Da casa.




















Creio que se menospreza muito o tempo de casa. Especialmente nas férias, em que é suposto estarmos em todos os lugares que não a nossa casa. E é muito bom ir aos lugares todos que a nossa vontade e que as nossas possibilidades possam/queiram. Claro que sim. Mas nenhum desses lugares nos conhece tão bem quanto a nossa casa. Melhor particularizar, que isto do mundo é muito diverso: nenhum desses lugares me conhece tão bem quanto a minha casa. Por isso, uma parte das minhas férias é sempre reservada (e preservada) para estar em casa. E ela espera por mim. Ela sabe que até posso andar não sei onde, mas que o regresso há-de ser sempre desejado. Esses dias são, normalmente, os dias que antecedem o regresso ao trabalho. Gosto que seja assim. Que haja um intervalo. Calmo, pacificador. Na minha contabilidade interior, sempre que penso no tempo de férias, antecipo também aqueles dias doces em que estou em casa e a gostar muito disso:) Faz-me confusão a ideia de deserção, mal se entra de férias. E também me faz confusão regressar sempre no limite. Como se a nossa casa fosse um lugar ingrato, só associado às rotinas próprias dos dias de trabalho. 
Esse espaço entre uma coisa e outra é-me muito necessário. Naquilo que se pode medir e quantificar, é o tempo de arrumar, de organizar, de dar novos lugares a coisas, de perceber que há outras que já não fazem sentido e que devem seguir outros rumos. Coisas assim. Aplico a estratégia cartesiana e vou fazendo tudo por fases. No fim, leva tudo uma volta monumental e eu fico com a alegria própria das pessoas que querem muito (re)começar da melhor maneira possível. Mesmo que até corra tudo mal e que os nossos esforços para fazer com que corra tudo pelo melhor, falhem rotundamente. Mas o meu pensamento, relativamente a isso do que pode ou não correr mal/pode ou não correr bem, é muito simples: aquilo que já está vivido, é nosso. E como eu acho que devemos é procurar viver tudo o melhor que pudermos. Cada vez mais assim. 
E dão sempre para tanto, os dias de estar em casa. Dão para fazer tanta comida:) E para pôr mesas. Lá fora. Cá dentro. De almoços frescos. E de jantares até tarde, a ver a lua brilhante. Por estes dias, procurei retribuir. Foi mais por aí. Amabilidades, delicadezas, carinhos e outra alegrias. Recebi quem me recebeu. Peguei no telefone e quebrei aquela frase habitual, quando os amigos estão longe: temos de combinar. Não custa nada perguntar se dá para combinar para quanto antes. Melhor não perdermos tempo, quando gostamos e somos gostados. A reciprocidade precisa necessariamente de dois pólos. E, dessas refeições, hei-de guardar sempre o sorriso meio envergonhado de um dos meus convidados, a repetir a minha aletria alegria pela quarta vez:) 
No final dos dias de estar em casa, aquela coisa boa de filme/sofá/pipocas. Deixo este, hoje. Um dos muitos filmes destes dias. Gostei tanto de o ver no cinema, que quis tê-lo por perto. Uma história luminosa, a partir da ideia da queda, da falha. E tanto, do amor pela comida. O amor a sério pela comida. O amor a sério pela vida. 
Para hoje, a receita de uma das minhas sopas mais gostadas. Tão delicada e com um nome tão feio:) Mas é de uma subtileza enorme, a sopa que tem um nome feio. Fica então a minha versão de sopa de rabo de boi. 

Sopa de rabo de boi

1 rabo de boi (no talho, pede-se para cortar em partes, tal como aparece na imagem) + 1 talo de aipo + 2 cenouras + 1 tomate coração de boi + cebolinho ou a parte mais verde de um alho francês + água, sal, azeite, coentros e hortelã q.b. 

Leva-se ao lume a carne, com o talo de aipo, em água (cerca de 1 litro) e um pouco de sal. Deixa-se cozer durante cerca de 45 minutos (este tempo varia, consoante o tamanho da peça, mas a ideia é que carne fique bem cozida, para ser mais fácil retirá-la dos ossos). Decorrido este tempo, retira-se a carne e o talo de aipo e deixa-se arrefecer. Para que o caldo onde cozeu fique mais bonito, pode passar-se pelo coador, acrescentando-lhe o aipo cozido, partido em pedaços. A seguir, volta ao lume, acrescenta-se o tomate (sem a casca e partido em pedaços), as cenouras (em rodelas finas), o cebolinho ou o alho francês e mais um pouco de água. Deixa-se cozinhar e, enquanto isso, arranja-se a carne, retirando-a dos ossos, com a ajuda de uma faca. Junta-se os pedaços de carne à água, rectifica-se de sal, acrescenta-se os coentros, a hortelã e um fio de azeite. Deixa-se apurar mais um pouco (cerca de cinco minutos) e desliga-se o lume. Na hora de servir, podemos acrescentar mais coentros, que não faz mal nenhum. 

A música é de uma banda que ando a ouvir (e a dançar). Muito boa onda, estes australianos:) 


3 comentários:

  1. Bom dia, Mar e bom regresso a casa.
    Também eu nunca gostei de "chegar de férias" e ir trabalhar. Sempre gostei, como a Mar, de ter algum tempo para gozar a minha casa antes de regressar ao trabalho, de fazer algumas mudanças, e fazer aquelas limpezas a fundo, para depois recomeçar os dias de correrias.
    Como sempre, de um assunto que poderia ser banal, a Mar escreve um texto lindíssimo e com tanta verdade. Ando em arrumações, pois vou fazer obras em casa, e entre encaixotar roupas, livros, louças e...,são tantas as coisas que vamos acumulando, tenho pensado que realmente é tempo "de perceber que há outras (coisas) que já não fazem sentido e que devem seguir outros rumos". E, eu que sou tão agarrada às coisas, assim tenho feito.
    A receita já a guardei. No domingo, o meu marido fez um certo arroz de pato. Estava óptimo. Obrigada, mais uma vez, pela partilha da receita.
    Um bom recomeço. Com serenidade.
    Bjs
    Ana

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  2. Bom dia, Mar e bom regresso a casa.
    Também eu nunca gostei de "chegar de férias" e ir trabalhar. Sempre gostei, como a Mar, de ter algum tempo para gozar a minha casa antes de regressar ao trabalho, de fazer algumas mudanças, e fazer aquelas limpezas a fundo, para depois recomeçar os dias de correrias.
    Como sempre, de um assunto que poderia ser banal, a Mar escreve um texto lindíssimo e com tanta verdade. Ando em arrumações, pois vou fazer obras em casa, e entre encaixotar roupas, livros, louças e...,são tantas as coisas que vamos acumulando, tenho pensado que realmente é tempo "de perceber que há outras (coisas) que já não fazem sentido e que devem seguir outros rumos". E, eu que sou tão agarrada às coisas, assim tenho feito.
    A receita já a guardei. No domingo, o meu marido fez um certo arroz de pato. Estava óptimo. Obrigada, mais uma vez, pela partilha da receita.
    Um bom recomeço. Com serenidade.
    Bjs
    Ana

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    Respostas
    1. Boa noite, Ana

      Podendo, gosto sempre de evitar chegar no limite. Dá tempo para fazer coisas que vamos adiando. Todos os anos, o limpar de alma que pressupõe arrumarmos tudo o que vai sendo acumulado e que acabamos por ir guardando, mesmo que já não faça grande sentido. Gosto muito do espaço de respiração que eu e a casa recuperamos, depois dessas sessões intensivas. Cada um com as suas manias/rituais:) E deu para ler e dormir muito.
      Obras em casa são aquele caos. Mas permitem esse confronto com as coisas que devemos pôr de parte. E é tão bom, a seguir. A vida a seguir os seus caminhos, é o que é. Que haja essa alegria renovada para si.

      Já estou de regresso ao trabalho em pleno. Com uma alegria muito especial. Fico ainda mais feliz por o seu marido ter feito esse certo arroz de pato. E obrigada a si. A partilha é de boa vontade. E é acrescentada.

      Beijos.

      Mar

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