Equação quotidiana.












Os meus inícios de dia são silenciosos e frugais. Acordo muito cedo, mesmo que adormeça tarde. Dois silêncios que me são necessários: o da noite e o da manhã. Por isso, sou a última a ir dormir e sou a primeira a acordar. Os objectos e a casa respiram de maneiras diferentes, nesses dois pólos. À noite, as coisas nem sempre são o que parecem. As boas e as más. E de manhã cedo, veste-se tudo de uma realidade muito lúcida. É nesses dois momentos antagónicos que olho para as coisas com mais atenção, parece-me. O olhar nocturno é mais demorado. O da manhã tem um tempo inelutavelmente diferente. O olhar sobre um sofá com uma manta é bem diferente, consoante o momento do dia. De manhã, é só estranho e tem qualquer coisa de masoquismo. À noite, não. É um olhar que se deixa estar. Que amplia o raio, para acabar por se deter nos detalhes que têm sempre qualquer coisa de divino. Nós e as coisas que são nós.
Para que o dia comece a acontecer, preciso de muito pouco. Um traço como outro qualquer, mas um traço. Uma chávena quente. Uma torrada. Essas duas variáveis têm de estar asseguradas para que a equação quotidiana faça sentido. E só a partir daí é que acontece mesmo. A partir da minha alquimia diária. O meu café com leite e o pó mágico que lhe acrescento. Café e cacau em estado puro. Ficam tão bem, juntos. Uma energia boa. Tão previsivelmente boa. Acordar para um dia novo, significa acordar para o ritual a partir do qual os outros todos acontecem. Sair da cama. Vestir um dos meus kimonos de andar em casa. Abrir as janelas. E ir pondo as coisas na mesa. A começar pela tal chávena com a alquimia que me faz um bem enorme. Para o final de cada uma dessas chávenas, um quadrado pequeno do bolo que houver numa das latas. Este, resultou de algumas intersecções. A base é este meu bolo de iogurte com canela. Na sequência, o cacau habitual do pequeno-almoço. O xarope de ácer de que gosto tanto. E a noz-moscada. Referência quase imperceptível numa das minhas conversas com esta minha amiga. Um final possível para os inícios de dia, este bolo que fica hoje. 

Bolo de iogurte com canela, cacau e noz-moscada

4 ovos inteiros + 1 iogurte natural + 4 copos (de iogurte) de farinha + 2 copos (de iogurte) de açúcar + meio copo (de iogurte) de xarope de ácer + 2 copos (de iogurte) de óleo + 1 colher (de sopa) de cacau + 1 colher (de sobremesa) de canela + 1 colher (de chá) de noz-moscada

Bate-se tudo junto, numa taça, durante uns cinco minutos. Leva-se ao forno num tabuleiro rectangular, a 180ºC durante 20 minutos. Retira-se. Deixa-se arrefecer, corta-se em quadrados e cobre-se com açúcar em pó. 


A música é esta porque dá energia boa. É assim como uma chávena de café com cacau:) 


14 comentários:

  1. Que engraçado... Escrevemos ambas sobre sobre o início dos dias. Há silêncio para as duas. E pensamos em coisas boas. E os tais ingredientes de que precisamos para começar. Uma equação quotidiana como dizes...
    Um beijo e um bom fds
    Babette

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    1. Uma coincidência. Sim, muito silêncio. Não gosto de conversa nem nada. Leite com café e cacau + torrada + uma revista no ponto em que ficou no dia anterior. E o meu bocadinho quotidiano de bolo de iogurte. Costumo dizer que, antes de tomar o pequeno-almoço, não funciono. Mas a partir daí, é aquela energia boa.

      Um beijo. Bom fim-de-semana para todos!

      Mar

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  2. Bom dia, Mar.
    Cada texto é uma agradável surpresa. Que bela maneira de começar mais um dia. Estes rituais são tão necessários. Pequenas coisas, mas que nos acalmam e preparam para o que vem a seguir.
    este é um bolo a experimentar.
    Bom fim de semana.
    Bjs
    Ana

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    1. Olá Ana,

      Obrigada. Mais uma vez. Gosto demasiado da (minha) vida para não procurar começar cada dia de acordo com essa verdade interior. Não deixa de ser curioso que, embora adore todos os rituais associados à mesa, não me apeteça minimamente esse registo na primeira refeição do dia. Assim, antes. Simples e sem ruído.

      Um bom fim-de-semana para si também.

      Beijos.

      Mar

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  3. Tão bom isso da ordem das coisas de acordo com as horas do dia. Assim é. E as cores e as luzes, O início e o fim dos dias. Hei-de gostar dessa mistura de café e cacau no leite. E da noz moscada com o chocolate, em que nunca tinha pensado. ;)
    E esse colarzito. Que antigo !

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    1. As minhas "jóias":) O Vasco goza comigo por eu não usar coisas valiosas de que as mulheres gostam muito. Pergunta se é Bulgari ou Cartier e eu mando-o passear na hora:) Só prata velha, que não gosto de brilhos. A ideia da noz-moscada veio da Ilídia, que me contou que tinha acrescentado à base do bolo de iogurte. E o cacau faz um sentido quase mágico, neste bolo.
      Por falar em cores e em luzes, festa do solstício ali no jardim. As árvores e as heras vão ficar cheias de luzes:) Já acertei com eles todos!

      Até já:)

      Isa

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    2. Foi muito bom, de jardim cheio. Nós e as luzes e os brilhos que vieram com a noite. A mesa redonda cheia de comida. Silêncios próprios de quem fica saciado, a apreciar só. E o brinde ao maior dia do ano. Obrigada ! Foi mesmo bom amiga !
      O Pedro veio contente também, quer umas luzes como as vossas ;) O Pedro pequeno de manhã quando acordou perguntou pelo António, deve ter sonhado com as brincadeiras todas ;)

      Um beijo !

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    3. De nada:) Era o primeiro dia de Verão. Tinha de haver uma festa ali no jardim. E obrigada a ti. Pelo nosso jantar do dia seguinte na tua casa. Assim sem contar. O António adorou a experiência de ir comer peixes do rio de escabeche com o teu Pedro, à tasca dos pescadores:) E como ele gosta de brincar com o teu filho. Diz que é bom ouvir o riso dele e que os abracinhos do Pedro pequenino são do melhor.

      Um beijo grande!

      Isa

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  4. Querida Mar,
    Também eu sou devota do café com cacau para dias mais exigentes.
    Gosto tanto de a ler. Faço tanto as suas receitas. São tão especiais para mim.
    Este cantinho seu tem uma leveza... gosto muito de andar por aqui. É uma lufada de ar fresco. Não percebo o que me cativa mais, se o '' tom" familiar e aconchegante, se a comida despretensiosa que cozinha e eu e quase lhe sinto o cheiro. Tb gosto de "quase sentir" o amor pelas pessoas e pelas coisas quando a leio. Adorava ter um livro deste blog. Assim como escreve. As suas fotografias.
    A maneira como escreve no blog e como capta as imagens, parece activar os sentidos... sinto o cheiro e o amor. Tão bonito e tão raro.

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    1. Querida anónima,

      O que escreveu é de uma generosidade enorme. Agradeço muito. E para lá do óbvio, devo acrescentar. As nossas vidas têm muitas muitas elipses. Muitas quebras. Mas a parte linda da questão é que a história toda não é mesmo essa. Lê-la fez-me pensar nisso.

      Por razões que não interessam para aqui, tenho tido de lidar com deslealdades que são como alguns bolos de aniversário: têm camadas. Por razões que interessam para aqui, cada um desses episódios tem tido como conclusão persistente a minha enorme gratidão. Grata à vida. Às pessoas e às coisas boas que fazem parte. No que diz respeito ao resto que é mau e mesquinho, tem sido um privilégio conhecer o lado B e manter o meu coração a salvo. Isto para dizer que este seu comentário fará parte das coisas pelas quais devo só ser muito grata.

      Fico muito feliz por gostar do que lê, do que vê, das receitas que reproduz. E sim, leveza, ar fresco, amor. Algumas das minhas verdades interiores/exteriores.
      Gostei de saber que há mais pessoas que gostam da mistura matinal de café com cacau.
      Se puder/quiser, deixe o seu nome. Obrigada outra vez.

      Mar

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    2. Talvez um dia o deixe... mas em privado.
      Este lado virtual já me deu tantas coisas boas.
      Sou apenas leitora. Acho que quando queremos receber, o que estes sítios abertos nos permitem ler, as coisas mudam em nós. Este blog mudou - me. Um outro blog que também gostava de ler, mudou - me ainda mais. Quando temos o coração aberto o amor acontece. Há tantas formas de amor. Neste caso nas palavras. É isto que me faz vir aqui. Leio com o coração. Enche a alma. Obrigada pela sua generosidade.

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    3. Percebo. E respeito. Algumas das pessoas que aqui vêm, escrevem-me nesse registo privado de que falou. Eu guardo sempre para mim cada nome que é uma pessoa.
      Uma leitora não é apenas uma leitora. Uma pessoa não é apenas uma pessoa. Um mundo inteiro, em cada pessoa. Tem sido esse o meu entendimento. Aqui. Fora daqui. Querer receber. Termos o nosso coração aberto. Fico a pensar nisso.
      Que este sítio continue a ser digno dessas leituras com/de coração. Se assim for, é porque a alma das coisas que aqui ficam estará preservada.

      Obrigada a si.

      Mar

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  5. Realmente, este post tinha-me escapado. E tão lindo que é :) Boas, estas rotinas matinais. Como sabes, o teu bolo de iogurte também já faz parte das nossas rotinas. Quase sempre simples, que os meus homens são dos puristas ;) Quanto a mim, gosto das variantes e, realmente, a noz moscada fica muito bem. Fico feliz que tenhas experimentado e, mais importante, gostado :)

    Um beijo grande,

    Ilídia

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    1. Foi da nossa conversa ao telefone, há uns meses. Disseste noz-moscada e fiquei a pensar naquilo. Quando eu fico a pensar nas coisas, é assim:) Obrigada a ti. O Vasco e o António gostam dessa base e adoram a versão com coco e chocolate. Passo a vida a fazê-lo.

      Gostei muito. E sabes quem é que o adorou? A Blaya dos Buraka Som Sistema:) Depois conto, que não é para aqui.

      Um beijo.

      Mar

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