O Outono outra vez.















Esta tarte que deixo hoje é a resposta a um pedido. Depois de um telefonema em forma de repreensão amorosa, na sexta-feira passada, percebi que ainda não tinha deixado aqui a minha tarte de maçãs. E, segundo essa repreensão, também não havia uma receita de bolo de ananás. Foram os dois pedidos da minha amiga e eu tomei nota. Por isso, dediquei-me primeiro a fazer o registo da tarte de maçãs. Sou uma vivente fervorosa da teoria de Descartes e, por isso mesmo, penso e faço as coisas por partes. Quando pensamos em bloco, perdemos tempo em angústias e em processos que não resolvem coisa nenhuma. As teorias filosóficas não têm de ser abstracções ou letras aleatórias em livros difíceis. O que significa que o bolo de ananás terá de ficar para mais tarde. E terei de o fazer muitas vezes até que sim, porque nunca fiz bolo de ananás. Mas hei-de tentar, que a minha amiga quer fazer bolo de ananás porque o marido dela gosta muito. E esse parece-me um pretexto maravilhoso:)
Esta introdução não foi para dar seca com detalhes mais ou menos indiferentes para quem lê. É por ter tanto sentido. Porque são coisas destas que fazem com que nunca me esqueça da origem deste lugar. O meu caderno de receitas. As receitas que as pessoas próximas me pediam e que eu escrevia à pressa num pedaço de papel. Fazia-o tantas vezes que uma dessas pessoas acabou por me dizer que eu devia era ter um blog. A minha primeira questão foi mesmo perceber ao certo o que era isso de um blog. Todos temos momentos em que nos sentimos profundamente ignorantes. Pois esse foi um desses momentos. Mas lá percebi e lá fui deixando as coisas aqui no meu sítio. E sim, a tal pessoa que me disse para deixar as coisas num blog, tinha razão. Nunca mais escrevi receitas à pressa num pedaço de papel:) 
A começar mais um Outono das nossas vidas, esta tarte de maçãs. Porque tarte de maçãs é sempre mais um Outono. Este está a começar de uma maneira particularmente luminosa. Aquela luz inqualificável de Setembro. E as coisas próprias deste mês de que gosto tanto. Como os regressos. O primeiro dia de aulas do meu filho no 5º ano, mesmo antes de entrar no carro. O verde dele. E o verde do meu vestido, nesse dia. Os dois verde-esperança. Para que sim, para que haja sempre aquela luz boa que nos faz esperar por coisas boas e, mais importante ainda, fazer com que as coisas boas aconteçam. Os cadernos dele. Tal como os quis. Pretos. Só com o nome das disciplinas em letras grandes. Outro dos sentidos deste meu sítio. Ir assinalando as passagens dele. E a minha alegria, em cada uma delas. 
Com o início do Outono, um livro breve do Padre Tolentino Mendonça. Sobre isso da esperança. Nem de propósito. Li-o no domingo, de um fôlego, enquanto o jantar acontecia no forno. Há livros que não é preciso adiar. Melhor: há livros que são urgentes. Este é um desses livros. Precioso, o capítulo a propósito da desesperança. A prova de fogo. E aquela que nos lembra que, no final e no princípio de tudo, cada um de nós pode ter um Verão invencível dentro. Mesmo que até sejamos do género de gostar muito de todas as estações do ano, que é o que acontece comigo. O início do Outono significa pensar na delícia de acender a lareira. Nas primeiras castanhas assadas. Coisas assim. Mas por enquanto, bom é viver estes dias de sol. O sol dos primeiros dias deste Outono. Que seja bem vivido. 

Tarte de maçãs

A receita para a base da tarte é esta infalível, com o acrescento de uma maçã ralada, já depois de se acrescentar a farinha. 

Para a cobertura, é simples:

3 maçãs (descascadas e cortadas em pedaços grosseiros) + 1 colher (de sopa) de manteiga + 1 colher (de sopa) de canela + meio cálice de cognac + 5 colheres (de sopa) de açúcar mascavado + açúcar demerara e canela q.b. (para polvilhar no final)

Enquanto a base da tarte está no forno, leva-se ao lume os ingredientes da sequência. Esse tempo será o suficiente para que as maçãs fiquem naquele ponto deliciosamente outonal. Mal a tarte seja retirada do forno, cobre-se com os pedaços de maçãs, polvilha-se com o açúcar e com a canela e, se quisermos, podemos servir quente, que será mesmo muito bom:) 

E Joy Division. Sempre. 

10 comentários:

  1. Nada é tão outono para mim como maçãs e canela, tartes de maçãs, bolo de maçãs, maçãs cozidas, maçãs assadas, maçãs raladas num caril, maçãs! Esta é para experimentar em breve (até porque elas caem da árvore a um ritmo urgente). Bom outono!

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    1. Boa noite, Maria

      Sim. As maçãs são Outono inequívoco. Se experimentar a tarte, que lhe saiba bem. Da última vez que a fiz, no domingo, foi uma alegria só, colocá-la na mesa. Quentinha, com aquele aroma da canela por todo o lado.

      Um Outono bem lindo para si! Obrigada.

      Mar

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  2. Olá Mar,

    Eu bem digo que estamos em sintonia. Ou então já aprendi algo consigo e aproveito (ou tento) o melhor

    de casa estação.

    Anteontem, chegaram-me a casa maçãs e um dióspiro. Produtos outonais, para não restarem dúvidas.

    Por isso, ontem fiz marmelada de maçã. Gosto muito de maçãs e já queria experimentar há muito tempo.

    Está a secar, ainda não provei para saber como ficou.

    Como vê, maçãs e canela por aqui também.

    E esta tarte terá que ser experimentada ou não fosse a tarte de maçã o bolo preferido do meu marido.

    As suas palavras hoje fizeram-me particularmente bem. Apesar do calor e da luz, o dia hoje começou

    um pouco cinzento.

    Ao abrir o post e ver as fotografias, os meus olhos bateram no título do livro. Esperança, vai ser o meu

    pensamento hoje. Faz tanta falta sempre e hoje ainda mais.

    Que continuem os dias verdes e luminosos!

    Um beijo do Algarve, quase no fim da semana

    Sandra Martins

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    1. Olá Sandra,

      Fruto da época, as maçãs. Têm aquela doçura dos dias dourados de Outono. Deste que está a acontecer.
      Nunca fiz marmelada. Nem de maçã nem da clássica. A verdade é que recebo sempre tantas tacinhas amorosas e deliciosas, que não acho necessário fazer mais. Seria uma lástima que se estragassem, dada a quantidade.
      O meu marido também gosta muito de tartes de maçã. Quando esta acabou, fez aquele ar:) Amanhã vou ter de fazer mais, para começar bem o final de semana. A ver se experimenta e se gosta(m).

      É uma das minhas palavras preferidas. Gosto de a dizer. E ainda mais de a viver, que é assim que as palavras significam realmente. Feliz por esse seu pensamento com esperança dentro.

      Sim. Mais dias verdes e luminosos. Para si também.

      Um beijo.

      Mar

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  3. Mar,

    Se me perguntarem o que de mais importante tive e tenho na vida (salvaguardando pessoas e afectos), diria que foram os livros e a memória que tenho deles. Parte da minha estrutura de pessoa e de mulher vem deles - creio poder afirmar isso - mas estranhamente, há algum tempo, deixei de conseguir ler. Os pensamentos pululam para além de cada linha que leio fugindo, sonho acordada e adormeço, perco o fio condutor constantemente. Tornei-me incapaz de ler, digamos assim.
    Não costumo falar nisso, mas confesso que tem sido um motivo de entristecimento.
    Por sua causa :-) telefonei para a Bertrand e perguntei se teriam este, do José Tolentino Mendonça. Não têm mas encomendei. Como entendo a vida como uma maneira única de entendimento e percepção de sinais, tomei este livro como um.
    Vivo perto da beira de um grande rio. Ontem parei um pouco a olhar para ele e vi a maravilhosa luz de Outono.
    Uma certeza: as sombras de Setembro são tão vitais como a luz incandescente de Agosto. Quando o pano de cena cai, quebra-se o encanto mas a realidade nasce.
    Adoro.
    Obrigada,

    Beijinhos,

    Jo

    Obrigada.

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    1. Querida Jo,

      Só tenho uma forma de responder a um comentário destes. E começo por dizer que também não falei muito (ou quase nada) sobre o assunto, quando aconteceu comigo.
      Aconteceu-me o mesmo que a si. Não conseguia ler. Melhor: não queria ler. Era assim. No meu caso, a causa estava bem identificada. O livro, enquanto objecto, era algo que eu associava à maldade de que tinha sido vítima. Como se tivesse travado uma batalha imprevista com várias frentes. Fiquei a saber umas quantas coisas sobre editoras e também sobre escritores e os seus egos. Mais ou menos um ano, sem querer ler. E sim, com essa tristeza e com essa ausência de que fala.
      E depois aconteceram-me os livros do Michel Houellebecq. Li-os todos. Como se não tivesse havido nada. Por isso, sim. Creio que será outro livro a quebrar isso que está a acontecer consigo. Gostava muito que fosse este. Que este post com um livro dentro fosse mesmo o tal sinal.
      E o que escreveu, sobre as sombras de Setembro que quebram encantos e que fazem nascer a realidade que eu também amo. Esse é um sinal para mim. Como se a Jo, perto desse rio grande, me enviasse um sinal sem o saber. Obrigada. Está guardado.

      Há-de passar. Foi o que aconteceu comigo. Tenho lido muito, com uma frescura renovada. Vai ser assim consigo, que eu sei.

      Um abraço muito grande para si.

      Mar

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  4. Olá Mar,

    Hoje, antes de abrir este blogue e ler o seu último post, pus doce de maçã a fazer. Resolvi experimentar na máquina de pão. Não que não prefira o ritual de estar ao fogão a vigiar a cozedura com ternura e paciência, mas às vezes o tempo escasseia e é preciso ser-se prático. Da beira-serra onde passo férias e fins-de-semana têm chegado maçãs, muitas e variadas. Por isso o doce, a geleia e a minha tarte de maçã, diferente desta que aqui apresenta (e que parece absolutamente deliciosa!), mas sempre do agrado de muitos, com pedidos renovados por todo o ano, mesmo quando a maçã está fora de época...

    A minha receita leva massa quebrada e um recheio de maçã cortada em fatias fininhas com canela, sumo e raspa de limão, uma colher de farinha, algum (pouco) açúcar e o ingrediente especial... noz-moscada. É uma 'pie' fechada, à americana. A maçã deve ser ácida, mas eu já variei muito e fica sempre bem. Regula-se o açúcar consoante o tipo de maçã e pronto. Pode borrifar-se a maçã com vinho do Porto ou acrescentar-se nozes partidas, ou ainda umas amoras maduras. Tão simples e tão plena de sabor. É assim que gosto de dar as boas-vindas a esta estação do ano, a minha preferida.

    E sim, JTM. Já o mencionei aqui. Gosto sempre de o ler. Obrigada, mais uma vez.

    Um abraço da beira-mar doce e de luz mais cálida por estes dias
    Marta

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  5. Olá Marta,

    Que maneira linda de iniciar um dia de Outono com tanto sol. Fico feliz sem inveja daquela má:) E as maçãs e as suas cores diversas estão por todo o lado. Até podem ser uma daquelas coisas de todo o ano, mas é nesta altura que estão naquele ponto. Daqui a nada, vou fazer uma outra tarte de maçãs, para receber com carinho o final de semana. Vou acrescentar esse ingrediente especial de que falou:) Em outras versões, também acrescento nozes e frutos vermelhos. Ficam maravilhosos.
    Um homem raro, o Padre Tolentino Mendonça. Um pensamento e uma sensibilidade fora do ruído deste mundo tão cheio de "pensadores" e de comentadores.

    Um abraço para si, aqui do meu sítio. Obrigada pelo seu comentário.

    Mar

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  6. Estou a passar um momento penoso na minha vida, mas sempre fui de tentar ver as boas perspetivas e de andar para frente. Costumo dizer que o meu lema agora é igual ao dos AA, "um dia de cada vez".
    Este blog, pela escrita, pelas receitas, pelo cheirinho a paz e harmonia, tem me ajudado nos meus passinhos pequeninos. Obrigada

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    1. Boa noite, Luana

      Antes de tudo o mais, lamento por esse momento penoso. A vida dá-nos coisas dessas, também. Com sentidos que nunca são inteligíveis. Mas sim, andar para a frente. No fundo, não há melhor maneira.
      E sabe, isso de "um dia de cada vez" é tão difícil e tão grande. É que é mesmo assim. Um dia de cada vez.
      Agradeço muito as suas palavras. E gosto de saber que este sítio tem ajudado. Uma pessoa é o mundo inteiro. É o que eu acho. Um mundo inteiro de coisas boas para si, sim?

      Um abraço grande. E obrigada pelo seu comentário.

      Mar

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