Do Alentejo.











A comida obedece a uma geografia muito particular. Creio que, a maior parte das vezes, é uma geografia interior. Lugares em nós. Onde estivemos. Onde nunca chegaremos a ir. Lugares sonhados ou vividos previamente. Esta comida aconteceu por causa de um ingrediente que é a maneira como eu entendo o Alentejo. Geografia das coisas feitas ao ritmo das estações. Uma cartografia da espera. Como se este lugar nos lembrasse que há um tempo para cada coisa. E que às vezes, esse não-lugar de espera é necessário interiormente. Por mais que nos custe, às vezes. 
Gosto tanto de tudo o que é o Alentejo. Das estradas a rasgar as searas. Dos sobreiros e das oliveiras a desenhar o horizonte limpo. Da paz e da sabedoria dessa paz. E da comida. Muito, da comida. Daquele menos é mais. Para mim, as migas são um dos exemplos mais bonitos dessa inventividade humilde, com os pés no chão. Se pensarmos a sério no assunto, é tão sublime pegar em pão e em ervas e em azeite e às vezes em carne e fazer tanto. Lembro-me sempre disso, quando estou naquele sul e digo que quero migas. 
Com a comida que deixo hoje, a memória de um lugar quase secreto, perto da Herdade do Mouchão. Chama-se "Vinagre" e a comida era tão o Alentejo como o entendo. Uma daquelas tascas. Mas uma ementa quase palaciana. Tanta, a escolha. As migas, os ensopados, a carne de alguidar. A boa experiência com o vinho das jarras, o "da casa". Muito bom, Não tenho outro registo dessa comida que não o da minha memória sensorial. E não há site, nem críticas de gente importante. Mas aquela essência é inesquecível. Tão inesquecível, que a comida que deixo hoje fez com que respirasse outra vez no Alentejo que amo tanto. Uma espécie de viagem, no fundo.  

Entrecosto de porco preto no forno com bagos de romã

5 peças de entrecosto de porco preto (médias) + 5 dentes de alho (esmagados, com um pouco da casca) + 2 folhas de louro (sem a nervura do meio) + 250 ml de vinho branco + sumo de uma laranja (um bocadinho verde, por causa da acidez) + 1 cebola vermelha + metade de uma romã + sal, azeite, coentros e massa de pimentão q.b.

Para começar, o tempero. Assim: o sal, o vinho, o sumo de metade da laranja, os alhos e as folhas de louro por cima da carne, um pouco de massa de pimentão e coentros picados. Por cima, um fio de azeite não muito generoso, que esta carne tem uma gordura saudável que vai cumprir o papel do azeite. 
Leva-se ao forno a 200º c durante os primeiros 25 minutos e a 180ºc nos 25 minutos seguintes. Nessa transição, retira-se do forno e hidrata-se com os sucos da assadeira. Depois dos 50 minutos de forno, retira-se outra vez, corta-se a cebola em quartos grosseiros, acrescenta-se o sumo da outra metade da laranja e salpica-se com bagos de romã. Vai ao forno mais 15 minutos. E o resto acontece à mesa. Com arroz de molho inglês com as ervilhas de que o meu filho gosta tanto. E espargos verdes grelhados. E um vinho do Douro, porque foi o que nos apeteceu beber. E eu acho que, nestas coisas do que nos dá prazer, devemos fazer o que nos apetece. O vinho é um dos mais especiais, um daqueles a que volto uma e outra vez. Este. 

Quanto ao restaurante de que falei no texto, não posso muito mais do que fazer as coisas "à antiga" e deixar o nome, a morada e o número de telefone. E claro que sim, que um dia destes voltarei. 

Restaurante Vinagre
Rua da Ferrôa, 67
7470-029
Cano - Sousel
Telefone: 268549268

A música diz que é para respirar. Que seja assim, então. 


8 comentários:

  1. Desde miúda (já lá vão tantos anos) que não como carne de porco e só há pouco tempo é que comecei a cozinhá-la para os meus "Zés". Esta é uma daquelas receitas que eu vou fazer, pois as fotos são de tal maneira apelativas dos sentidos que eu consigo sentir o cheiro deste entrecosto a sair do forno.
    Tenho a certeza que eles vão gostar e eu vou ficar feliz. Por tudo isto, desde já, muito obrigada.
    Um bom fim de semana.
    Bjs
    Ana

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    1. Olá Ana,

      As minhas desculpas por só agora responder. Tenho estado doente. Sem forças. E fiquei feliz, agora que tive um bocadinho de energia para vir aqui. Ainda bem que esta comida teve esse efeito. Se decidir fazer, que lhes faça bem. Ficarei bem feliz.
      Por isso, muito obrigada.
      Não foi muito bom, o meu fim-de-semana. Mas isto há-de passar.
      Uma boa semana para si. Um beijo.

      Mar

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  2. Gosto tanto do Alentejo. Eram sempre as férias com os meus pais. Todos rumavam mais para Sul à procura de calor com mar , mas o meu pai não gostava assim muito disso, nem de pessoas propriamente. Daí que os sobreiros e as oliveiras nos fizessem companhia por esses dias. Os campos dourados povoados aqui e ali por essas árvores baixas e robustas são paisagens inesquecíveis. Esta tua receita fez-me ir lá. Como dizes, foi uma viagem...
    Babette

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    1. Olá Babette,

      As viagens podem acontecer de muitas maneiras. Ainda bem que assim é. O Alentejo é-me muito. Especialmente por causa do Vasco, da maneira como ele viveu/vive aquela geografia.
      As nossas memórias são assim. Voltamos lá sempre. A caminho de Lagos. No regresso de Lagos. Ainda nestas férias fizemos o desvio por Évora. A comida do Fialho justificou que assim fosse. Justifica sempre.

      Um beijo.

      Mar

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  3. Que bem que disseste o Alentejo! Este verão, aqueles dias que passei lá fizeram-me muito bem. Por tudo o que descreves. É daqueles lugares a que tenho mesmo de voltar. Também pela comida. Este porco é daquelas receitas que dá mesmo vontade de fazer. Desde que trouxe um livro de receitas do Alentejo, faço bastantes vezes uma marinada para carnes muito no espírito deste teu tempero, com laranja e tudo.

    Um beijo,

    Ilídia

    PS: Adorei a tua versão de bacalhau com natas :) Também é um dos pratos mais amados pelos meus homens. E mais pedidos :)

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    1. Olá Ilídia,

      Ainda bem que gostaste. Não estou certa de dizer bem seja o que for, a maior parte das vezes. Vai-se tentando.
      Esta comida fez-me lembrar carne de alguidar. Juntei bagos de romã, que achei que iria resultar bem. E resulta. Todos adoram isto, aqui. O mesmo acontece com essa versão de bacalhau com natas. Passam a vida a perguntar quando é que faço outra vez. Faz parte. Eu gosto dos pedidos deles. De dizer que sim.

      Um beijo.

      Mar

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  4. Olá Mar,

    Estranhei não haver publicação no início da semana. Vamo-nos habituando à periodicidade e, por egoísmo, ficamos à espera que aconteça.

    Já li no blogue da Babette e aqui também que afinal está doente. E que o fim - de - semana não foi bom.

    Calculo que por isso e lamento imenso! Sei como gosta e precisa dessa bolha de oxigénio, que é o fim - de - semana.

    Espero que seja passageiro, nada de grave. E que já esteja recuperada.

    Eu também gosto muito do Alentejo. Do que conheço, porque tenho pena de não conhecer melhor.

    Mas, havemos de tratar disso.

    E sem dúvida que as memórias da comida ficam para sempre!

    Agora em Novembro, a caminho de Coimbra, paramos em Grândola para almoçar. Num daqueles restaurantes de sempre, para nós.

    Por isso, percebo perfeitamente o que diz.

    Quanto à receita é para fazer! Sem dúvida.

    O bacalhau com natas do post anterior também. Costumava ser comida de domingo e já não faço há muito tempo.

    Um beijo do Algarve e votos de melhoras,

    Sandra Martins




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    1. Olá Sandra,

      Foram, realmente, dias bem complicados. Resultado de uns meses de trabalho intensivo, as minhas defesas colapsaram. Por vezes, entramos em processos que depois têm um preço bem alto. Creio ter sido esse o caso. Aprendi a lição, em todo o caso e estarei vigilante.

      Já estou melhor, que é o que interessa. Hoje houve jantar feito por mim. Ainda não recuperei bem o apetite, mas já é bom não sentir náuseas só por ver comida. Uma ironia destes dias.

      E sim, um fim-de-semana perdido. Terei de passar sem esse oxigénio, por agora. Mas está aí outro fim-de-semana, não tarda.

      Se fizer as duas receitas, que corra bem. Que vos faça bem. A ver se volto ao meu ritmo normal, que tenho umas saudades sem tamanho de fazer a minha comida e de a deixar aqui.

      Um beijo para si. Obrigada pelo carinho do seu comentário, Sandra.

      Mar

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