Prolepse.







Queremos ver para a frente. Imaginamos. Conjecturamos. Esperamos que sim umas coisas. E que não outras tantas. Mesmo que a única antecipação possível seja a de não adiantar nada. Ainda assim, não dá para não pensarmos daqui para a frente. Faz parte de uma das nossas dimensões mais comuns, de partilhadas. Não consigo isso assim muito. Isso de me perspectivar lá à frente. Quando alguém diz "daqui a um mês" ou "fica para o ano", o pensamento interior: e se não? E se já não estivermos cá? Uma espécie de pensamento no limite, creio. Mas libertador. Faz com que faça coisas em nome dessa (im)possibilidade. Não adiar muito o que pode ser feito ou dito. Serenar alguém com uma palavra de conforto. Arrumar coisas que estão em suspenso. Procurar muito retirar do dia o que houver de bom. Integrar o mau. E seguir caminho até ao momento a seguir. O mais próximo e imediato de todos os futuros, o momento a seguir. Isso é à medida das minhas possibilidades ontológicas.
Um dos elementos das imagens é um caderno de notas que ofereci ao meu marido. Gostei da frase. All good things come to those who wait. Uma das nossas divergências. Ele faz planos para a frente. Eu não. Ele consegue dizer "daqui a dez anos". Eu não. Mas um detalhe recente fez desta frase uma espécie de mantra. Por me ter colocado na circunstância de esperar. Voluntariamente. O meu raciocínio no limite fez uma concessão e disse que era para esperar que se passassem meses. E ter de me imaginar algures em Setembro.
E então, em nome dessa condição voluntária, a prolepse. Mas com direito ao que houver para viver em Junho. Em Julho. Em Agosto. Sem elipses. Sem queimar etapas. Até lá, sei que há-de haver coisas destas. Comida feita pelas minhas mãos. A ouvir a música que cada um dos meus dias de espera pedir. E ler. E escrever. E saber que no final de cada um dos meus dias (de espera ou não), há-de haver esta possibilidade humilde. Pão, queijo, azeite, vinho tinto. E os prelúdios que eu entender. Este é um desses prelúdios.

Tortilha de rama de alho francês e cebolinho

Rama de 2 alhos franceses + 6 ovos + metade de 1 pimento vermelho + sal, azeite, pimenta preta, vinagre balsâmico (branco) e cebolinho q.b.

Lava-se muito bem a rama dos alhos franceses, separando as folhas. Parte-se logo a seguir. Depois o pimento, em cubos pequenos. Leva-se ao lume numa frigideira. Só com o azeite, primeiro. Quando começar a saltear, um pouco de sal, pimenta e uns borrifos de vinagre. Deixa-se saltear durante uns cinco minutos. Entretanto, bate-se bem os ovos. Adiciona-se depois o cebolinho picado, um pouco de sal e de pimenta. Junta-se ao salteado e deixa-se ficar até que a base da tortilha ganhe firmeza, reduzindo o fogo ligeiramente. Quando a base estiver suficientemente consistente, vira-se a tortilha para um prato largo e outra vez para a frigideira (com a parte não cozinhada para baixo). Faz-se um pouco de pressão com uma espátula, para que fique pronta sem queimar. E retira-se logo para um prato.

Uma das coisas boas que pode acontecer. Enquanto se espera. Mesmo que as outras coisas de que se está à espera não aconteçam. Se não, o caminho até elas terá valido a pena. Pelas coisas boas que fizemos acontecer todos os dias.

10 comentários:

  1. Planos para Setembro. Que bom. Percebo a tua angústia pelo que pode não acontecer, mas fazer planos pode ter muito de estruturante. De ajudar a fazer conduzir, percebes? Espero que seja uma espera positiva, essa a que te propões, contrariando a tua natureza. Entretanto, coisas que sabem sempre bem. Sem precisarem de muito mais: (boas) leituras, pão, queijo e azeite. Essencialmente simples.
    Um beijo de bom fim-de-tarde. Num fim-de-semana inteiro a três... A desejar que venham depressa os a quatro...

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  2. Também tenho a tendência para fazer alguns planos, embora cada vez mais pense que não se pode fazer planos a longo prazo. Contudo há algo que me conforta em fazer planos a curto prazo.
    A espera pelas coisas que nos fazem bem é muito gratificante e reconfortante.
    Vou levar a receita comigo, para os dias em que possa esperar por coisas boas.
    Um beijo de boa semana, depois de uns dias de descanso!

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  3. Querida Mar,

    Tenho estado ausente. Não sei bem onde nem em que tempo. Hoje a leitura de uma série de texto seus trouxe-me para o presente. Fico a pensar nas suas palavras.

    Um beijo

    Fa

    Nota: tenho estaddo com obras na cozinha, devido a uma infiltração, por isso quase não como em casa. Um dia destes envio-lhe um mail.

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  4. Na passada terça-feira, morreu a minha professora de Português do Secundário. Tinha-se acabado de reformar. Descobriu um cancro que a matou em duas semanas. E eu só pensava nas aulas dela, no que aprendi com ela. Enquanto professora e enquanto pessoa. E só pensava na injustiça disto tudo. Fazer planos para a reforma. E não os concretizar. E pensei em ti, sabes? Por saber que não consegues fazer (muitos) planos. Desculpa trazer este episódio triste para aqui, mas como não falámos na última semana, quis partilhar isto contigo.
    Mas fico feliz por saber que estás a fazer os teus planos para setembro. Fazer planos não é uma coisa negativa. Dá-nos esperança no futuro. Enquanto saboreamos o presente com as tais pequenas coisas de que tanto gostamos: livros, comida e vinho :)
    Um beijo, querida. E uma boa semana.
    Ilídia

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  5. Olá Babette:

    Acho que estou em pleno processo de aprendizagem. O facto é que não aprendi isso de fazer planos a longo prazo. De me imaginar lá para a frente. Mas sim. Quero a parte de estruturar. De conduzir. De não ser só ao sabor do dia.
    No entretanto, a espera voluntária. No entretanto, todas as coisas pequenas do meu universo igualmente pequeno. Mas meu.
    Daqui a uns dias será a quatro. No entretanto, pensa nisso:) E faz coisas boas a três.

    Um beijo para ti e para os teus pequenos índios. Lindo, ter falado com eles ao telefone. "Boa noite, Mar. Dorme bem, Mar."

    Mar

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  6. Olá Graça:

    Um facto. O mundo não permite planos a longo prazo. Parece que todos os dias essa possibilidade é cada vez mais afastada.
    Os únicos planos que me permito são à medida do que consigo antecipar. Consigo querer muito ainda estar cá para a semana. Consigo isso. E consigo as coisas das imagens. Música. Comida. Um copo de vinho. As minhas pessoas. Dar memórias boas às minhas pessoas.
    Que a receita lhe faça bem. Com espera ou sem. Mas que lhe faça bem.

    Um beijo para si. Lembro-me da "minha" Graça muitas vezes. Peço muitas vezes para que a Graça esteja bem.

    Mar

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  7. Olá Fa:

    Também eu fico a pensar nas suas palavras. Essa formulação: "Não sei bem onde nem em que tempo." Diz muito sem dizer inteiramente.
    O presente está aqui. Deixo-o aqui. O meu presente é de espera, agora. Estou a aprender a esperar. Também isto me faltava. A juntar às outras coisas todas que me faltavam.

    Que esteja bem, minha Fa.

    Mar

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  8. Olá Ilídia:

    Um prazo de duas semanas. Uma sentença de duas semanas. Olhar para um calendário e saber que no mês que vem a seguir, já não. Não respiramos. A minha tristeza contigo. A minha tristeza pelo fim da vida da tua professora de Português.
    A vida é um relâmpago. Não nos damos conta da nossa finitude. Andamos de um lado para o outro. Adiamos coisas. Remetemos para longe coisas que até queremos muito. E o quê? E um dia um cancro. Um dia um acidente. Um dia o corpo falha e mais nada. Finitos, nós. Com tempo limitado.
    Vale o dia. E o que fizermos dele. O resto é projecção.
    Os meus planos até Setembro são estes: gostar muito de cada um dos meus dias até lá. Gostar muito do caminho, lembras-te?:)
    E fazes parte do meu caminho, Ilídia. Grata por isso. Muito.

    Uma boa semana. E um beijo para que estejas bem.

    Mar

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  9. Sim, eu sei, mea culpa, há tanto que não venho a este cantinho. Por tudo que tem acontecido no meu pequeno mundo, sempre tão rápido. Amigos que partem e que nos deixam os dias seguintes desestruturados, amigos que sofrem e que nos deixam o dia-a-dia desconfortável, uma cria que cresce a olhos vistos, cada vez mais exigente e necessitada da atenção da mãe...mas voltei e li tudo o que estava para trás, gostei, claro. E gosto dessa tua inquietação tranquila, enquanto esperas Setembro. Compreendo-a! Vivo-a todos os anos!Mas tenho aprendido com ela, a não desesperar sobretudo, porque " all good things come to those who wait"...às vezes não, ok, mas mesmo assim, não deixa de nos passar pela vida como um ensinamento, logo vale a pena. Que todas as tuas/nossas esperas tragam os frutos que desejas/mos e sim, happy to be back... :)

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  10. Nada de mea culpas, minha linda:) Não há disso, comigo. Já me conheces. Sabes que não cobro nada aos meus afectos.
    Disseste bem: inquietação tranquila. Os dias passam. Trazem sempre coisas que nos acrescentam. Mesmo que sejam pequeninas e aparentemente imperceptíveis. Mas ficam em nós. Olha isto: o dia de hoje está cinzento. Há chuva. E eu queria muito que estivesse sol. Mas no espaço de umas horas já aconteceram coisas tão bonitas e fragmentárias. A começar pelo facto de ter acordado. É isso que determina tudo. Abrirmos os olhos de manhã e ainda estarmos cá. À espera de coisas ou não.
    Espero que estejas bem. E a tua menina também. Linda, que deve estar:)

    Um beijo.

    Mar

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