Também em Janeiro.









Como eu desfruto deste ritual. E há tanto tempo que assim é. Independente das estações. As do ano e as outras todas. Por isso, também em Janeiro. Sei que, a partir do momento em que começa, a minha atenção está inteira, para não perder nada daquela frescura. A do gelo, primeiro. A dos verdes muito juntos, depois. E os gestos são serenos. Muito. Talvez por ser algo que associe à tranquilidade de final de dia. Quando começo a preparar um gin tónico, sei que não vou a lugar nenhum. Que não há mais nada lá fora a convocar-me. Que estou ali, a repetir uma sequência de há muito tempo, resultado do que foi sendo filtrado, depois de vivido. 
Como acontece com (quase) todos os rituais, é um ritual feito de detalhes e dos efeitos desses detalhes. Como o som dos cubos de gelo a cair no vidro. Gosto sempre desse som. E da precisão da lâmina da faca, a cortar rodelas de uma lima bem fresca. A seguir, a tal sequência que é a mesma de sempre. Deixar a marca indelével da lima, no rebordo de cada um dos copos. O pepino, numa lasca larga. Verter o gin de que gostarmos muito e, devagar, a água tónica. No final, o negro de umas bagas de zimbro. Como se nada fosse. O exterior a fazer bem ao interior. Uma vez mais. 
Quando era pequena, gin tónico era uma combinação de palavras que associava às pessoas grandes. No meu imaginário, os homens estavam de smoking e sabiam sempre o que fazer e as mulheres, de vestidos longos, com as unhas pintadas de vermelho. Bem sofisticado, esse imaginário. E bem longe do meu exterior, enquanto preparava o gin tónico destas imagens. Com os meus jeans gastos de adolescente, um casaco largo de malha e os dedos cheios de cortes, protegidos com pensos rápidos do meu filho. Apesar de tudo, a realidade. O nosso chão. 
Fica gin tónico, tal como eu o leio. E livre de imaginários de criança com homens de smoking e de mulheres com unhas vermelhas. 

Gin tónico
NB: A lima, o pepino e o zimbro fazem sentido com a composição do Hendrick's, mas essas associações variam consoante as marcas de gin. Convém ver quais são as mais felizes, de acordo com o gin de que gostamos mais. 

Primeiro, coloca-se gelo num copo largo (mais ou menos até meio). A seguir, corta-se uma rodela de lima e passa-se no rebordo do copo, de maneira a ficar bem impregnado do sabor. Depois, uma lasca generosa de pepino (cortado longitudinalmente) e gin (sem cobrir o gelo). No momento de acrescentar a água tónica, deve fazer-se de maneira a que seja vertida no copo, passando por uma colher. No final, umas bagas de zimbro. Sirvo sempre com duas coisas que contrastem entre si. O doce e o salgado. Maravilhosos, com gin tónico. 

E trip hop numa versão tranquila. Adequada ao ritual. 


12 comentários:

  1. Não tenho esse hábito, o de parar para beber algo que não seja um chá, um expresso, um café com leite ou um chocolate quente. Quando muito, uma limonada ou sumo natural em dias mais quentes. Talvez por não gostar muito de bebidas alcoólicas nem de cocktails. Só vinho às refeições (raramente), de preferência maduro. Ou então o melhor de todos, para mim: um Porto. Aí sim, posso dizer que prolongo a degustação, observo a lágrima a escorrer pelo cálice, deixo-me deslumbrar com a cor... e, por momentos, sinto que o mundo está em ordem.
    Para mim, o sinal de que cheguei "a casa" é deixar derreter um bom chocolate na boca. Sou simples e pouco exigente, aí. De leite ou então com avelãs inteiras. Nada mais, nem mesmo as sofisticadas e exóticas variantes que agora abundam o destronam: um bom chocolate de leite com avelãs inteiras. Assim. Tão somente isto. São tão curiosas, as nossas manias, não são?
    Que todos os gins tónicos de 2015 lhe saibam bem e, sobretudo, que se preencha e reencontre forças nesses pequenos rituais do quotidiano que tanto nos dizem.
    Um bom 2015,
    Da Marta de Leça

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    1. Olá Marta,

      Antes de tudo o mais, um ano lindo para si. Quero isso de coração.

      E as pessoas são mesmo diferentes. Raramente como chocolate dessa maneira. E quando me apetece, a vontade é de Bounty. Adoro aquela frescura. Ainda que essas vontades aconteçam duas ou três vezes por ano.

      Creio que no capítulo das bebidas antes de jantar, sou bastante conservadora. Gosto de gin tónico o ano todo e com calor intenso, os meus mojitos. Disso, só me apetece mesmo nos dias muito quentes. Com o ritual todo. Especialmente o de ir lá fora ao jardim, em busca de hierba buena. Tão perfumado e tão bonito, aquele verde.

      É esse o ponto, para mim. O das pequenas alegrias. Todos os hábitos imperceptíveis que me fazem feliz por estar viva. Muito obrigada por esse seu desejo. Por isso, sim. Que os gins tónicos saibam bem. Parece-me um bom desiderato. À minha medida.

      Um abraço grande para si, Marta de Leça.

      Mar

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  2. Bom Ano. Bom dia, Mar. Não sou apreciadora de gin, mas ao ler a descrição que faz da preparação do seu gin e ao ver as fotografias, quase que me apetece começar a gostar. Que o ritual da preparação do seu gin e a sua degustação a leve, sempre, para conforto do seu chão.
    Uma boa semana.
    Bjs
    Ana

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    1. Boa noite, bom ano

      Sabe muito, muito bem. E sim, a parte do ritual dá início. Ao longo dos anos, fui percebendo que é o tipo de bebida que absorve as nossas tensões. O que significa que só me entrego ao momento de preparar um gin tónico, já depois do meu segundo banho do dia, ao final da tarde. Pacificada e em casa. Nunca à pressa ou aborrecida com alguma coisa. Corre mal:)
      E sim. Chão. Saber o chão que piso. Mais difícil do que parece. O mesmo para si, Ana. Obrigada.

      Beijos.

      Mar

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  3. Não me canso de apreciar as tuas fotografias. Como merecem todo o tamanho e todo o destaque.
    Que dizem tanto dessa ordem das coisas. Dos teus gostos, do teu tempo quando já não vais sair. Dessa hora. Merecem vida atrás de vidros, sabes? Como tu e eu sempre fizemos, Imagino tantos fins para estas tuas fotografias. Junto com os o texto q me ofereces. Beijos ! da Pipinha

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    1. Eu estou bem aqui. Aqui, aqueles medos todos a que me fui habituando, não existem. Tudo bem que sinto sempre aquelas inseguranças que tu sabes. Mas a minha comida parece que protege as coisas, que toma conta. Não sei dizer bem, creio.

      Gostei tanto de termos estado quase uma hora ao telefone, mesmo há pouco. Ligo outra vez amanhã, depois de falar com a Ina:)

      Beijos grandes para ti, linda. Obrigada.

      Isa

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  4. Esqueci-me de lembrar a tábua do Natal, embrulhada no tecido azul e dourado. Fica muito bem junto das outras. Gradirripas de Santarém. Hei-de mostrar-te, são tantas coisas as deles. Beijo beijo.

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    1. Eu gosto imenso das coisas deles. Esqueci-me de te dizer. Conheci os donos na Miguel Bombarda, nas inaugurações simultâneas, há uns meses. Acertaste no presente de Natal:) A minha colecção de tábuas de madeira ficou mais bonita, graças a ti.

      Um beijo.

      Mar

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  5. Olá Mar,

    Descobrir o gin tónico através deste "cantinho" foi uma das coisas boas que o ano de 2014 me trouxe!

    Tal como o "Kir Royal". Estes balanços sim, valem a pena.

    Eu também achava o gin tónico uma bebida muito "british" e algo "old fashioned".

    Foram derrubados os preconceitos!

    Obrigada pelas suas palavras relativamente ao meu comentário anterior.

    Mas, sabe uma coisa? A Vida tem cada uma!

    Passadas umas horas, soube de um nascimento. Também de família e precisamente no mesmo dia,

    embora o parto estivesse previsto para o dia 27 de Dezembro.

    Um beijo do Algarve,

    Sandra Martins





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    1. Olá Sandra,

      A vida é cheia de oxigénios. E diz-nos tantas coisas. Todos os dias. Bom que assim seja. Como esse nascimento, a dar sinal de que a vida continua e que não dá para ser de outra maneira.

      Esta bebida tinha essa componente. O meu marido sempre gostou de oscilar entre essas duas versões, antes de jantar. Kir Royal versus Gin Tónico. Aprendi a preparar as duas coisas para os nossos inícios de noite. Contar o dia a partilhar uma bebida. Um hábito nosso.

      Fico feliz por essas coisas boas de 2014. E agradeço.

      Um beijo para si.

      Mar

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  6. É tão bom ter rituais. Também associo isso do gin a coisa de gente bem vestida em cenários mais ou menos glamourosos :-) Estavas tranquila em casa, que é o que te importa e com pensos rápidos de um azul bem fixe :-) O cenário, posso eu dizer, é bem glamouroso. Tal qual o imaginário que o gin merece... As fotos da sequência toda estão muito lindas. Obrigada pela partilha.
    Babette

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    1. Os imaginários de infância fazem o seu caminho. Hoje, já não dava para isso, que isto do gin tónico parece ter obedecido a uma lógica de propagação de que não gosto. Em LIsboa, então, dá náuseas. A parte boa é que temos os nossos sítios de sempre, onde há anos se bebe gin tónico como deve ser. Imunes a ondas.

      Cortei-me duas vezes, a fazer comida no fim-de-semana. E só havia pensos rápidos do António. Uma tartaruga verde e um golfinho azul:) Deram para proteger os cortes, que é o que interessa.
      Obrigada a ti. Um beijo.

      Mar

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