Tempo doce e sereno, este. E grato. Todos os dias essa gratidão. Não uma gratidão abstracta, de dizer obrigada ao universo e a outros infinitos lá longe. Ao contrário, é uma gratidão bem concreta e bem imediata. Setembro é sempre um mês generoso. Mas tanto, este ano. Todos os dias há alguém a quem devo agradecer todos os pequenos presentes à minha porta. Os figos a escorrer mel, as uvas doces como Moscatel, as primeiras maçãs e as primeiras pêras. Os pimentos e aquele aroma que é aquilo a que cheira o Verão a chegar ao fim. As flores que não há nas lojas, por serem as flores das hortas das mães e das avós. Podemos não lhes saber o nome, mas o nosso coração e a nossa memória reconhecem-nas. São as flores que crescem junto das ervilhas e das cebolas e das batatas e do mais que sempre há nas pequenas hortas. E todas as variações de tomate, rei dessas oferendas que me fazem tão bem e tão feliz. Se há cor, sabor, imagem que diga estes meus dias, é este vermelho-carne. Vibrante e urgente. Por dizer silenciosamente que temos mesmo de fazer acontecer coisas e que isso é coisa que não deve ser adiada. E um molho de tomate com Parmesão ser assim uma espécie de celebração. Como se a receita fosse uma história a ser contada cadenciadamente. De todas as (muitas) coisas que tenho feito e vivido por estes dias, este molho de tomate. E massa. E Parmesão. E orégãos. E a felicidade disso tudo não se esgotar no que a comida tem de leitura imediata.
As coisas têm sempre camadas. Nunca são só o que é visível. Setembro fez-me ver cada camada, cada sedimento. Por mais que me tenha custado. Faz parte de ver as coisas na sua crueza. Mas estou grata também por isso. Os discursos triunfais e de superfície estão sempre a repetir-nos que temos sempre de saber o que queremos e o que vamos conseguir e alcançar e mais não sei o quê que só me dá vontade de ficar muito quieta e de não correr atrás de nada nem de ninguém. Mas nunca se fala de sabermos o que não queremos. Nunca se fala disso. Porque esse exercício, só por si, resolve uma série de questões. E de pessoas. E de lugares. De equívocos e de ilusões. Se fizermos as perguntas certas, se as fizermos muitas vezes, se as respostas forem sempre não, temos o que não queremos. E o melhor de tudo, cumprido esse processo: a vontade de amarmos renovadamente tudo aquilo a que dissemos/dizemos sim. Não é fácil, mas no final, é como se fizéssemos obras dentro de nós ou assim. Este Setembro e todos os não quero que me trouxe, já devia ter acontecido há muito. Foi agora o tempo. Mas foi a tempo.
E um dos livros destes dias, o primeiro volume das Mil e Uma Noites. E o que fica, de todas as narrativas deste volume, é a inteligência subtil de uma mulher. E muito, muito, o poder de uma boa história. De saber contar uma boa história. Sherazade, a oferecer-se em sacrifício ao rei Xariar, para o impedir de todos os dias, ao amanhecer, mandar matar a mulher que havia desposado no dia anterior. Segundo ele e os seus medos de homem fraco, seria essa a única maneira de não ser traído. E assim, todas as noites, satisfeitas as necessidades do rei, Sherazade e as suas histórias, enleadas umas nas outras, para lhe manter a curiosidade acesa, a vontade em suspenso, por querer saber o que vinha a seguir. Para mim, a história fundamental daquelas histórias todas, é esta. Um livro de estudo. Na brutalidade, na sexualidade primitiva, no carácter de fábula, de irreal. E, apesar de serem páginas que adiava há muito, a sensação de terem acontecido no tempo certo.
Fica então a receita do molho de tomate que passo a vida a fazer, entre Agosto e Setembro. É bom fazer coisas para guardar para os meses frios, mas para mim, é ainda melhor vivê-las no tempo em que estão a acontecer.
Molho de tomate com Parmesão
1 cebola (média e picada) + 3 dentes de alho (picados) + metade de um pimento verde + 3/4 tomates coração-de-boi (grandes) + 4 ou 5 lascas de Parmesão (ou a casca) + 1 colher (de sopa) de açúcar mascavado + azeite, sal e orégãos.
Leva-se ao lume a cebola, os alhos e o pimento, num fio de azeite. Deixa-se frigir um pouco e acrescenta-se o tomate, sem a casca e cortado em pedaços. Um pouco de sal e o açúcar e deixa-se estar durante uns 15 minutos, tendo o cuidado de não cobrir a panela e de ir mexendo de vez em quando. Depois deste tempo, coloca-se a tampa e deixa-se estar uns cinco minutos. A seguir, retira-se do lume e passa-se com a varinha mágica na própria panela, para não estar a sujar mais loiça e para não perder nada do molho:) Leva-se novamente ao lume, coloca-se a casca ou as lascas de Parmesão e deixa-se apurar. Enquanto isso, retira-se uma concha da água de cozer a massa e acrescenta-se ao molho. Juntamente com o Parmesão, este passo vai fazer com que fique ainda melhor. Rectifica-se de sal, acrescenta-se os orégãos e, mal a massa esteja pronta, acrescenta-se ao molho, envolve-se e serve-se. Na mesa, devem estar mais orégãos e mais Parmesão, para acrescentar no momento. E pão. E vinho. Como este que fica hoje e que vai bem com dias quentes e com esta massa.
A música é dos The Vaccines que eu adoro. Wetsuit. E o vídeo diz sem palavras algumas das coisas lindas dos festivais que acontecem longe das cidades. A fauna. A flora. E o coração leve.
Gosto dos frutos de Setembro e daquela abundância que sabemos que vai desfalecer no Outono para depois voltar transformada.
ResponderEliminarTambém eu. Tanto. O espírito das estações a passar. Por esta altura, preparo uma festa bonita para o Equinócio de Outono, que é para o receber bem, sem nostalgias.
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