"(...) não é o que nos acontece, mas o que fazemos com o que nos acontece."
















No fundo, tudo parece resumir-se a estes dois pólos: o que não depende de nós e o que depende de nós. Tão certa, esta formulação de Aldous Huxley. As coisas acontecem e, a maior parte das vezes, não há como antecipar ou prever. E então, se aquilo que acontece não acabar connosco, há a outra parte. A parte em que decidimos ou não decidimos, dizemos ou não dizemos, fazemos ou não fazemos. E nem é preciso cenários extremos ou dilemas morais ou situações dramáticas. Ao contrário. É a filigrana frágil de que são tecidos os dias. E tantas, as vezes em que fazemos coisas erradas pelas razões certas. Tantas. Que encontremos sempre em nós razões certas que nos salvem das coisas erradas que fazemos. Não perderemos tudo, se assim for. Haverá isso do nosso lado. E isso não é pouco nem é passível de ser rasurado. Pertence-nos. 
Faz parte do processo interior destes dias pensar a sério. Olhar carinhosamente para as cicatrizes que são uma marca que nos dá carácter e ir tratando todos os dias das outras, das feridas ainda abertas. O confronto interior é uma coisa bem difícil, mas não é inconciliável com a leveza. Se possível, acrescenta-lhe sentido, sustenta-a ainda mais. Em mais um paradoxo, o que acontece é isto: somos ainda mais inteiros nas coisas, ficamos ainda mais felizes com aquilo que sempre nos fez felizes, gostamos ainda mais de gostar. É isso. Como nisto de ir preparando a casa para o Natal, por exemplo. O facto de haver Natal todos os anos não faz com que cada ano não seja aquele Natal. Único, irrepetível. Por isso, aquela alegria renovada, enquanto as coisas vão acontecendo. Ou melhor: enquanto vou fazendo coisas com o que acontece:) As luzes, ramos verdes e azevinho, velas, garrafas de coisas diferentes que fui guardando na adega, sem saber muito bem porquê ou para quê. Percebi por estes dias, enquanto tudo vai encontrando lugar na casa. Não é (mesmo) preciso muito. É o que penso, ao olhar para as garrafas transitoriamente transformadas em jarras e em castiçais. 
E hoje, mais dois livros. O primeiro é o segundo livro da Guida. Um daqueles livros de cozinha que é também de ler. Tanta História em torno da comida, dos hábitos, dos ingredientes. Fotografias lindas, receitas de um tempo anterior, adaptadas ao nosso tempo. Será apresentado no Porto, no Domingo. Deixo aqui as coordenadas. E o último livro de António Lobo Antunes, ter sido este o primeiro livro que li, dele. Não sabia bem porquê. Sempre gostei de o ler e de o ouvir em entrevistas, especialmente nesta. Mérito dele, mas também do jornalista que é, para mim, o melhor neste ofício de fazer perguntas. E, numa síntese sem rede, é assim: parecia que estava a (re)aprender a ler. É preciso deixar de parte a nossa noção de língua, de frase, de pensamento, até. E mergulhar. Nas primeiras páginas, pensei que não. Que não ia dar e pronto, por mais que não goste de deixar livros a meio. Mas depois veio a parte do tal mergulho. E depois, foi como se sempre tivesse lido assim. Muito bom. E muito pesado, também. É um livro negro. Mas a minha leveza na vida permite-me ler livros negros e pesados, creio. A par dos livros, esta revista que me inspira tanto, a tantos níveis e que é sempre uma coisa boa que acontece todos os meses. 
E há umas semanas aconteceu receber kiwis. Mesmo muitos. Ainda a acabar de amadurecer. Não é uma fruta fácil ou que me apeteça comer sem mais, mas dá para fazer uma das minhas compotas preferidas e de que comecei a gostar daquela maneira boa: inesperada. Muito fresca, doce no ponto certo, a colher o espírito da estação. A que mais me apetece, nos meus pequenos-almoços frugais. Café, uma torrada com manteiga a sério e o final ser uma fatia do bolo mais básico de todos. Bolo de iogurte com uma colher desta compota: doce e certo. Lá está, as coisas acontecem e nós podemos fazer acontecer coisas. E sim, é do género de se poder oferecer de presente. No Natal ou sempre e quando quisermos.  

Compota de kiwis

1 quilo de kiwis (não devem estar maduros) + 800 g de açúcar + 200ml de água + 1 limão (cortado em rodelas finas e sem as sementes) + 1 pau de canela

Descascam-se e cortam-se os kiwis em pedaços e colocam-se numa panela. Depois, os outros ingredientes. Vai ao lume durante cerca de 45 minutos. Lume forte até que comece a surgir uma espuma e brando a partir desse ponto. Decorridos os 45 minutos, retira-se as rodelas de limão e o pau de canela e passa-se (grosseiramente) com a varinha mágica. E está. Depois, é só transferir para frascos e fica ainda melhor, se a conservarmos no frigorífico, para estar bem fresca. 

A música é dos The Subways. Rock and Roll Queen. 

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