Li sem ler. Registei sem registar. Remeti para mais tarde. Que depois tinha de apontar na minha agenda. Para não me esquecer. Mas esqueci-me. Aconteceu esquecer-me. Disto. De uma almofada. No papel pequenino que ele trazia nas mãos pequeninas, o pedido era muito simples. Uma almofada.
Mas depois houve as outras coisas todas da semana passada. Todas as outras coisas. Todas apresentadas como absolutamente inadiáveis. Tinham mesmo de ser feitas e não dava para ficar para outra altura. E muitos papéis com a minha assinatura muitas vezes. Mais pessoas a dizer se dava para fazer mais qualquer coisa. Que ainda faltava mais uma coisa de que se tinha falado no dia anterior. A essas coisas, o sim. Sim a isso tudo. E o papel pequenino da almofada ficou esquecido. A palavra é esta, que não gosto de eufemismos. Nem de dar sinais errados. Esquecido, o papel com que o meu filho chegou a casa há uns dias atrás.
E mesmo que não tenha uma visão castigadora das coisas. Mesmo que não ache nada que somos capazes de chegar a tudo. Ou que não ache a mínima piada ao que chamo de "mães profissionais". Ainda assim, a falha. Enorme, inequívoca, inapelável. No dia da festa de Natal, o meu filho não levou a almofada do papel pequenino. Porque a mãe se esqueceu. Porque a mãe andou a preparar a festa de Natal dos alunos. Porque a mãe andou a preencher muitas vezes os mesmos papéis. Porque a mãe andou a ter muitas reuniões que acabavam muito tarde. E a pensar no jantar de terça. E no de quinta. E correu mal, que a mãe esteve mal. Mas ele não. Ele libertou-me, no momento em que lhe pedi desculpa. Assim: "Deixa lá, mamã. Não fiques triste, que eu desenrasquei-me."
Depois perguntou se podia fazer-lhe uma sopa. Esta que deixo hoje. Que fiz para o meu filho. Libertador da mãe.
Creme de Cebola
4 cebolas médias + 1 batata + 2 courgettes + 4 cenouras + sal e azeite q.b.
Faz-se um refogado muito breve com duas cebolas e um pouco de azeite. Aos poucos, integram-se as courgettes (sem a casca), as cenouras e a batata. E água até cobrir os legumes. Junta-se um pouco de sal e tapa-se. Depois de começar a ferver, reduz-se o lume e deixa-se estar vinte minutos. Decorrido este tempo, passa-se muito bem com a varinha mágica, para ficar em creme. Junta-se as outras duas cebolas, partidas em gomos finos. Finaliza-se com um fio de azeite e mais sal, se necessário. E no momento de servir, já no prato, ficam muito bem umas lascas de parmesão.
PS: Para o António. Para quando souber ler.
Mar,
ResponderEliminarHá sempre um momento (ou vários momentos, infelizmente)em que deixamos os nossos, os que amamos, para depois. Como se fosse adquirido que eles estão sempre lá e que nunca ficam tristes pela nossa ausência e que sabem que todas as outras coisas têm urgência. Há sempre um momento em que nos alheamos desse Amor incondicional, por muito que tentemos não o fazer. Vale-nos que tal Amor incondicional tem também a forma do perdão para essas faltas. Vale-nos que com o nosso Amor incondicional por eles conseguimos reconhecer a nossa falta e recuperar o tempo que é só deles e nosso.
Beijinhos e um Feliz e Santo Natal para si e para a familia.
Esquecimentos todos têm e há alturas em que eles predominam.Ninguém é perfeito, as mães não o são e não são piores mães por isso.
ResponderEliminarBeijos com carinho,
Graça
Só para te deixar um beijo, que já te disse o que acho em relação a este esquecimento: acontece. E o António percebeu e desenrascou-se, o que mostra o mais importante: estás a educá-lo para que seja uma pessoa autónoma e compreensiva. E isto, minha querida, é muito mais importante do que qualquer almofada :)
ResponderEliminarBeijos
P.S.: Ainda falamos antes do Natal :)
A mãe perfeita não é aquela capaz "de chegar a tudo". A(s) falha(s) faz(em) parte do amor, esse tal incondicional e libertador. Esse tal que nos faz sentir tão bem perante estas situações, estes seus "desenrasques", sinal que está tudo em paz, a rumar no caminho certo, em que tudo (ainda!) se resolve com uma sopa d'aMAr...:)
ResponderEliminarFeliz Natal para todos e tudo de bom para 2012, C&L ♥
Olá Carla:
ResponderEliminarUma recuperação em curso, agora. Desse tal tempo que nos pertence. Mesmo que eu saiba que não dá para recuperar inteiramente. Mas sou por uma visão luminosa da vida. Mesmo dos momentos um bocadinho mais sombrios. Como aqueles da semana passada. Em que tomei certas coisas como adquiridas. E saber que isso aconteceu por um cansaço extremo. Por não saber mais onde apontar o que fazer. Listas e mais listas. E esqueci-me da tal almofada.
No fim de tudo, foi ele o grande. Em muitos aspectos carinhosos.
Um beijo de Bom Natal para si. E obrigada pela generosidade.
Mar
Olá Graça:
ResponderEliminarEu sei que não há isso da perfeição. Especialmente no domínio da maternidade. Em que há uma inclinação perigosa para essa ideia. Mas sabe, mesmo tendo essa noção, senti-me só a falhar. Do irredutível da falha.
A minha gratidão pelo seu carinho. E um Natal tranquilo para si.
Mar
Olá Ilídia:
ResponderEliminarGostei tanto dessas duas ideias. A de autonomia e de compreensão. E de isso ser mais importante do que qualquer almofada. Obrigada, que também foram palavras libertadoras. Como as do meu filho. O meu marido costuma dizer que o António é bem resolvido. Também gosto de pensar assim. E de saber que é assim sem medo do mundo. Um bocadinho como a mãe:) Embora tenha de o preparar para as coisas menos boas que acontecem quando não se tem medo do mundo. A ver se sim. E sim, falamos antes do Natal:)
Um beijo para a ilha verde onde está quase a ser Natal:)
Mar
Olá minha linda:
ResponderEliminarTens mais experiência do que eu. Já passaste por mais coisas, nisto de ser mãe. E partilhámos muitas, nós. Agora. E antes, quando tomávamos café todos os dias. Muito cedo, antes de o dia começar a sério. Sabes que me lembro sempre de ti, nesse bocadinho de dia? Se estás a tomar café com uma colega de trabalho. A falar daquelas coisas pequenas do quotidiano. Uma espécie de preservação dessa memória a saber a café, o lembrar-me de ti:)
No rumo certo, então. Vou confiar na tua intuição de happy single mother:)
Um Natal brilhante como os vossos olhos, C&L.
Mar
Pronto. Uma lição apreendida: também podemos falhar e eles sobrevivem ;). E até nos desculpam, pois compreendem todas essas outras solicitações à mãe. O mais nobre será assumir que nem sempre se acerta. É verdade. Mas só com essa aceitação podemos ser melhores. Entretanto o António recebeu uma sopa deliciosa... Se calhar até ficou a ganhar!...
ResponderEliminarUm beijo à minha Mar,
Babette
Acontece. E nāo podia de deixar de ser a resposta do teu filho, a mais libertadora. Um menino desenrascado, ė o que ele é. e meigo e atento tambėm. Mas irremediavelmente a sensaçāo de falhar. Já passou.
ResponderEliminarE sabes, eu tambėm ganhei dessa sopa, que provei no dia seguinte, enquanto, a velocidade de cruzeiro, dividimos as três as coisas dos dias anteriores e um belo almoço.
As fast as you can !
Beijinhos de já quase natal !
Da
Pipinha
Querida Mar, revejo-me no seu episódio da almofada porque a todas nós "mães profissionais" e até às " mães domésticas" situações destas acontecem. E deixam-nos um vazio, uma angústia, uma sensação de termos falhado com quem nada nos exige mas atenção e amor. Podia contar-lhe estórias sobre algumas das almofadas da minha vida, mas acho que não devemos dar muita importância a elas, até porque as crianças têm mecanismos surpreendentes para lidarem com diferentes situações, e não serão estes episódios ensaios para a vida?
ResponderEliminarDesejo-lhe uma quadra feliz na companhia da família, porque ela está no centro de tudo, desde há dois mil e onze anos.
Um santo Natal para si e para a sua família.
Patrícia
Feliz Natal querida Mar.
ResponderEliminarUm beijo
Fa
Também sabes libertar, tu:) Sim. Sobreviveu e perdoou. E acho que quem aprendeu mais, fui eu. A vigiar-me do exterior, muito principalmente. Tenho pensado nisso. Que preciso que o exterior que pede demasiado deve ser vigiado.
ResponderEliminarE a sopa. Gosta tanto desta sopa, ele. Sabes que quer repetir quase sempre?:)
Um beijo para ti.
Mar
Olá minha linda:
ResponderEliminarEstiveste próxima da minha falha, que fui rápido ter contigo. Para dizeres que não fazia mal. Que estava tudo bem. Ele é essas coisas que disseste. E olha, tão atento, que está quase a revelar-me o presente de Natal que o Vasco escondeu:)
Soube bem, o nosso almoço as fast as we could:) Com um início carinhoso. A sopa de cebola do António. E as flores brancas que trouxeste contigo. Obrigada.
E um beijo.
Mar
Olá Patrícia:
ResponderEliminarVou achar que sim. Que são ensaios. Que eles têm mecanismos para ir lidando com as coisas. E sabe o melhor? Acho que eu é que dei mais importância a este episódio. Pelas razões óbvias, talvez. A falha esteve do meu lado. Ele nunca mais falou no assunto. Disse aquilo assim que cheguei e pronto. Depois um monte de beijos carinhosos, porque eu estava a chegar a casa. E era tarde outra vez. Mas ele não cobrou nada. Só veio à porta dar coisas à mãe. Carinho libertador, muito especialmente. Bom assim.
Obrigada. Pelo Natal que espera. Pelo Natal que nos desejou. O mesmo para si, Patrícia.
Um beijo.
Mar
Feliz Natal, minha querida Fa.
ResponderEliminarUm beijo da sua amiga Mar.