Sete anos ou 823 posts.















Sete anos depois, ainda. Ainda a vontade. Ainda a alegria. Com o que essas duas coisas têm de espontaneidade. Um vento qualquer que dá em mais uma página. Sempre só mais uma página aqui. Com todas as perguntas interiores, nos segundos prévios ao verbo de que tenho sempre um bocadinho de medo: publicar. Para quê. Porquê. Não sei dar a resposta a essas duas perguntas. Especialmente nos casos de blogs como o meu, em que não há nenhum tipo de dividendo a retirar. Se me restringir ao campo da racionalidade, a resposta até que seria bem simples e sem misericórdia: para nada/por nada. Porquê, então? Porque sim. Porque as coisas não têm de ser todas e sempre racionais. Porque nem todas as perguntas podem ter resposta. Porque gosto tanto de fazer comida e de a deixar aqui. Porque penso que é muito linda a ideia de a mesma comida que me deu alegria poder fazer acontecer mais alegria. E isso tudo ser assim como se fosse um vento qualquer do sul. Livre, espontâneo, quente, cheio de vida.
Claro que sei que há muitos e muitos blogs. Claro que sei que este sítio é uma areia infinitesimal. Mas é o meu grão de areia. É bem pequeno e tudo o mais, mas por isso é que gosto ainda mais de cuidar dele como se fosse um diamante. Exactamente por ser assim pequeno e imperceptível. Não sou eu que digo que gosto muito de coisas imperceptíveis? Pois então.
O ritmo é aleatório e emocional. Mas as receitas são bem racionais. Faço as coisas várias vezes, quando não são receitas que faço desde há muito. Sei o que é seguir uma receita à letra e ficar furiosa por perceber que as quantidades não batem certo, que os tempos são errados ou abstractos e que faltam passos nos procedimentos. E faço o possível para que corra bem aí desse lado. Por isso é que não publico improvisos nem experiências. Nem faço comida por ter um blog. Os termos da equação são ao contrário: tenho um blog porque faço (muita) comida. E isso é-me muito importante, porque significa que este meu lugar é como eu: não conta histórias. Por mais que eu até goste de histórias. Mas gosto de ficção bem assumida. Quando não, que venha com aviso prévio. Mas o ponto é que nisso das receitas, é como naquela peça de Alfred de Musset: não se brinca com o amor
A propósito de receitas que dão certo e da liberdade que me é tão oxigénio, os livros do José Avillez que começaram a sair gratuitamente com o Expresso, no sábado passado. É uma das pessoas que mais respeito, neste universo próximo. Sou sempre (muito) feliz nos restaurantes daquele perímetro delicioso, em Lisboa. E recorro muitas vezes às receitas dele e da Maria de Lourdes Modesto. A senhora. A mulher que lhe abriu o caminho. Nunca corre mal. As receitas de um e de outro dizem (a) verdade. Por isso, lamentei muito não ter podido aceitar o convite do Expresso e ir à apresentação desta colecção bem especial, no Mini Bar. As coisas são como são. A rotina do dia 2 de Junho não dava hipótese. Percebi pela descrição que vinha com o convite que se tratava de comida no espírito descomplicado de que gosto tanto. Comida que se faz com gozo, a desfrutar do processo. Comida para alimentar a família e os amigos. Em jantares e em almoços daqueles que vivem na nossa memória enquanto existirmos e que ficam na memória dos que ficam depois de nós. Por isso, nos próximos sábados, para além da expectativa boa de ler o Daniel Oliveira, o Padre Tolentino Mendonça, a Clara Ferreira Alves e outros que dizem (bem) a espuma dos dias, a ideia de mais um livro breve com comida que dá vontade de pôr mais lugares à mesa. 
Deixo hoje uma das minhas receitas mais especiais. Já tinha deixado uma versão de arroz de pato. Mas esta é que é. Andava há imenso tempo para a deixar aqui. Aconteceu ser hoje, no dia em que o meu sítio cumpre sete anos. Sete é um número especial. Significa muitas coisas filosóficas e místicas e poéticas. Neste caso, significa outro número. Significa o post número 823. E a minha alegria renovada, num dos meus vestidos às flores que é assim etéreo e romântico como um dia de Junho. Sete anos depois. Não sei o que vem por aí. Mas sei que a marca deste sítio em mim, na minha vida, na maneira como vou processando as coisas como se fossem comida, não pode ser rasurada. Está. Com um vinho do Douro, feito por um homem bom, que não descansou à sombra de um nome, de uma herança. Este é de 2002, mas ainda temos cá em casa algumas garrafas de 95, quando o Francisco Ferreira estava a começar a escrever a história dele, a partir do legado de uma mulher extraordinária, a Ferreirinha. Abri-o com cuidado e com aquele receio de que não estivesse bem, que tivesse deixado passar demasiado tempo. Mas não. O ar de 2002 que estava encapsulado na garrafa estava bom. Muito bom. O tempo a passar. No vinho. Nas coisas. Nas pessoas. Neste sítio, também. E obrigada a quem lê. A quem vai passando por aqui.  

Arroz de pato
NB: Estas quantidades são para uma refeição para quatro a seis pessoas. 

Metade de um pato + 2 laranjas (médias) + um bolbo de funcho + um talo de aipo + 1 cebola + 3 dentes de alho + 1 cenoura + 1 tigela (grande) de arroz carolino + 1 embalagem de 200g deste bacon + molho de soja, azeite, sal, pinhões, passas e rama de funcho q.b.

Antes de tudo o mais, lava-se bem o pato, retira-se a pele (se assim quisermos) e leva-se a cozer em água temperada com sal, um fio de azeite, uma das laranjas cortadas aos quartos, metade do bolbo de funcho e o talo de aipo. Deixa-se cozer durante cerca de uma hora. Decorrido esse tempo, retira-se o pato e filtra-se o caldo para uma caçarola, usando um passador de rede e tendo o cuidado de, ao mesmo tempo, "esmagar" ligeiramente a laranja, o aipo e o funcho, para dar mais sabor ao caldo. Reserva-se e desfia-se a carne em pedaços generosos.
A seguir, pica-se a cebola e os alhos e corta-se metade do bacon em cubos, reservando-se a outra parte para cortar em tiras largas. Rala-se a cenoura e leva-se ao lume numa panela larga, com um fio generoso de azeite. Deixa-se refogar um pouco e acrescenta-se o arroz, envolvendo bem. Deixa-se fritar durante uns minutos e acrescenta-se molho de soja (duas colheres de sopa). Envolve-se bem e deixa-se fritar durante uns segundos. A seguir, acrescenta-se duas tigelas do caldo de cozer o pato, que deve estar bem quente. Mexe-se, acrescenta-se um pouco de sal, se necessário e deixa-se cozer até a água evaporar.
Enquanto o arroz está a cozer, leva-se ao lume a outra metade do bolbo de funcho (cortada finamente), num pouco de azeite e deixa-se refogar ligeiramente. A seguir, acrescenta-se os pedaços da carne, mais um pouco de molho de soja (cerca de três colheres de sopa), o sumo da outra laranja e um pouco de sal. Envolve-se e deixa-se estar durante cerca de cinco minutos. Nesta parte, é importante não mexer demais, para que a carne não fique em fios. A seguir, coloca-se metade do arroz numa assadeira e espalha-se, para cobrir bem o fundo. Por cima, os pedaços de carne. E a fechar, a outra parte do arroz. No final de tudo, as tiras de bacon e os pinhões. Vai ao forno durante uns vinte minutos, a 160ºC. Antes de servir, passas e rama de funcho. 

A música é esta. Porque aquilo que em mim dança, gosta muito de dançar esta música. Beck, Wow.


  

17 comentários:

  1. Parabéns! Já não me lembro quando te descobri mas lembro-me de me perder no meio das tuas palavras e receitas. Adoro a maneira solta e sem compromissos como encaras o teu blogue. Aqui é um mundo à parte, sem competição, sem invejas, sem muitas das coisas más que vamos vendo na blogosfera. Um beijo. E que se sigam mais 7 e mais 7 e mais 7...

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    1. Obrigada, Verinha:) Pois eu lembro-me de quando chegaste aqui. A primeira coisa que escreveste foi a propósito de uma música dos Pixies. Where is my mind. Achei bom sinal gostarmos as duas dessa música:)
      A minha vida não é alimentada por combustíveis desses. Creio que percebo do que falas. Mas sim. Um mundo à parte. Gosto assim. Quero que se mantenha assim.

      Um beijo grande.

      Mar

      PS: Ando há uns dias para te dizer que tenho um presente para a tua bebé. Não resisti ao rosa algodão doce:)

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  2. Parabéns! Já não me lembro quando te descobri mas lembro-me de me perder no meio das tuas palavras e receitas. Adoro a maneira solta e sem compromissos como encaras o teu blogue. Aqui é um mundo à parte, sem competição, sem invejas, sem muitas das coisas más que vamos vendo na blogosfera. Um beijo. E que se sigam mais 7 e mais 7 e mais 7...

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  3. Sete anos é um número respeitável. Já te leio há mais de cinco, sempre com o mesmo gosto. Os teus textos, as tuas fotografias e as tuas receitas são sempre uma inspiração. Que venham muitos mais anos de partilhas. Estarei por aqui :)

    Um beijo grande de parabéns!

    Ilídia

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    1. É um número lindo:) como nos poemas e nas mitologias. Achei lindo que tivesses telefonado a dar os parabéns como se este sítio fosse gente. Amanhã é a minha vez de devolver o telefonema:) Até lá!

      Um beijo para ti.

      Mar


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  4. O teu blog é dos lugares mais bonitos que tive a sorte de descobrir. Uma descoberta muito feliz! É um cantinho, que me faz sorrir, pensar, reflectir... Saio daqui, quase sempre (a excepção, é quando se passa algo de menos bom, na tua vida) leve, muito leve, sempre mais serena e sempre mais feliz. E tudo isto vem de ti. Para mim, é muito mais do que um blogue de receitas, muito mais. É um blogue, onde pões amor, esse mesmo amor, com que fazes a tua comida, esse mesmo amor que rege a tua vida.

    Parabéns pelos sete anos! Que venham muitos mais ;) 823 Posts é obra :)
    Obrigada pela tua vontade e alegria em partilhares pedaços da tua vida, pedaços de ti.

    Adoro o teu vestido florido, alegre e tão bonito. E o teu arroz de pato tem um aspecto maravilhoso, e com pinhões, como eu adoro. ;)

    Gostei também da música, muito alegre, leve, mas com uma mensagem importante.


    Um beijinho grande para ti e obrigada por nos continuares a encantar. És uma pessoa muito bonita! :)

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    1. Querida Cláudia,

      É sempre lindo e grato o carinho com que escreves. Tens um cuidado raro. E creio que nunca consigo agradecer o suficiente.
      E a ideia é mesmo a de deixar coisas boas. Raramente escrevo sobre coisas más e quando o faço, é porque arranjei maneira de salvar o que houve de mau. De resgatar. Não sei se me explico bem. Seja como for, a vida não é um campo de malmequeres num dia de Primavera. E creio que é importante lembrar isso.

      Este vestido está aqui por assinalar o início da recuperação do meu marido, depois de uma cirurgia. Escolhi-o de madrugada, num quarto silencioso de hospital, num sítio distante cheio de coisas às flores e no dia seguinte perguntei-lhe se gostava, ele disse que sim e a minha alegria invencível mandou vir o tal vestido às flores:)

      Este arroz é uma daquelas coisas. O das imagens foi feito com um pato caseiro que me ofereceram este fim-de-semana. Há gente muito boa, de uma generosidade enorme.

      Gente assim como tu, linda Cláudia. Devolvo-te as palavras, pessoa muito bonita:)

      Muita música leve e muito sol para ti. A ver se o sol chega aí longe.

      Um beijo. E obrigada outra vez.

      Mar

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    2. Consegues sim, querida Mar ;) E não precisas, é sincero e de coração.

      Explicaste bem, sim. E sabes, eu também não gosto e evito de falar de coisas menos boas, mas por vezes, acabo por desabafar. E aqui no teu canto, já partilhaste coisas menos boas, que como disseste, de alguma forma conseguiste salvar e resgatar. Ou seja do menos bom, tornar ou fazer surgir algo de bom. E isso é muito bonito. É quase como um renovar de alegria, ou de esperança ;).
      Até porque a vida não é mesmo cor-de-rosa, e se é verdade, que muitas vezes procuramos coisas alegres, inspirações... Há outras, em que procuramos, ou sentimos algum conforto, quando nos identificamos com alguém ou com algo que é partilhado, que vai ao encontro do que sentimos.

      Que bom ;) E ele já está melhor ? É lindo o teu vestido e irá ter sempre esse significado muito especial. Adoro essa alegria invencível! :D

      Há pessoas muito boas mesmo, e ainda bem, precisamos tanto delas e da sua generosidade. Tem um aspecto maravilhoso esse arrozinho! E é verdade, já ando para falar disto e esqueço-me sempre, essa travessa é linda! Essa marca Mauviel, que já vi aqui, em tachos e travessas, tem um toque clássico que gosto muito e parece ser muito boa. Não conhecia esta marca, e acho que também nunca vi à venda, mas é mesmo bonita. :)

      Ohhh obrigada, querida Mar. Obrigada pelo carinho aqui e no meu cantinho. Fez-me muito bem as tuas palavras doces, e o Sol que chegou cá. ;)

      Outro beijinho grande para ti. De nada.


      Cláudia

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    3. Olá Cláudia,

      Preciso muito da pedagogia do erro, do que falha, do que corre mal ou menos bem. Se pensarmos a sério, é fácil lidar com as coisas que correm bem. O difícil é a outra parte. E essa outra parte é sempre muito silenciada, especialmente nos registos públicos. Raramente se fala do que custa, do que nos faz sentir pequenos. Tem de se estar sempre bem. Não dou para esses peditórios.

      E sim, este vestido assinala esse renovar. Ainda bem que não consegui dormir nada nessa noite. No dia seguinte, a minha pergunta ligeira sobre o meu vestido às flores fez com que ele se risse um bocadinho:) Diz que eu tenho uma fé inabalável no futuro. Ele está bem, sim. Com uma fome de viver que não pára:)

      A Mauviel é bem especial. Deves conseguir encontrar aí, seguramente. Aqui não há em sítio nenhum. Mando vir pela Amazon. Um daqueles investimentos seguros. Estas peças não acabam mais. E adoro-as. De cada vez que vem uma peça nova, fico feliz como uma criança:)

      E que bom que o sol já chegou aí. Já era tempo disso. Os meus deuses das coisas pequenas ouviram, afinal:)

      Um beijo grande. Uma semana maravilhosa de sol para ti.

      Mar

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    4. Olá querida, Mar :)

      Eu também sou assim, não me identifico nada, com essa realidade inventada, do está sempre tudo bem. O estarmos bem e felizes, faz tanto parte da vida, como o inverso. E por isso para mim, é natural falar de ambos. Eu também não dou para esses peditórios.

      Tão bom! ;) É essa alegria invencível e essa fé inabalável no futuro, que acredito, para além de o fazer rir, também lhe dá força e coragem. Que bom! Muita fome de viver, é o que todos devemos ter. :)

      São mesmo lindas, as peças deles. Já andei a espreitar o site. Hei-de ver se encontro em alguma loja daqui. ;) E que mantenhas sempre, essa alegria de criança, como uma criança. :)

      Sim, és um doce! Já te disse ? :) Naquele dia, o sol veio de manhã, e hoje, pela primeira vez, está um dia de sol mesmo bonito e quentinho, coisa que ainda não tinha acontecido por aqui.

      Outro grande para ti. E também muito sol na tua, nas vossas vidas.


      Cláudia

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    5. A ver se sim, querida Cláudia. Todas as coisas boas de que falas, que desejas. E se continuo a merecer palavras lindas e quentinhas como as que escreveste.

      Um beijo para ti. E dias bons, cheios do sol e da alegria que mereces.

      Mar

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  5. Não sei quando descobri o blogue, seguramente foi através d'A Festa de Babette. Em boa hora! Parabéns. Gosto de números impares.

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    1. Eu também gosto de números ímpares:) Muito provavelmente, sim. Através da Babette.

      Obrigada, Maria. Bom fim-de-semana!

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  6. Parabéns Mar pelos sete anos de partilhas doseadas com palavras mágicas e receitas fabulosas.... sete é um número bonito.... adoro os números ímpares e o sete é um dos meus números preferidos.... que venham muitos...... sempre com estes recheios maravilhosos....

    Kisssssssssssssssssssss
    Sophy

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    1. Olá Sophy,

      Obrigada. Sete anos de muitas coisas. O número místico e ímpar. A par do 13, o meu número ímpar preferido. E sim, mais tempo. De partilhas. De vida. Haja vida para viver.

      Um beijo para ti, minha querida. Que estejas bem.

      Mar

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  7. Mar,
    o que eu gosto de tudo aqui é indizível... é o meu espaço de repouso. mil beijos, mar de maravilha, mil

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    1. Obrigada por isso, Vanessa. Tanto. Também sinto essas coisas indizíveis em relação ao teu sítio. Bom assim. Sabe-se lá porquê e como.

      Mil beijos para ti também.

      Mar

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