De uma maneira ou de outra.












À partida, esta comida não deveria constituir uma página inteira. À partida, caldo verde toda a gente sabe fazer, de simples. De uma maneira ou de outra, toda a gente sabe fazer. Isto do simples tem muito de complicado, por vezes. Por isso, quando há uns dias recebi um email um bocadinho tímido a perguntar pela minha maneira de fazer caldo verde, dei logo sinal do normal dessa dificuldade, junto com a receita. A dificuldade das coisas que todos têm como simples. E sim, até que é, mas os caminhos podem não ser os mesmos. E a cadência quotidiana com que faço comida, ensina (também) isso. Se bem que, no caso específico desta sopa (aparentemente) tão básica, a inspiração venha da maneira como a minha mãe a faz. O espírito é o dela, na receita que fica hoje.
E então, segundo a minha mãe, devemos ser nós a cortar as couves, depois de escolhermos as folhas mais tenras. Não as maiores. As mais tenras, diz ela. Devemos fazer uma espécie de ramo que encha bem uma das mãos, ao pegarmos. E o corte deve ser um bocadinho grosseiro, para que a frescura das couves não se perca num emaranhado confuso de fios amarelecidos, por cozerem demasiado rápido. Ela também acha que a base deve ser suavizada e que nunca deve ser um líquido insípido com fios de couves a flutuar. Segundo a minha mãe, devemos conciliar as batatas com cebola, courgette e chuchu. Que é para ficar um creme que não seja pesado, que acolha bem o verde tenro das couves. Tenho seguido as indicações dela, apesar de uma ligeira adaptação, no que diz respeito à introdução da chouriça. Fazer comida também significa divergir, ir por caminhos diferentes. Tal como em muitas outras coisas na vida, o que importa é sabermos bem onde estamos, onde é que nos situamos. Tudo o mais vem por acréscimo. E mesmo que até não venha nada, será sempre bom descansarmos serenos naquilo que somos e naquilo que não queremos ser.

Caldo verde

3 batatas (médias e brancas) + 2 dentes de alho (esmagados) + 1 cebola (grande) + 1 courgette + 1 chuchu + 1 molho (médio) de couves galegas + 1 chouriça + 1 l de água + azeite e sal q.b. 

Primeiro, a base. As batatas, os dentes de alho, a cebola, a courgette (sem a casca e depois de passar bem os pedaços por água corrente) e o chuchu, ao lume com um fio de azeite, durante dois minutos. Acrescenta-se a água até preencher os legumes, um pouco de sal, tapa-se e deixa-se cozer durante cerca de 20 minutos. Decorrido este tempo, passa-se com a varinha mágica, até ficar num creme delicado. Junta-se as couves, envolve-se bem, acrescenta-se mais água, se necessário e deixa-se estar durante cerca de 10 minutos. Desliga-se de imediato, rectifica-se o sal, se necessário e acrescenta-se um fio de azeite. As couves continuarão a cozer, apesar de o lume ter sido desligado e ficarão no ponto exacto de verdura e de suculência. 
Quanto à chouriça, parto-a em pedaços delicados e não em rodelas e levo-a ao forno a 180ºc durante dez minutos, sem acrescentar rigorosamente nada. A gordura natural da chouriça encarregar-se-á de fazer com que não queime. Ficará crocante e deliciosa. No momento de servir, uma taça com pedaços de chouriça e uma outra com pedaços de pão com substância. E sim, em relação à chouriça, repito o que escrevi neste post: de boa qualidade, feita em talhos da nossa confiança. E não aquilo a que dou o nome de chouriça cor-de-laranja fluorescente, cheia de corantes e de gorduras más. 

E uma das minhas músicas preferidas dos Radiohead. Talk Show Host. 


10 comentários:

  1. Gosto tanto de caldo verde! Que lindo que ficou e que linda a sequência das imagens e das palavras que vêm da tua mãe. A ideia da chouriça no forno parece também muito bem. Tão boas as que vêm daí....
    bj
    Babette

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    1. Olá Babette,

      Eu também. É um daqueles caldos muito nossos. Não se encontra igual, noutras geografias. A sequência é porque eu acho muito lindas, as coisas. Seria uma pena não arranjar maneira de as cristalizar. Mas também tem objectivos pragmáticos, por dar melhor a ideia do processo. Eu gosto desta maneira de servir a chouriça com o caldo. A minha mãe é pela versão de a pôr logo a cozer. Divergências:)

      Um beijo.

      Mar

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  2. É lindo o teu caldo verde. E o creme parece muito rico, com o Chuchu e os alhos, hei-de fazer assim também. Muito desta altura, um prato de sopa que nos aquece mesmo.
    Tão importante esta passagem de receitas, não está escrita em lado nenhum, aprendemos, de tanto as ver fazer. Enquanto se falava de tantas coisas, ao fogão da mãe.
    Um beijo grande,
    da Pipinha

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    1. Olá Pipinha,

      Fica assim dessa maneira: rico. E é mesmo o tipo de sopa que apetece, com este frio todo. Hoje de manhã senti um vento gelado, ao sair do carro. Deu vontade de voltar para trás e de vir mas é fazer comida para a minha casa quentinha:)
      Aprender por ver fazer é tanto. Tal como isso dessas conversas com a mãe, perto do fogão. Falei muito com a minha mãe, por estes dias.

      Um beijo grande para ti também.

      Isa

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  3. Olá Mar,

    Ainda em relação à nossa "conversa" no post anterior, acho que a sua mãe tem toda a razão: o fogo precisa de companhia. E também faz companhia, acho isso em relação á lareira.

    E por achar que não domino a arte de manter o fogo no ponto, é que não me atrevo a colocar agora nenhum forno a lenha. Nem asso castanhas ou batatas - doces na lareira, como oiço dizer que fazem.

    Quanto à receita de hoje, é mais uma comida "de mãe".

    E tem razão: o simples consegue, por vezes, ser muito complicado.

    O caldo verde nunca me fica igual. Ás vezes, fica mesmo no ponto, noutras não. Embora eu ache que faço sempre da mesma maneira.

    Suponho que, tal como noutros aspectos, seja uma questão de tentativa e erro.

    Com batata e courgete já experimentei, com chuchu não.

    Hei-de fazer assim como a sua.

    Por falar nisso, hoje tenho entrecosto temperado. Para fazer uma receita de S. Pedro do Sul em S. Brás de Alportel.

    Parece que temos mais coisas em comum: vivemos ambas em terras pequenas e com nomes de santos.

    Um beijo do Algarve,

    Sandra Martins

    PS - Muita bonita a referência á sua mãe e aos ensinamentos que ela transmitiu. Deve estar muito orgulhosa da "aluna", que consegue reproduzir e adaptar á sua maneira.

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    1. Olá Sandra,

      A minha mãe tem razão, sim. Neste e em muitos outros aspectos. Nisso de manter o fogo destes fogões, estou consigo. Embora seja ao contrário, no que diz respeito à lareira. Gosto do ritual e gosto da companhia desse fogo.
      E sim, muito maternal, esta sopa. Está quase sempre associada a festas populares e tudo o mais, mas eu olho e faz-me pensar nos jantares em casa dos meus pais. A minha mãe faz quase sempre, porque o meu marido gosta muito da maneira como ela faz.

      Ela é uma mãe que só está feliz se nós estivermos felizes. A mínima névoa e fica uma angústia só. Tenho mais três irmãos e como nós lhe esgotamos a paciência, de vez em quando:)

      Que corra bem, se fizer caldo verde de acordo com a versão da minha mãe. E que tenha corrido bem, esse entrecosto feito aí no Sul.

      Um beijo para si.

      Mar

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  4. Boa tarde, Mar.
    Demorei a chegar à leitura do post. Fiquei nas imagens. lindas e sugestivas. ao ler as instruções da sua mãe, ouvi a minha, de quem tenho muitas saudades.
    O meu filho adora caldo verde, comido numa tigela e, se possível, sentado no sofá. às vezes, faço-lhe a vontade, vamos os três para o sofá. Tabuleiro, tigela com caldo verde a fumegar e boroa. E somos felizes.
    Vou experimentar, com a courgette e o chuchu.
    Uma boa semana.
    Bjs
    Ana

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    1. Olá Ana,

      Chegam sempre a tempo, as boas palavras. Sempre a tempo. E as suas são sempre muito lindas. Lamento que haja saudades de mãe, aí. Por mais que seja inevitável e que seja o curso normal das coisas, é sempre triste.
      Essa felicidade é muito. Normalmente, os relatos exteriores das vidas familiares vão muito no sentido de dar conta dos acontecimentos, das viagens, dos sítios onde se esteve, dos "sucessos". Mas isso é casca. O miolo das famílias é feito de coisas simples como esse ritual de que o seu filho gosta tanto. O miolo é isso. Obrigada por partilhar.

      Uma boa semana para si também. Um abraço.

      Mar

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  5. Olá Mar,

    Quero dizer que o entrecosto de S. Pedro do Sul ficou delicioso! O meu marido adorou.

    A única alteração que fiz foi pôr meia colher de coentros em pó. Também usei frescos mas, achei que eram poucos.

    E ia fazer o arroz de molho inglês com ervilhas para acompanhamento. Mas, como adoro arroz, já tinha usado arroz nas refeições anteriores. Mais uma e o meu marido punha-me as malas à porta.

    Assim, optei por acompanhar com batatas doces, ás quais dei uma fervura primeiro e juntei à carne.

    O meu marido deliciou-se e eu livrei-me de ser despejada!

    Um beijo do Algarve,

    Sandra Martins

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    1. Fico tão feliz, Sandra. Mesmo muito. E agradeço o registo. Essas alterações fazem parte. São a alma que colocamos na comida.

      Ando a ter ideias com batatas doces. A ver se acerto no que quero, um dia destes. Desconfio que há-de ser no Verão, quando estiver em Lagos. Batata doce é uma daquelas coisas francamente algarvias.

      O arroz de molho inglês com ervilhas é o arroz preferido do meu filho. Tenho um carinho enorme por essa receita.

      Um beijo.

      Mar

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