Quanto baste.












Quanto baste. O q.b. abreviado das receitas. A fórmula que deixa espaço às medidas interiores de cada um. Quanto baste de sal. Quanto baste de pimenta. Quanto baste de vinagre. É pessoal. É isso. O quanto baste é pessoal, no que isso deve ter de liberdade. Como o amor. Idealmente, cada um ama como quer. Quem quer. O que quer. Quanto quer. A tal medida interior que o q.b. possibilita.
O amor é o amor a tudo o que quisermos. É no todo, o amor a que me refiro. O íntimo é privado. Por mais que eu até seja do género de beijar em escadas rolantes ou nas filas de supermercado. Mas dizer parece ser mais íntimo do que beijar na zona dos congelados ou isso. A ostentação e o despudor discursivo em matérias íntimas causam-me uma certa confusão. Mas também aí, o princípio quanto baste, no que isso significa de cada um saber de si.
A juntar a esse quanto baste, a frase-apelo dos sacos do lixo. Só há uns meses é que reparei que os meus sacos do lixo tinham esta vertente poética. Na altura, sorri interiormente. Mas a verdade é que sempre que abro um saco novo, o gesto não passa em falso e olho para esta frase. Cada vez com mais atenção, devo dizer. Parece cruzar-se com o quanto baste das receitas. Também parece ser pessoal. Desperdiçar é sempre mau. Especialmente o bom. Não se desperdiça o bom. Aprendemos isso desde pequenos. Cuidamos do que é bom. Preservamos. Não deitamos fora como se fosse excedente. 
E então, o sentido subterrâneo das imagens. Que são memórias fragmentárias da vontade renovada de cuidar do que é bom. De não desperdiçar um único raio de luz do que é bom. As cerejas. As hidrângeas azuis que começaram agora. Muito gelo num frappé improvável. E as luzes que me encantam sempre como se fosse criança. Lembram-me muito isso. Cuidar. Tomar conta. Preservar. A começar pelo Verão a começar. Bem nesse primeiro sol. Celebrei-o assim. No meu jardim. Com luzes nas árvores e nas pedras. Com a casa aberta. E comida que inspira (e respira) Verão. Esta.

Coxinhas de frango assadas com cerveja preta e xarope de ácer
NB: Esta é uma daquelas coisas que tanto pode ser servida quente como fria. Fica bem das duas maneiras. Comida ideal para festas de Verão:) 

6 coxinhas de frango (do campo) + 2 cervejas pretas (em versão mini) + 2 colheres (de sopa) de xarope de ácer + 2 colheres (de sopa) de molho de soja + 1 talo de aipo + Maizena Express, tabasco, sal, azeite, coentros e pimenta preta q.b. 

Tempera-se as coxas de frango, usando todos os ingredientes da sequência, excepto a Maizena (de preferência, com alguma antecipação). Deve ter-se só o cuidado de não colocar os coentros picados por cima das coxas, para que depois não fiquem com aqueles pedaços queimados. Percebi isso na primeira vez que fiz esta receita e guardei esse dado como o único a alterar. 
Vão ao forno a 210ºC, durante 15 minutos. A seguir, cobre-se com papel de alumínio, reduz-se o fogo para os 180ºC e deixa-se estar assim durante meia hora. Quando se retira do forno, acrescenta-se a Maizena, até que o molho fique aveludado. Rectifica-se os temperos, se necessário. Na altura de servir, salpica-se com mais coentros frescos. 

A música para isto tudo, é a música que ouvi mais, nesse dia em que o Verão começou outra vez. Jamie XX. Loud places. Um vídeo lindo, a cristalizar a poesia skater. Uma poesia muito particular. Sempre naquele jogo entre o secreto e o sonoro. O visível e o invisível. É assim que lembro. 


9 comentários:

  1. Que lindo o início do teu Verão! Que poética a frase dos teus sacos do lixo ;) Não vale a pena desviar muito daí. Do amor. Com amor e para o amor está tudo certo ;) A receita parece ser mais uma das vencedoras. Que apetitosas! Um beijo e bom início de fim-de-semana
    Babette

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    1. Foi um início com luzes, ali no jardim. E família e amigos que são família. A lembrar que há amor que não desperdiçamos, como diz a frase nos meus sacos do lixo. Isso deve valer por todas as vezes em que somos só perdulários.
      A receita é no espírito descomplicado e delicioso. E foi muito gostada neste jantar a assinalar o primeiro dia de Verão.


      Um beijo.

      Mar

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  2. Boa tarde, Mar.
    O brilho das coxinhas de frango, desta receita, condiz com o brilho das palavras e da luz do jardim da Mar. Nunca desperdice o talento que tem de dizer as coisas e de partilhar as suas receitas, com tanto amor e delicadeza.
    Um domingo de verão com luz q.b.
    Bjs
    Ana

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  3. Boa tarde, Mar.
    O brilho das coxinhas de frango, desta receita, condiz com o brilho das palavras e da luz do jardim da Mar. Nunca desperdice o talento que tem de dizer as coisas e de partilhar as suas receitas, com tanto amor e delicadeza.
    Um domingo de verão com luz q.b.
    Bjs
    Ana

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    1. Boa noite, Ana

      Obrigada. Mais uma vez. Sempre. Esta receita tinha de estar associada aos brilhos nocturnos do meu jardim. Foi uma parte da alegria desse jantar. Não pretendo desperdiçar nada, que amo a minha vida. Tal como ela é. Mesmo com as coisas que às vezes parecem ter sido desperdício. Fizeram/fazem parte.

      Um domingo com luz q.b. Este calor pede luz q.b. Bom assim, que as estações sejam o que tiverem de ser.

      Beijos.

      Mar

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  4. Olá Mar,

    Antes que me deixe embalar e me esqueça, pergunto já se o xarope de acér pode ser substituído por mel.

    Já noutra receita me surgiu a dúvida e não cheguei a perguntar.

    Quanto às suas palavras, belas e verdadeiras como sempre, julgo que só alterava o título do post para "Dont, waste love and/or LIFE".

    Cada um interpreta como quer e põe em prática como entender.

    Festejar o início do Verão com luzes e amigos parece-me uma bela maneira de "dont waste"!

    As coxinhas também me parecem muito bem. Se tiver que ser com o xarope, lá terei que ir ao Apolónia.

    Como se eu não gostasse!

    Um beijo do Algarve, em contagem decrescente para uma semana de férias,

    Sandra Martins

    PS - Estou feliz pelo fim - de -semana que passou. Tomei o primeiro banho do ano, a praia estava óptima, e falei com a Ilídia!

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    1. Olá Sandra,

      Antes que me deixe embalar, respondo à parte do xarope vs mel:) Creio que não. E sublinho o "creio", porque nunca experimentei com mel. Seja como for, o xarope de ácer tem um sabor mais discreto do que o mel. O mel impõe-se mais. Em carnes, uso sempre xarope de ácer e guardo o mel para os bolos ou para associar a queijos e a frutos.
      E trata-se disso de cada um interpretar dentro do seu quadro existencial. Talvez por isso goste tanto de uma e de outra expressão. São livres, deixam ao critério.
      Fico feliz por ter tido um fim-de-semana assim. Com mergulhos de mar e conversas com a Ilídia:)

      Um beijo para si.

      Mar

      PS: Também há xarope de ácer em lojas de produtos naturais. Não sei se será mais fácil/mais perto do que o Apolónia, para si. Mas também há esta hipótese.

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  5. que qb tão exageradamente bonito. :)

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    1. Obrigada a ti, por esse "exageradamente bonito":)

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