Este Natal.










Se tudo correr pelo melhor, este Natal será feito de muitas pequenas coisas. Serão todas importantes e inesquecíveis como devem ser todas as pequenas coisas das nossas vidas. 
As biografias nem sempre são fáceis. As nossas. As alheias. Por mais que me encante com esta altura do ano, há um resíduo em mim que me lembra que todas as solidões e ausências e elipses e mágoas se intensificam no Natal. E isto, eu sei desde criança. Não precisei de esperar até que todas essas coisas me ardessem na pele ou que fossem água nos meus olhos. 
Eu não tive uma infância como as das outras crianças que ia conhecendo. Tive uma infância muito feliz. Mas não foi assim como as dos outros meninos. Digamos que os meus primeiros anos de vida foram um bocadinho itinerantes. Habituei-me desde cedo a transformar numa casa o lugar onde estivesse. A minha mãe diz que este é um dos meus traços. Chegávamos a um lugar qualquer e eu ia buscar flores, mesmo que tivesse de escalar muros irregulares e que o meu sentido de equilíbrio fosse relativamente precário. Mas conseguia sempre as tais flores. Se no tal lugar onde estávamos, não houvesse jarras, haveria copos. E era assim. E é ainda assim, que essa essência vive em mim, não obstante todos os ornamentos e adereços. Não havendo jarras, há sempre um copo. 
Apesar de no Natal serem ainda mais evidentes as diferenças entre mim e os outros meninos que não tinham pais errantes, fui sempre bem feliz. Encantava-me com as luzes nas árvores e nas casas. Tal como agora. Fazia bolos que tinham de saber e cheirar a laranja e a canela. Tal como agora. Enternecia-me com as coisas boas que as pessoas boas fazem. Tal como agora. Fazia piqueniques tardios no sofá, a ver filmes antigos. Tal como agora. E ficava feliz, de cada vez que encontrava uma joaninha. Tal como agora. 
Apesar de todos os dados expectáveis, nestas circunstâncias, ainda não sei ao certo como é que vai ser este Natal. Mas sei que fiquei feliz por ter recebido uma caixinha doce, vinda dos Açores e das mãos desta minha amiga. Também sei que fiquei feliz por receber um postal de Natal de uma das pessoas que lê estas coisas aleatórias que aqui ficam. Que o bonsai que tem a minha idade e que secou incompreensivelmente há uns anos voltou a vestir-se de luz, para ser uma árvore de Natal com 34 anos. E que encontrei ontem uma joaninha no mármore frio da minha cozinha. Estava ali. Não sei como. Deixei-a andar por onde quis. Ainda aqui anda, que lá fora está muito frio. 
O que é que eu quero mesmo? Estar em paz. Ter a serenidade da escultura que contemplo muitas e muitas vezes. Gosto ainda mais dela por causa do seu pequeno defeito, numa das mãos de alabastro. E poder ver filmes antigos até muito, muito tarde. E fazer tostas de queijo e beber chocolate quente muito, muito tarde. E estarmos todos bem. Nos sítios onde mais queremos estar. É isso que eu quero para todas as pessoas que aqui acontecem e para todas as outras que não. Que estejam inteiras, nos lugares onde estiverem. 

Um Natal muito, muito feliz. Este. Os outros, logo se vê. E é isto que fica hoje. Bem perto deste Natal. 

E a minha música de Natal preferida. De um dos tais filmes antigos de que gosto desde pequena. Deste em particular. Uma menina que não queria mudar de cidade. Mas "we can be happy anywhere". Mesmo assim. 


20 comentários:

  1. Querida Mar,
    Um Natal cheio dessas pequenas grandes coisas. E saúde. Muita. Para ti e para todos.
    Babette

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Feliz Natal, linda Babette! Com muitas pequenas grandes coisas. Bem no nosso espírito. E sim, saúde. É o dado a partir do qual tudo se faz. Um beijo grande de Natal.

      Mar

      Eliminar
  2. Mais uma vez me emocionei, e muito, ao ler este belíssimo texto. É Natal. Muita paz, alegria, saúde e o aconchego dos amigos. Hoje e sempre. Que o Natal aconteça nos nossos corações.
    Um Feliz e Santo Natal.
    Bjs
    Ana

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Olá Ana,

      Obrigada pela sua emoção. Pela generosidade e pelo carinho. O mundo é sempre um bocadinho melhor, quando assim é. E sim, que aconteça.

      Um Natal muito feliz, Ana.

      Um beijo.

      Mar

      Eliminar
  3. E é por estas pequenas, grandes palavras, cheias de sentimento que me conforta aqui vir. Desejo-te um Feliz e Santo Natal, com muita saúde, paz e com o coração cheio.
    bjs

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Olá Lígia,

      Palavras com coisas dentro, sim. Caso contrário, mais vale estarmos calados, que o silêncio é bem mais denso do que todos os exercícios discursivos do mundo.

      Para ti também. Coisas maravilhosas de Natal, querida Lígia.

      Um beijo.

      Mar

      Eliminar
  4. O melhor da vida são mesmo estas pequenas grandes coisas ...
    Desejo-te umas boas festas no aconchego do lar com as tuas pessoas :)
    Saúde!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Sim. No meu entendimento, sim. São as que me fazem feliz. Nunca precisei de muito. Cada vez preciso de menos, pelo que vou percebendo. Gosto assim.

      Dias lindos de Natal para ti também. Com as tuas pessoas perto de ti. E sim, saúde.

      Mar

      Eliminar
  5. Um Natal Feliz cheio de serenidade e doçura. Vindas de quem nos rodeia, dos cheiros, sabores e objectos com que nos fazemos rodear. Da casa que somos.
    Um abraço de Leça,
    Marta

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Olá Marta de Leça,

      Foi/está a ser assim, o Natal. E é curioso como basta tão pouco. Tão aparentemente pouco. Com tudo o que a vida nos dá e nos tira. Ainda assim. A mesma serenidade e a mesma doçura para si, para os seus. E sim, casas. Somos casas.

      Um abraço assim grande.

      Mar

      Eliminar
  6. Feliz natal minha linda, lindo post,a lembrar-te pequenina. E como ficam tantas coisas afinal. Assim me lembro eu de ti, sempre, a usar o copo, quando não há jarra. Escrevo já do outro lado do Natal, depois das consoadas felizes e cheias e das outras também que cada vez mais as lembro. A minha este ano a acalmar a febre do meu Pedro pequeno.
    Beijinhos de luzes
    da Pipinha

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Conheceste-me assim pequenina. E foi muito a tempo de sermos amigas até hoje. Ainda bem que os meus pais ficaram por ali, em mudanças de sítios. Ainda assim, deu para termos vivido em três casas diferentes na mesma vila:) Mas na casa que acabou por ser a nossa, havia sempre mais três lugares. Para ti, para a Joana e para a Ana. A minha mãe lembrou-se disso, ontem. E eu lembrei-me dessas duas ausências, agora. As pessoas vão e vêm das nossas vidas. E nós das vidas delas. Sempre me custou. Há-de custar sempre. Mas, de vez em quando, desistimos. Desistem de nós. Pensei nisso, neste Natal.
      Trata bem do nosso Pedro pequenino. Vai ficar bem, vais ver. Ligo amanhã, que hoje não consegui falar contigo.

      Um beijo grande para ti. Outro para o Pedro pequenino. Da tia Isa. Lindo, ouvi-lo dizer Isa:)

      Isa

      Eliminar
  7. Mesmo que o comentário escrito só chegue hoje, já falámos sobre este teu post. E sobre a tua itinerância. Tão diferente da minha infância, neste aspeto. A minha foi com as pessoas de sempre, no lugar de sempre. Em comum, temos o mais importante: o Amor às pequenas coisas e a certeza de que é delas que a felicidade é feita. Como estas partilhas que vamos fazendo, mais ou menos virtuais :) Tu a comeres as Donas Amélias feitas na Terceira e eu e a minha família a comermos o teu Abade de Priscos :)

    Continuação de festas felizes.

    Um beijo,

    Ilídia

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Olá Ilídia,

      Chegaram a tempo, as tuas palavras/prolongamento do que já tínhamos dito. Foram um bocadinho confusos, os meus primeiros anos de vida. Expliquei-te, em parte. E sim, esse amor enorme ao que é imperceptível e pequeno. Um amor enorme.

      Uma delícia só, esse doce delicado que me enviaste. E a minha alegria outra vez, por teres feito esse pudim, de presente para o teu marido.

      Um beijo.

      Mar

      Eliminar
  8. Bom dia Mar,

    Só cheguei aqui hoje. De certa maneira, acho que foi melhor assim.

    Ler as suas palavras e ver as suas fotografias, depois do Natal ter passado.

    Depois da azáfama, reflectir sobre o significado do Natal.

    E emocionar-me muito. Pela descrição da sua infância, que me fez pensar na minha. Talvez por não ter sido muito feliz eu dê tanto valor ao Natal.

    Por relembrar a importância das coisas pequenas e vê-las aqui, tão valorizadas como se fossem tesouros!

    Muito obrigada Mar pelas palavras lindas e pelas "coisas que fez sem consultar"!

    Através de coisas pequeninas se enche o coração e a alma.

    Um beijo do Algarve e votos de boa semana,

    Sandra Martins


    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Olá Sandra,

      Já me tinha dito que só veria depois. Ficou aqui guardado à sua espera, vê?:)
      Lamento, por isso da sua infância. Mas sou mesmo do género de pensar que temos sempre hipótese de transformar as coisas más em coisas boas. No fundo, a melhor resposta é viver. E o melhor que se puder. Acredite que sei bem do que falo.
      Nada a agradecer. Trata-se de reciprocidade. A Sandra é de uma generosidade muito linda. Eu sou uma pessoa grata.

      Um beijo para si.

      Mar

      Eliminar
  9. Olá Mar,

    O que une as pessoas não são só gostos em comum, como o gosto pela cozinha por exemplo.

    É também a maneira de pensar.

    E o que diz na sua resposta é a minha filosofia de vida desde os 11 anos.

    Sempre me tenho esforçado para não deixar que as partidas da Vida me transformem numa pessoa amarga. Não vale a pena, de todo. Só recebemos de volta mais amargura.

    E já me têm sido colocados vários desafios desses. Grandes, alguns. Alguns irreversíveis também.

    Outros, pequenos. Como a minha encomenda que não seguiu nem foi tratada com cuidado pelas pessoas em quem confiei.

    E já viu o que daí surgiu afinal? Algo tão bom!

    A propósito disso, ligo hoje ou amanhã porque já chegou a encomenda. Já espreitei, que não consegui resistir!

    Um beijo do Algarve,

    Sandra Martins

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Olá Sandra,

      Eu acho que, face às coisas amargas das nossas vidas, devemos fazer como na comida: rectificar os temperos. Eu achava que não, mas desde há uns dois ou três anos, que tive de perceber que era assim mesmo. Mas o melhor de tudo é que preservei a minha capacidade de reconhecer a generosidade, os bons sentimentos, a luz que vive nos outros. Bom assim.

      E já devia era ter provado a encomenda:) É para si, pode fazer o que lhe apetecer.

      Um beijo.

      Mar

      Eliminar
  10. Mar,

    Já passaram muitos dias depois do Natal e ainda não tinha encontrado um momento de paz suficiente para a visitar. Quando venho a esta sua casa, gosto de vir com tempo e com um certo estado de espírito. Gosto de estar tranquila para entrar neste tempo e neste ritmo que gosto muito.
    Quase sempre vou com o coração cheio de alguma coisa, depois de estar aqui. Pode ser de doçura, de beleza ou de arte.
    Uma coisa é certa: se Natal é nascer, neste blogue é Natal sempre.
    Obrigada por tudo o que traz nos seus presentes durante todo o ano.

    Bem haja e continuação de Feliz Natal.
    Beijinhos,

    Jo

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Olá Jo,

      Agradeço muito. E também por essa tranquilidade, por essa disponibilidade interior.

      Li o seu comentário mesmo há pouco. Fez-me um bem enorme. Permiti-me essa felicidade. Obrigada, Jo. Muito.

      Que os bons espíritos a acompanhem.

      Um beijo.

      Mar

      Eliminar

AddThis