Um doce que sabe a início.


Há anos, quando ainda andava na faculdade, fui ao Cafeína pela primeira vez. Pela mão do meu filósofo. Sem que me apercebesse na altura, escreveu-se ali um começo. Porque foi a primeira de muitas vezes ali. Naquela sala que nos acolhe e nos faz querer voltar. Depois, porque me lembro perfeitamente dessa primeira refeição. Não tanto do que pedi para mim, mas do que o meu amor inicial pediu para si. Um folhado com foie gras. E Tarte Tatin. Apesar de, na altura, a minha sensibilidade não estar ainda suficientemente apurada, recordo que estive muito atenta aos significados dos pedidos que ele formulou. E lembro-me de pensar que nem toda a gente gosta de foie gras. Mas muito especialmente, a memória de se ter deliciado com uma fatia generosa de Tarte Tatin. Uma imagem cheia e doce. Do homem que viria a ser meu marido. E que me leva pela mão em busca da beleza que há nas coisas do mundo. A beleza que pode ser dita ou contemplada em silêncio. E que me repete que as palavras são coisas e não conceitos distantes. Eu acho que lhe ofereço domingos felizes. Porque para ele, eram os dias que se arrastavam. Mas a Mar invadiu a casa. E os domingos deixaram de ser dias arrastados.  Esta foi a tarte que ofereci de presente. Num domingo vivido e não arrastado. Enquanto ouvia a voz de que nunca me canso. A voz da diva. Maria Callas. 
Muito simples de fazer, este doce que sabe a início. 

200 g de açúcar + 100 g de manteiga + quatro/cinco maçãs + uma embalagem de massa folhada.

Começa-se pelo caramelo (que deve ser feito na forma que vai ao forno). Depois de o açúcar estar caramelizado, junta-se a manteiga e espera-se até ficar integrada, enquanto se mexe com cuidado. Quando está tudo harmonizado, coloca-se no fundo da forma as maçãs partidas em pedaços generosos. Cobre-se depois com a massa folhada e leva-se ao forno durante uns vinte minutos. Retira-se e inverte-se no prato de servir. Para se servir, ainda quente. Ou morna. Acompanhada com gelado ou sorvete. Ou simples, sem mais nada, como ele gosta.  

10 comentários:

  1. Vim agora aqui antes de dormir e levo este doce com sabor a inicio.
    Que apreciei bem, na nossa amizade.
    Haverá um dia em que lá irei, experimentar sabores de que ouço falar desde há tanto tempo:) ...a sala com muita madeira, do Cafeína.
    A madeira é muito boa nos restaurantes, diz o meu belo arquitecto, que ela torna as salas de jantar silenciosas.

    Bem, quanto à tua tarte, achei sempre que tarte tatin fosse mais elaborada, e que tivesse um creme. Tolices. Está linda de dourada a tua.

    Beijinhos,
    time to sleep

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  2. O Cafeína. Outro sítio que temos em comum.
    Que também não desilude, ao fim destes anos todos. Uma presença discreta mas firme. A Tarte Tatin está linda! A composição da 2ª fotografia é perfeita!
    Babette

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  3. Bom dia, Pipinha!

    Sim. Assististe a este início. Estiveste lá o tempo todo. E tens que ir com o teu arquitecto ao Cafeína. Imagino-vos lá. A serem felizes com uma refeição, numa sala com muitas madeiras. Muito inglesa. Muito silenciosa.
    E a tarte tatin é inacreditavelmente simples de fazer. E fica linda. E espalha felicidade doce.

    Beijo da Mar.

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  4. Sei que gostas do Cafeína. Um sítio muito especial, na tua cidade. Cheia de sítios assim: especiais. Sempre fui muito feliz no Cafeína. Desde o início. Este que aqui descrevi.
    Ainda bem que gostaste. Da tarte. E da composição com camélias.

    Beijo da Mar.

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  5. Bom dia linda Mar!
    Sento-me junto ao computador, munida de um tardio pequeno-almoço, sem grande vontade de pensar no trabalho que me espera à tarde/noite. O dia amanheceu triste e sinto-me sem energia nenhuma. Vou aos favoritos, onde a página da Mar já tem lugar cativo, e escolho-a a si para começar o meu dia.
    E mais uma vez maravilho-me. Imediatamente me invade um sentimento de re-começar, porque a Mar tem essa capacidade de também me levar pela mão à descoberta da beleza das coisas do mundo(como o seu filósofo marido fez consigo). E hoje, num dia laboral como tantos outros, vou pensar em si, vou estar atenta às coisas bonitas (visíveis ou mais escondidas)e levo na memória essas fotos da tarte tatin, que tanto significado tem para si, que só por falta de tempo não faço hoje.
    A diva, aquela que por vários motivos (alguns de felicidade) me faz chorar, já toca no pequeno rádio do escritório.
    Obrigada pelo novo início. Obrigada por tudo!

    Sandra

    P.S. - Desculpe o comentário longo e obrigada pela passagem no meu pequeno cantinho. Sou ainda uma aprendiz, mas é uma arte que me dá muito prazer descobrir.

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  6. Mar:
    Aí vai uma boa notícia: o jovem livreiro da Almedina já recebeu "O Rosto de Deus", que espera por mim! Assim que acabar o que estou a ler, vou ler a "sua" autora.A Mar desperta bons sentimentos. Gosto como desencadeia tanto diálogo, arranca dos seus leitores a "escrita" que há em cada um de nós. Por ex. SML!
    Beijinho.

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  7. Para a Sandra:

    O seu comentário encheu o meu dia. Marcou-o de uma forma que não consigo dizer muito bem. As palavras às vezes são assim: não chegam, não são suficientes.
    É muito precioso para mim estar presente na sua vida quotidiana de uma maneira tão poética. E, principalmente, cheia de humildade. Obrigada por acrescentar sentido a este sítio virtual onde procuro dizer o que me acontece. E o que faço com o que me acontece.
    Creio que tenho vindo a descobrir sentidos para escrever aqui. Mais sentidos. Como as suas palavras. E gosto tanto que o meu blog seja visitado por pessoas como a Sandra. E que seja sem objectivos práticos, racionais. Pura imaterialidade com base na minha realidade. Que por vezes é difícil. Como hoje, por exemplo. Um dia em que mal pude respirar, quase sem tempo para almoçar. Mas consegui este pedacinho de espaço para lhe dizer que me sinto grata. Por fazer parte dos favoritos da vida de alguém que nunca vi. A Sandra também tem esse espaço aqui. Uma das favoritas. E escreva muito. Aqui e onde quiser. As palavras resgatam-nos do que não nos confirma, do que nos magoa. E registam tudo. Fazem-nos olhar de frente para tudo o que tentamos dizer.

    Um beijo cheio de carinho para si. Onde quer que esteja. Da Mar.

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  8. Olá Lusitana!

    Que bom que já tem o "Rosto de Deus". Espero que goste muito de o ler. A Lusitana é feita de matéria preciosa. Escreve coisas que me são preciosas. Como isso de dizer que desperto bons sentimentos. Muito lindo que diga isso. Agradeço comovida. Porque, de alguma forma, acabou de formular um dos sentidos da minha vida. Esse de querer passar coisas boas. Mesmo que nem sempre corra bem. E nem sempre corre bem. Porque podemos tentar fazer coisas boas por um lado e isso significar que, por outro lado, daí pode resultar mágoa. Para nós e para os outros. Ainda assim, tentar sempre. Eis uma das minhas palavras: tentar. É o que tento dizer por todos os meios aos meus alunos. Como hoje, em que me "submeti" à avaliação deles. Depois de lhes entregar os testes desta unidade. Para eles me dizerem como é que eu posso continuar a tentar. Tentar ser melhor. E mais. Mesmo que nem sempre o consiga. Mas resta sempre o consolo muito inteiro da tentativa, não é?

    Um beijo luminoso num dia de chuva para a Lusitana.

    Mar

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  9. Olá, Mar
    Tão poética a sua entrada! Também a Mar nos leva pela mão à procura de belezas por descobrir. Por isso os seus leitores estão sempre a regressar ao longo do dia a este espaço ... a conversa não se esgota. Todos os dias há fios que ficam suspensos, que cada um de nós retomará à sua maneira, ou, o mais provável é que no dia seguinte aqui estejam todos de novo para a retomar.
    bjs

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  10. Olá Fa:

    Uma conversa inacabada. É uma coisa boa, essa. Uma conversa que se retoma, que fica em suspenso. Até ao dia seguinte. Obrigada por, volta e meia, vir aqui para conversa que não se esgota.

    Beijo da Mar

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