...o despertador:)

      Um beijo.

      Mar

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  3. acrescento: ...quando acontecem por nossa vontade ou resultam de surpresas boas. Assim fica melhor, parece-me ;)

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  4. Mesmo lindo o bolo. O caminho. A cor que dão essas laranjas, as raspas, o cheiro quase que chega aqui.E é só de agora, das nossas laranjas.
    São assim as rotinas, têm de bom e têm de mau, mas são alicerce, e é como dizes, acontecem da nossa maneira, desenhamo-las para nós e à nossa medida. Para nos servirem sempre, como as tuas calças ! Gosto muito desse teu bolo que faz quadrados baixinhos, como o de outro dia, que cortavas naquela forma retangular. Era o dos anos do A., chocolate e côco, com outras cenas. Hei-de arranjar uma forma assim, para fazer.
    Beijos grandes ! da Pipinha

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    1. Olá Pipinha,

      Fica mesmo bom, a guardar o aroma das laranjas ali do jardim e conciliado com a frescura do coco. Os meus bolos são sempre iguais na forma. Quase monótonos:) Os sabores vão sendo diferentes, mas faço sempre nesta forma. Arranjei-a em Lagos, na minha casa de utilidades caótica. E ando a ver se consigo uma igual, para ti.
      Estes jeans são tão cheios da minha vida, em momentos tão diferentes e onde estiveste/estás sempre. Há uns dias, perto do aniversário do meu filho, lembrei-me de como tive receio de os vestir pela primeira vez, depois de ter estado grávida. Achava que não iriam servir-me e iria lamentar, apesar de estarem bem gastos. Também me recordam essa e outras fragilidades.

      Um beijo grande para ti.

      Mar

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  5. Boa tarde, Mar.
    Também gosto de rotinas. Gosto, por exemplo, da minha rotina diária de vir visitar este cantinho e o da Babette. E como fico feliz quando há novidades. As rotinas servem para nos darem a certeza de que vai sair bem e que podemos, sempre, juntar algumas cenas para que a rotina seja mais apelativa. Como este
    bolo de iogurte com coco e laranja. Já anotei. Vai ser o bolo de fim de semana com uma alteração, vou substituir uma medida de farinha, por farinha de aveia. Vamos ver se dá certo.
    Continuação de uma boa semana.
    Bjs
    Ana

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    1. Olá Ana,

      Feliz e grata por fazer parte dessa rotina. E lamento ter um ritmo aleatório, nas coisas aqui. Gostava muito de poder/conseguir escrever mais. Mas há alturas em que demasiados prazos e solicitações pendem. E eu preciso de estar inteira. Lá nas outras coisas todas que pendem. E aqui. Muito.
      E é mesmo esse o espírito do bolo de iogurte. A base está lá, como uma rotina serena. Mas a permitir a alegria da surpresa. Parece-me muito bem, essa ideia da farinha de aveia. Vai correr bem, se fizer. Claro que sim.

      Uma boa semana para si também.

      Um beijo.

      Mar

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  6. Olá Mar, passo para dizer que fiz este bolo, que alterei ligeiramente com metade da farinha integral, menos açúcar (ainda menos para a próxima, gosto de doces pouco doces) e que ficou tão bom que não chega a quarta... aliás, fica-se por hoje :)
    Das rotinas gosto, gosto do saber que ao sábado há sempre mercado e que quando não posso ir parece que não é bem uma semana que termina, ou começa. Gosto da rotina das estações, de saber que na primavera há ervilhas tortas, no verão ameixas com fartura, marmelos no outono e no inverno os citrinos que dão côr aos dias cinzentos.
    Obrigada pela receita.

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    1. Boa noite, Maria

      Agradeço muito ter passado para dizer. E fico muito feliz. Este bolo é, realmente, uma das versões mais deliciosas de bolo de iogurte. Tinha-o percebido aqui em casa, pelas reacções amorosas que perguntam se posso fazer outra vez. E hoje de manhã, uma colega de trabalho disse-me que o tinha feito para uma reunião de família e que tinha desaparecido num instante, depois de muitos elogios. Fiquei feliz também por essa alegria na família dela.
      Em matérias de açúcar e de sal, deixo à consideração de quem quiser reproduzir as receitas. O meu entendimento é que, nessas questões, cada um sabe de si. Daí deixar as medidas clássicas ou originais de açúcar e de escrever q.b., no que diz respeito ao sal.
      E muito assim, isso das rotinas associadas às estações. Adivinha-se Primavera, apesar de estar a chover. Mas é "something in the way". Seja como for, adoro cada um dos dias do tempo a passar. Mesmo quando chove:)

      Obrigada a si, Maria. Um boa semana.

      Mar

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