Sábado.






























Deixou de ser só um sábado. Por ter sido sábado. Por já ter acontecido. Por ter sido o dia em que aconteceu um almoço há muito projectado. Libertou-se daquele espaço da possibilidade. Por ter acontecido. E para este dia, eu só queria que a mesa fosse assim como um espelho. Um reflexo limpo das coisas que eu queria que a mesa dissesse. Acho que sou melhor a dizer as coisas dessa maneira. De vez em quando, as minhas palavras parecem falhar. Não dizem. Não são suficientes. Ficam aquém. Ou à porta. Não sei. Mas sei que este sábado fez com que me fosse possível reconsiderar. Por ter tido oportunidades menos luminosas para duvidar, talvez. Uma semana difícil pode ter esses efeitos em nós. E a sensação persistente de ter precisado demasiado de ter um exército dentro de mim. E eu não quero isso. Não quero precisar de exércitos. Quero só gostar. Não quero precisar de me defender. De me resguardar. Porque o melhor é dar. Gostar. Acreditar. Não ter medo, no fundo. Não ter medo.
O meu convidado de sábado fez com que eu voltasse a pensar que o mais certo é mesmo escolhermos ser melhores. Darmo-nos e esperar que corra tudo bem. E se não, logo se vê. Logo se vê se precisamos do tal exército. Se devemos ficar quietos à espera que passe. Ou se podemos só pôr uma mesa que queremos que seja um espelho de coisas que brilham sem ofuscar. Eu escolhi esta última hipótese. Havia uma pessoa que queria ver sentada à minha mesa desde há muito. E esse facto determinou que assim fosse. Que a minha mesa fosse dedicada a alguém que significa um mundo muito inteiro. Um mundo que se diz de muitas maneiras. Todas elas muito significativas.
Só para dizer que o mundo é um lugar melhor por saber que nele existe o meu convidado de sábado. Só para dizer que o meu mundo é melhor por saber que ele está. Aí desse lado. A ler-me. E aqui. Esteve aqui. E a minha felicidade só por isso. Por ter estado à minha mesa, no sábado. Obrigada por isso. Pelos livros. Pelas palavras dos livros. Obrigada por sábado.

14 comentários:

  1. Que bom que tiveste "esse" sábado. Sei como te é importante concretizar coisas, projectos. Convites que não ficam adiados muito tempo. E o "teu" Professor só pode ter gostado, porque sei como recebes bem. Só essa mesa diz mais que muitas palavras. Todo o apreço que pode estar numa mesa, com um centro materno e pratos numa toalha quente, pontuados a branco.
    Babette
    PS. Lembrei-me de ti no teu sábado. Eu às voltas com caixotes e muito cansada. Como é que acumulamos tantas coisas numa casa em apenas 10 anos?... E uma mudança que ainda vai a meio, como sabes....

    ResponderEliminar
  2. Comecei a ler este post pelo texto, porque as imagens estavam pesadas e demoraram a abrir. E à medida que ia lendo fui intuindo que só poderia ser o padre Anselmo Borges sentado a essa mesa. Teria de ser a sabedoria e serenidade dele a mostrar-lhe aquilo que já sabe mas que por vezes tem de ser relembrado: que não são precisos exércitos. Basta estar de peito aberto para a vida, para os que nos fazem ser mais e melhor.
    A mesa está linda, com elementos a que sou muito sensível, inclusive as heras a que recorro constantemente.
    Boa semana, sem exércitos!

    ResponderEliminar
  3. Fico contente por ver a tua alegria em receber este amigo convidado. Porque falas sempre com um sorriso franco do Pe Anselmo Borges.
    Tu ficas cheia de luz, a tua casa fica cheia de luz, igual à casa pequenina e branca que está na vossa mesa.
    Linda a mesa muito de inverno, de quase Natal.
    Que tenhas uma semana boa, afinal é quase Natal!

    Com carinho,
    da Pipinha

    ResponderEliminar
  4. O cuidado e a atenção que coloca nas suas mesas refletem os seus sentimentos pelas pessoas e por isso não são necessárias palavras.
    É pena quando necessitamos de um exército dentro de nós mas, infelizmente por vezes é necessário porque só o gostar é insuficiente. Triste que assim seja.
    Linda a sua mesa. Feliz de quem teve a oportunidade de a contemplar pessoalmente.
    Boa semana!

    ResponderEliminar
  5. Sabia que sim. Que uma parte carinhosa dos teus pensamentos estaria nos meus preparativos para este almoço. Depois de uma semana com tantas desilusões. Depois conto-te. Não te quis maçar nem preocupar. Por estares ocupada com a tua mudança. Mas fez-me tão bem ganhar distância. E concentrar-me em receber bem o "meu" professor. Isso era o importante. Tudo o mais era ruído. Ele gostou da mesa. E da ementa. Tinha pedido arroz de míscaros. E foi isso que eu fiz. Mais um daqueles meus bolos de legumes. E pudim Abade de Priscos. Já aconteceu. Deixou de estar à distância de uma possibilidade, um almoço. Bom quando é assim. Quando concretizamos coisas que queremos muito.
    Espero que já consigas respirar melhor, por esta altura. Que a tua mudança esteja quase concluída. É um ritual de purificação, esse. Vais ver que sim.

    Um beijo. Está muito frio, aqui. O meu jardim está coberto de gelo. E mesmo assim continuo a achar que é um jardim lindo, vês?

    Mar

    ResponderEliminar
  6. Sim, fez-me bem a sabedoria e a serenidade do professor Anselmo Borges. E o carinho todo deste sábado. Bom quando somos recordados do que é importante. Do que nos resgata das nossas fragilidades. Dos nossos medos. Não gosto de ter medo. Muito menos das pessoas. É que eu acho que acredito sempre, sabe? Por isso é que sinto estas coisas. Como me disseram uma vez. Que as pessoas assim sofrem um bocadinho mais do que as outras. Talvez seja mesmo assim. Mas depois, há isto. Este dar. Por ser tanto o que nos é dado. É isso. Deu-me muito, este sábado. E eu não me esqueço disso.
    Obrigada pelas suas palavras. E estou a pensar que há-de ser uma boa semana. Mais ainda depois de a ler. A ver se sim, se os exércitos ficam quietinhos:)

    Um beijo.

    Mar

    ResponderEliminar
  7. Olá minha Pipinha:

    Desde há muito tempo que sim. Que te falo do professor Anselmo Borges dessa maneira cheia de luz. Ainda bem que achas que consegui uma mesa com essa luz de que falas. E sim, esta mesa tomou as cores próprias desta altura. O quente do vermelho e um bocadinho de floresta com o verde.

    Um beijo para ti. Soube bem o teu abraço de amiga, ontem. Mais as outras coisas da tua mesa.

    Mar

    ResponderEliminar
  8. Olá Graça:

    Sim a essa lucidez. De vez em quando, as nossas intenções mais ou menos líricas só servem para nos fazer mal. Mas o fundamental é mesmo a outra versão. Aquela que põe uma mesa que diz coisas sem palavras. Obrigada por ter gostado. Pela verbalização carinhosa desse gostar. Está a ver? Estas palavras são absolutamente necessárias. Por quererem expressar a minha gratidão.

    Um beijo.

    Mar

    ResponderEliminar
  9. Querida Mar,

    O seu texto resolveu-me um problema de formulação. Não encontrava palavras para descrever o que têm sido os meus últimos meses. Hoje achei-as no seu blog: "E a sensação persistente de ter precisado demasiado de ter um exército dentro de mim. E eu não quero isso. Não quero precisar de exércitos." Obrigada. Não irei esquecer esta formulação, porque eu também não quero ter dentro de mim um exército. Quero apenas gostar e ter paz.

    Um beijo

    Fa

    ResponderEliminar
  10. Minha querida,
    fico muito feliz que tenha tido o "seu" professor à sua mesa. Numa mesa linda. Acredito que neste sábado tenha sabido especialmente bem ouvir palavras sábias e apaziguadoras. Espero que já esteja melhor. Que esta pausa a ajude a recuperar a paz e a libertar-se daquilo a que chama ruído (já lhe disse o quanto gosto desta metáfora, não?).
    O "seu" professor esteve na minha ilha há algum tempo e eu só soube depois, pelo jornal local. Teria gostado de o ouvir.
    Um beijo
    Ilídia.

    ResponderEliminar
  11. Mar, muito obrigada pelas tuas palavras sempre tão simpáticas e carinhosas.
    Um beijinho e Feliz Natal para toda a familia

    ResponderEliminar
  12. Olá Fa:

    Esta formulação aconteceu-me depois de um confronto, sabe? Depois de uma divergência de pontos de vista, no trabalho. Saí a pensar assim. Que tinha precisado de um exército. Depois pensei que não gosto de invocar exércitos. Que as coisas são tão melhores da outra maneira. Tão mais certas. Assim mesmo. Gostar. Ter paz. Estou consigo. E quero paz para si, minha querida Fa. Quero que esteja bem. Que não precise dos tais exércitos.

    Um beijo com carinho.

    Da sua amiga Mar.

    ResponderEliminar
  13. Olá Ilídia:

    Teria sido mesmo bom que tivesse tido oportunidade de o ouvir. Mas pode lê-lo, enquanto ele não volta à sua ilha. Todos os sábados, no DN. Sempre muito, o que escreve. A tornar dizíveis coisas que temos como longínquas. Nada disso. Que ele faz com que elas possam ser ditas. Pensadas a sós. Discutidas. E nunca discursivas. Nunca de circunstância.
    Por isso, sim. Recebi o professor Anselmo Borges com uma alegria enorme. Efusiva o suficiente para ser uma mesa. E uma ementa dedicada a uma das pessoas que a vida me ofereceu como dádiva. Assinalar a dádiva, então.
    E já estou melhor. Hoje foi melhor. O tal ruído acalmou um bocadinho. Ainda bem que assim foi.

    Um beijo para si. Com carinho.

    Mar

    ResponderEliminar
  14. Olá Gisela:

    Grata pelo teu agradecimento carinhoso. Fiquei só feliz, por uma coisa boa na tua vida. Faz parte isto. Quando gostamos das pessoas é assim. E das receitas delas, também:)

    Um beijo. E o mesmo Natal feliz para ti e para os que estão perto.

    Mar

    ResponderEliminar

AddThis