Preguiça.






É uma preguiça boa. A preguiça dos domingos. Não é passiva nem arrastada. É assim de fruir cada minuto. O acordar meio lânguido, demorado. O pequeno-almoço a seguir. Que é exactamente como o que me apetece nos outros dias todos: uma torrada com queijo-fresco, café bem quente e pouco doce. O almoço. Em casa. Fora de casa. Depois, é a tarde a passar. Tempo disponível. Viver a casa. Os seus silêncios. As melodias que exteriorizam todos os silêncios interiores. Muito especiais, os domingos.
Ao início da noite, começa aquela vontade de comida que esteja no espírito de preguiça. Só podia ser um assado. Tempera-se e acontece. Num registo mais ou menos autónomo, os assados são o tipo de comida que se faz sozinha. Só necessitam de uma vigilância pontual. O resto do tempo é nosso e de quem nós quisermos. Com a ideia de preguiça, uma imagem das minhas gatas sempre vigilantes. A Júlia e a Salomé. Sempre em "modo preguiça", elas. A única coisa que fazem é esperar pela próxima refeição. No intervalo, pedem carinhos e andam por aqui, a ver o que acontece. E sim, muito atentas às movimentações e aos aromas perto do forno:) Os deste Domingo foram assim.

Coxas de frango do campo com cenouras, laranja e amêndoas

4 coxas de frango do campo + 2 cenouras + 4 dentes de alho + 1 copo de vinho branco + um pouco de malagueta vermelha (uso menos de metade) + 1 pouco de molho inglês + 1 cebola (média) + 1 folha de louro + sumo de metade de uma laranja + sal, amêndoas e azeite q.b.

Coloca-se as coxas num tabuleiro de ir ao forno, depois de passadas por água e retiradas as gorduras que não interessam. À volta, cenoura cortada em rodelas bem largas. Coloca-se por cima de cada uma das coxas os dentes de alho (com um pouco da casca e ligeiramente esmagados), o vinho, pedaços bem pequenos de malagueta e molho inglês. Corta-se a cebola em quartos e a folha de louro (dividida ao meio e depois de eliminado o veio que faz mal ao nosso coração:). Por cima de tudo, o sumo da metade de laranja e o azeite. Leva-se ao forno durante 45 minutos, sendo que durante cerca de 20/25 minutos não se mexe em nada:), que é para a pele do frango ficar com aquele tostado de aspecto delicioso. Só nos últimos 15 minutos é que se espalha por cima das coxas um pouco do molho que entretanto fica no tabuleiro, para hidratar. Pouco antes de ir à mesa, tosta-se uma mão cheia de amêndoas numa frigideira ligeiramente aquecida. Espalha-se por cima do frango e vai ao forno mais um bocadinho, se quisermos. 

Este frango fica particularmente bem com bróculos cozidos (deve aproveitar-se os raminhos, que são deliciosos) e com este arroz de molho inglês. E o vinho que faz parte das imagens e das memórias. Muito este vinho, que é do género de fazer com que se goste (ainda mais) da vida de todos os dias. Ainda bem que existem estas vinhas e estas pessoas  que em 2007 fizeram o Terra do Zambujeiro.  

Para além das gatas e dos meus gatos:), a música como companhia. Esta foi uma das músicas de mais um Domingo de preguiça. 


Coco, chocolate, morangos e vontade de sol.




Numa analogia possível, é como se fosse um "little black dress". Por isto: fica bem em todas as circunstâncias. Sabe muito bem logo pela manhã e ao lanche, com café bem quente. E já tarde, à noite, naquelas "ceias" de sofá. É especialmente perfeito nas alturas mais formais. Os finais de almoço e/ou jantar parecem adorar este bolo. Como sobremesa, apeteceu-me sempre conjugá-lo com morangos frescos. Mesmo fora de época, morangos. Talvez seja sintoma de um desejo repentino de tempo quente. Seja o que for, soube bem. 
Quando as coisas se transformam numa destas páginas, é porque foram feitas (pelo menos) três vezes. Preciso de estar certa dos tempos, das quantidades. E mesmo assim, há outros imponderáveis a ter em conta. Mas não costuma acontecer ser assim tão rápido, o tal teste. Isto porque durante a semana que passou, fiz este bolo três vezes. E de todas as vezes, desapareceu mais ou menos misteriosamente:)  

Como sempre, a fórmula-base é a do bolo de iogurte. Infalível, rápida e extremamente pragmática. Tão bom, quando o pragmatismo assume a forma (e o sabor) de um bolo. 

Bolo de iogurte com côco e chocolate

1 iogurte natural + 4 ovos inteiros + 2 copos (de iogurte) de farinha + 4 copos mal cheios (de iogurte) de açúcar + 1 copo (de iogurte) de côco ralado + 125 g de chocolate em pó + 2 copos (de iogurte) de óleo 

A simplicidade do bolo de iogurte: bate-se todos os ingredientes juntos numa taça, durante cerca de 10 minutos. Coloca-se numa forma untada e polvilhada com farinha e leva-se ao forno a 180ºc durante 1 hora (nos últimos 15 minutos, o calor do forno deve ser só vindo de cima). Desenforma-se, deixa-se arrefecer um pouco e polvilha-se com côco ralado. Se quisermos, os tais morangos. 

E esta música. Faz-me pensar em sol. E transforma o Inverno num "just a phase" meio despreocupado. Como a memória de mim, nestes concertos. Assim despreocupada. Bom saber que algumas coisas andam connosco para onde quisermos:) 

Bom (de) viver:)






O que é que sabe mesmo bem? Massa com legumes salteados. Principalmente se a massa for assim mesmo oriental, de leve. Creio que será assim leve, para permitir que os outros sabores reinem. Os legumes conjugados com aquele spicy (na medida certa) das malaguetas e com o molho de soja. Pelo meio, o nosso azeite e o nosso vinagre. Para termos o melhor de dois mundos. 
Antes do resultado final, desfrutar do caminho. Do cortar dos legumes em cubos bem pequenos. Do saltear. Dos aromas que vão sendo libertados, à medida dos momentos. Primeiro, só o azeite. Depois, alhos picados. Depois, os legumes. Depois, o vinagre. Quando a massa se junta à celebração, o molho de soja faz acontecer o resto. E é bem bom (de) viver:) 

Massa oriental com bacon, legumes (e metade de uma malagueta vermelha:)  

1 embalagem de noodles + 3 dentes de alho + metade de uma malagueta vermelha + metade de um pimento verde + metade de uma courgette + 1 cebola vermelha + 100 g de bacon + azeite, sal, vinagre, coentros e molho de soja q.b. 

Primeiro, coze-se a massa durante quatro minutos. Retira-se, passa-se por água bem fria e reserva-se, no escorredor. Depois, numa frigideira, os alhos no azeite (numa quantidade generosa). Um minuto depois, a malagueta (muito picada) e o bacon. Deixa-se cozinhar durante uns dois/três minutos, junta-se os legumes e tempera-se com sal. Saltear durante uns dez minutos e, a meio, salpicar com vinagre. Decorridos os dez minutos, juntar os fios da massa, regar com mais azeite, os coentros e envolver tudo muito bem. Quando a massa estiver bem integrada e quente, o molho de soja. Ao nosso gosto. No momento de servir, umas tacinhas do mesmo molho, perto do prato de cada, um completarão o efeito.

E música. She's so good at being in trouble. Porque me fez pensar no Verão. E também esse momento muito rápido foi bom de viver. 


O processo.







Este risotto merecia um lugar próprio. De há uns meses para cá e umas quantas experiências depois, cheguei à conclusão (deliciosa) de que este é o meu risotto preferido. Bem simples, como devem ser estas coisas. Vinho tinto, bacon, cebola vermelha. Tonalidades próximas e sabores que se conjugam com uma perfeição que sabe sempre bem.
A sério que é nestas alturas que gostava que a partilha pudesse ser mais à frente. Que este processo pudesse ser partilhado com todas as cadências e com todos os aromas. Fiz assim. Fotografei a sequência o melhor que pude: a cebola e o bacon juntos, o risotto, o vinho, as lascas de Parmesão e a manteiga na dose certa. A receita de um risotto que não precisa de outra coisa que não boa companhia: a que quisermos e um copo de vinho tinto. 

Risotto de vinho tinto com bacon e cebola vermelha

1 cebola vermelha (média) + 100 g de bacon (uso este) + 1 copo de vinho tinto + 1 tigela de risotto (carnaroli) + 1 litro de água quente + 1 colher (de sopa) de manteiga + Parmesão, azeite e sal q.b.

Um risotto demora cerca de 25 minutos a fazer. Por isso, antes de começar o tal processo, aquece-se um litro de água até ferver (não uso caldo de legumes por achar que não acrescenta nada, nos risottos). Depois, o refogado: cebola, bacon e azeite. Três minutos depois, o risotto. Envolve-se muito bem na mistura do azeite, da cebola e do bacon (cerca de dois minutos). Depois, acrescenta-se o vinho. Deixa-se evaporar, mexendo sempre. Quando o vinho for completamente integrado, junta-se metade da água bem quente. Mexe-se e tempera-se de sal. Deixa-se evaporar, mexendo com aquela atenção e carinho:) Junta-se a outra parte da água quente e repete-se a cadência anterior. Uns sete ou oito minutos depois, é tempo de acrescentar a manteiga e o Parmesão. Envolve-se muito bem, rectifica-se o sal (se necessário), deixa-se a tampa do tacho meio entreaberta durante dois minutos exactos e serve-se. Quem quiser, polvilha com pimenta preta e mais lascas de Parmesão (já no prato). 

E Joy Division. Disorder. Por gostar tanto desta música como deste risotto. E também por ter sido a banda sonora do processo:)


"La beauté est partout."







A imagem das janelas do lugar que me fez viver Paris como nunca antes. Os livros de lá. Uma cidade é ainda mais, na nossa memória, quando abrimos um livro e a escrevemos numa primeira página. Com a data. Um ou outro contexto. Mas o mais especial que trouxe de Paris foi mesmo uma folha de plátano. Veio a voar, até ao terraço. Caiu mesmo à minha frente. Achei que estava no meu destino, aquela folha. E recolhi-a. Veio comigo como um tesouro. E está aqui. Guardada numa caixa de vidro. Como é que dizia Rodin? La beauté est partout. Esta folha muito frágil lembra-me isso. Uma e outra vez. Uma e outra vez. As vezes que forem precisas de la beauté est partout
As luzes. Ficam também as luzes inevitáveis. E a memória de uma deambulação nocturna. O último capítulo de mais uma história em Paris. Desta vez com registo. Por ter sido tão bonita de viver. 

A fechar este capítulo, algumas coordenadas, para viagens futuras a Paris:

As livrarias 

As ruas 
Rue de Babylone
Rue de Miromesnil
Rue Monsieur Le Prince
Rue de Sèvres
Rue de Seine
Rue de Racine
Rue de Vaugirard

Antiquários e Galerias de Arte



Até segunda-feira e à narrativa quotidiana! Enquanto não, uma música "boa onda":) 


A minha Place Vendôme: La Grande Épicerie de Paris.







As verdadeiras jóias estavam aqui. Não por detrás dos vidros-fortaleza das montras na Place Vendôme. Não precisam de guardas à porta. Nem de contemplação ao ritmo de champanhe e mãos com luvas, a potenciar-lhes o carácter de tesouros. O brilho destas jóias não perdura noutro lugar que não na nossa memória. Mas jóias, ainda assim. Perecíveis. Consumíveis.
Um dos lugares onde passei mais tempo, neste regresso a Paris. A Grande Épicerie , no Le Bon Marché. E sim, como se tudo fosse tesouro. Como se cada prateleira guardasse diamantes, ametistas e tudo o mais que brilha. Tanto, que hei-de lembrar-me sempre de ter "fugido" do Faubourg Saint-Honoré para ir procurar ervas aromáticas e coisas assim:) Mais um capítulo em Paris, esse. Esta foi a banda sonora dessa fuga, no táxi que me levou rápido à minha Place Vendôme. Na altura, achei improvável, o gosto do condutor pela música dos London Grammar. Improvável, de belo. Passou rápido, a parte de pensar em coisas improváveis, que me concentrei só em gostar muito que esta música tivesse acontecido naquele momento.

La Gauloise. O primeiro jantar do ano.









Embora o meu registo seja etéreo, a verdade é que esse registo se concilia muito bem com o meu sentido de organização. Essencialmente para que a poesia e a beleza possam ter espaço suficiente. Isso significa que, antes de qualquer viagem, procuro isolar dois ou três restaurantes, deixando lugar ao aleatório e ao imprevisto. Este foi o lugar que antecipei, para a primeira noite em Paris, que foi, simultaneamente, a primeira noite do ano. Duas coisas bem especiais e importantes.
É certo. Comida bem honesta, bem no espírito parisiense. Um clássico, na cidade. Há anos que tem um lugar garantido, nas preferências gastronómicas de muitos. Para além disso, é tão bonito. Os veludos, os cadeirões confortáveis, as luzes moderadas e quentes. Estava a chover, na noite deste jantar. E soube ainda melhor, tudo. Uma memória grata. Especial. Agora partilhada. Com a memória do lugar, a música.

Paris. Como se fosse em casa.











Não foi a primeira vez em Paris. Mas foi como se sim. Por isto: habitei a cidade. Fiz compras de mercearia. Levantei-me bem cedo para ir comprar croissants na boulangerie perto de casa. Uma memória que estará sempre: ouvir os ruídos de início de dia em Saint-Germain-des-Prés, meio ensonada, respirar o ar fresco cá fora, mesmo antes de sentir aquele odor especial de padaria de bairro. Dizem que aquilo que vivemos não pode ser-nos retirado, não é? Mesmo assim. Venha o que vier, os primeiros dias deste ano já estão. E foram cheios de uma felicidade muito simples. Muito perto daquilo que mais me preenche. Eu sei que há as outras coisas todas das histórias de Paris. A monumentalidade. Os museus. Os lugares com montras cheias de jóias. Os outros cheios de roupa e sapatos e carteiras. Eu sei dessas coisas todas. E também gosto dessa beleza que é, apressadamente, desvalorizada. Mas também sei do meu encantamento ao fazer compras para o jantar. Como se Paris inteira fosse a minha casa. Creio que é (também) assim que uma cidade se entranha em nós.
Por isso, agora, já posso falar de Paris, que das outras vezes não podia. Não tinha sido feliz, lá. Não vinha aqui contar histórias. O critério, neste registo, é esse. Escrever e deixar imagens do que foi bom de viver. E desta vez foi. Muito bom e muito belo.
Ficam excertos de alguma da comida que fiz, nos primeiros dias do ano. Com felicidade dentro e brindes a bons inícios!

Caldo de cebola, bacon e feijão verde

2 cebolas + 1 tomate (sem casca e partido em cubos) + 3 fatias de bacon (cortadas em cubos pequenos) + uma mão cheia de feijão verde (partido em pedaços) + azeite, sal, água e pimenta preta q.b. 

Faz-se um refogado com a cebola, o azeite e o bacon. Deixa-se estar durante dois ou três minutos e acrescenta-se o tomate. Mais uns cinco minutos e junta-se água a gosto (mais ou menos até meio da panela que se estiver a usar). Tempera-se com sal e tapa-se, até ferver. Quando começar a fervura, acrescenta-se o feijão verde e deixa-se cozer (uns dez minutos). Rectifica-se os temperos (mais sal, um fio de azeite) e serve-se, com o toque final da pimenta preta.

Com a receita de um caldo reconfortante, o Inverno feito música. Uma das minhas estações preferidas de Vivaldi. Tem os ingredientes todos. Música com os ingredientes todos.

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