Há um livro novo, aqui. Ainda não descansa junto aos outros, que ando a lê-lo. E a achar lindas as imagens muito próximas do meu imaginário. Uma cozinha de afectos, o livro que se chama Cozinha d' Amigos. De Miguel Sousa Tavares. E não é preciso demorar-me mais do que isto. Porque o importante é deixar aqui um dos meus livros. Oferecido sem pensar duas vezes pelo meu marido. Que diz que reconhece ali a minha devoção inicial pela comida. Pelos mercados. Pelos rituais demorados associados à mesa. Eu acho que o que gosto mais é o tom livre e despretensioso dos textos. A hermenêutica é muito simples, nestas páginas. Quase como o homem que as escreveu. Gosta-se. Ou não. Há pessoas assim. Que não são meio-termo. Que não ficam entre uma coisa e outra. Em vez disso, escolhem dizer-se. E deixar à consideração. Mesmo que essa parte não lhes interesse assim muito.
E mesmo a calhar, antes do livro, isto. Perdizes. Uma receita de caça, então.
Perdizes e colheita tardia
2 perdizes + metade de uma garrafa de um colheita tardia + meio copo de um bom whisky + sal + azeite + pimenta preta moída na hora + uvas brancas (sem grainhas) + 10 castanhas + 1 dente de alho esmagado.
Basta o tempero. Basta deixar as perdizes embebidas no tempero. De um dia para o outro, se for possível. O resto acontece num tacho. As perdizes, o tempero e as castanhas, juntos num tacho fechado em lume brando. Durante uns quarenta minutos. Nos últimos dez minutos, os bagos de uvas juntam-se ao que está. Pouco antes de ir à mesa, uma sertã com uma dose generosa de azeite. Primeiro, só as perdizes e o azeite quente. Para que a pele fique dourada. Depois, o tempero que ficou a repousar no tacho. Mais as castanhas e as uvas. Até reduzir ligeiramente. Serve-se como a nossa intuição ditar. Neste dia, foi com um puré especial. Mas é o género de comida que vale por si. Que não precisa de grandes auxiliares. Talvez umas fatias de um pão substancial. Talvez umas batatas fritas em azeite. Talvez o que quisermos.
Um coincidência! Eu com o mesmo livro nas mãos. Leio o MST desde a GR. Outras leituras. Mas a mesma devoção e intensidade no que escreve.
ResponderEliminarA sua receita, um deslumbre. A ver se me atrevo...
Abraço!
Mar,
ResponderEliminarJá pisquei o olho a esse livro. Gosto da narrativa de MST, que associada à comida, esse grande amor que tenho, há-de ser um livro delicioso de se ler. Melhor só essas perdizes e esse modo de dizer a receita que torna a cozinha um lugar de familia, de carinho e aconchego.
Beijinhos
Uma receita muito do agrado do meu marido transmontano. Eu fico-me pelo MST e pelo copo de vinho.
ResponderEliminarUm abraço
Patrícia
Olá, Mar, tenho sentimento contraditórios em relação ao MST. Gosto de ler algumas coisas que escreve, no entanto, ele, o homem, mexe-me com os nervos. E tenho um defeito: custa-me dissociar o escritor do homem. No entanto, como é um livro sobre comida, penso que me seria possível fazê-lo:) Não sou grande apreciadora de aves (fico-me pelo peito de frango que, segundo os apreciadores, é a carne menos interessante de uma ave). No entanto, reconheço que o seu prato é muito especial, com essa seleção de belíssimos ingredientes. Um beijo.
ResponderEliminarP.S. Se encontrar o livro, pode ser que considere comprá-lo, a ver se ultrapasso os meus preconceitos:)
Gosto de MST, pela irreverência, pela frontalidade, pelo estilo "No, I don't care". Invejo-o por isso, neste mundo difícil, onde, tantas vezes, necessitamos recorrer a uma diplomacia, nem sempre sentida e verdadeira.
ResponderEliminarNão o sabia associado a estas andanças da comida. Fiquei curiosa: MST e cozinha, algo a descobrir este Natal... :)
Uma boa coincidência, então. Também o leio com gosto há bastante tempo. Na Grande Reportagem. No Expresso. E os livros. Embora não no registo de romance histórico, por não apreciar muito o género. Uma das minhas limitações.
ResponderEliminarE acredite que não é preciso atrevimento para a receita:). É mesmo muito simples. Basta o tempero e lume.
Outro abraço para si.
Mar
Olá Carla:
ResponderEliminarOs textos são lindos. E as fotografias dizem tanto sem palavras. O tom muito limpo da escrita aplicada à cozinha. Uma delícia só, o livro.
As perdizes ficaram bem. Souberam bem ao almoço de domingo. E gostei do facto de ter decidido fazê-las antes de o livro me ser oferecido. Quando o ler, vai ver que é por aí que começa a narrativa.
Um beijo para si.
Mar
Olá Patrícia:
ResponderEliminarPode sempre oferecer perdizes de presente ao seu marido transmontano. E tentar converter-se, por entre um copo de vinho ou outro:) Enquanto folheia um livro pleno de devoção pela comida.
Um beijo.
Mar
Olá Ilídia:
ResponderEliminarPercebo essa ambivalência. Mais ainda atendendo ao facto de ser um pouco injusto com os professores. Mas esses comentários ácidos nunca me impediram de continuar a gostar da liberdade com que se manifesta. Também por intuir que muitos desses comentários resultam de um certo desconhecimento das especificidades inerentes à nossa profissão.
As perdizes têm uma carne muito suave. E com o tempo e o tempero certos, ficam impregnadas das coisas que lhes quisermos associar.
E sim. Se o encontrar, tente ultrapassar as suas questões com o senhor:) O livro é belíssimo. Estou certa de que se vai reconhecer naquele entendimento das coisas de que gostamos.
Um beijo.
Mar
Olá minha linda:
ResponderEliminarNão fiquei surpreendida, porque o vi algumas vezes no mercado de Lagos. Com um cesto, em busca de peixes. Há coisas que a nossa intuição alcança e pronto. E também por coisas que já tinha lido a propósito.
Também gosto desses traços todos na escrita e no discurso dele. E fazem falta, esses traços. Devia haver mais pessoas assim, acho. Declarativas.
Um beijo.
Mar
Já vi o livro numa montra mas ainda não o desfolhei... Mas se dizes que estás a gostar apetece e pronto! As perdizes estão lindas.... e a tirar as grainhas das uvas... desta vez foste tu com esse trabalho todo ;)
ResponderEliminarBabette
Vais ver que te reconheces naquelas páginas. Estou certa que sim. E as perdizes até que correram bem. A parte das uvas também. Porque comprei sem grainhas. Lembrei-me logo de ti e dos teus dedos magoados, depois de tirar grainhas de (muitos) bagos de uvas:)Encontrei estas no supermercado do El Corte Inglès.
ResponderEliminarUm beijo.
Mar
Além da comida deliciosa, vejo que a paisagem é muito romântico. Muito bonito. Parece ótimo. É uma obra de arte visual. Comi alguma coisa semelhante em um dos restaurantes em perdizes. Embora eu não tinha esse paisagem de fundo.
ResponderEliminarOlá Jorge:
ResponderEliminarDesculpe, que só agora é que vi o seu comentário. E já passou tanto tempo. Mas quero pensar que vamos sempre a tempo de responder a alguém que nos escreveu.
Muito obrigada pelo que registou. Fico feliz. E agradeço a referência.
Mar
Olá Jorge:
ResponderEliminarDesculpe, que só agora é que vi o seu comentário. E já passou tanto tempo. Mas quero pensar que vamos sempre a tempo de responder a alguém que nos escreveu.
Muito obrigada pelo que registou. Fico feliz. E agradeço a referência.
Mar