Difícil ser mais fácil.







Nunca me tinha ocorrido, mas há uns dias sim. Ocorreu-me que o dado mais permanente e mais persistente da minha vida foi sempre este: fazer comida. Lembrei-me de como estava ansiosa para ter a permissão da minha mãe para poder mexer no fogão. Andava na segunda classe. Lembro-me tão bem. A seguir, fiz tantas asneiras, para tentar fazer as coisas. Olhava para as receitas, mas aquele léxico era bem hermético, às vezes. Os pequenos desastres que foram necessários até que percebesse ao certo o que é que era "banho-maria". As receitas não explicavam isso. Diziam só que uma coisa qualquer tinha de ser levada ao lume em "banho-maria" e pronto. Do que eu gostava mesmo era das páginas com as imagens da comida. De algumas, consigo recordar-me com detalhe. Ainda hoje. Tantos sedimentos depois. E isso comove-me sempre. Porque eu queria tentar fazer a comida das fotografias. Mesmo que ainda não soubesse ao certo o que era banho-maria e tudo o mais. 
Mas com o bolo de iogurte não houve desastres nem parvoíces nem dificuldades hermenêuticas. Correu logo bem. Tem uma componente qualquer de brincadeira de criança, esta sequência. Talvez por ser mesmo fácil. Faz lembrar gestos de mãos pequeninas. Junta-se algumas coisas numa taça, bate-se e vai ao forno. Difícil ser mais fácil, creio. 
Este foi o primeiro bolo que fiz. É, por isso, um dos lugares mais fundadores da minha memória. De vez em quando, posso até acrescentar dados ao meu bolo de iogurte. Mas a base está sempre lá. Segura. Confiável. Serena. Com todas as adaptações que eu entender fazer, a versão primeira permanece. 
Desta vez, deixo aqui a maneira mais rápida e mais fácil de termos um bolo de iogurte perfumado com limões verdes, se assim o quisermos. Uma maneira possível de sabermos que algo nas nossas vidas vai correr bem. Eu sei que bastam cinco minutos a bater as coisas todas juntas. Também sei que vinte minutos depois de forno, estarei a partir quadrados do bolo que me é tanto, para guardar numa das latas que conservarão cada um dos pedaços da minha alegria por poder fazer o meu bolo de criança. E assim, há sempre quadrados de bolo de iogurte. Para o chá. Para o café do pequeno-almoço quotidiano. Para o final do jantar. Desta vez, fica associado ao chá de que gosto desde sempre. Earl grey. Mesmo quando me diziam que eu ainda não tinha idade para beber chá de gente grande. 

Bolo de iogurte com limões verdes
NB: A referência aos limões verdes não é um detalhe. Faz toda a diferença que os limões sejam verdes. O bolo fica infinitamente melhor. Em sabor e em aroma. 

1 iogurte natural + 4 ovos inteiros + 4 copos (de iogurte) mal cheios de açúcar + 4 copos (de iogurte) de farinha + 2 copos de óleo + raspa de um limão verde

Bate-se tudo numa taça durante cinco minutos. Leva-se ao forno num tabuleiro (com estas dimensões: 40 x 27 x 2,5) durante 20 minutos a 180ºc. Retira-se do forno, parte-se em quadrados, polvilha-se com açúcar em pó e deixa-se arrefecer. Se for guardado dentro de uma lata de bolos, salpica-se com mais umas raspas de limão e fecha-se. Uma surpresa boa de aroma, sempre que abrirmos essa lata. Quando for servido, as mesmas raspas de limão. Alegria garantida. Tão certa como a receita do bolo de iogurte. 

A música é uma das minhas peças preferidas de Bach. Desde pequena. Um dado tão certo quanto a receita do bolo de iogurte, esta melodia etérea. 


17 comentários:

  1. Ah! E não é que esta semana também tenho o "seu bolo de iogurte" com aroma de baunilha, aos quadrados, para acompanhar com o "meu" chá verde?
    Um beijinho grande da Maria Jorge

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    1. Olá Maria Jorge:)

      O bolo de iogurte e as suas (muitas) possibilidades. Esse bolo será sempre o dos meus 34 anos e, ao mesmo tempo, o do dia em que nos conhecemos. A vida dá-nos muitos presentes, afinal.
      Que lhe saiba sempre bem. O bolo de iogurte com baunilha e o seu chá verde.

      Um beijo grande.

      Mar

      PS: Espero que tenha conseguido arranjar o desmoldante e que corra bem, o Abade de Priscos. Vai correr:)

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  2. Ontem fiz um bolo de iogurte simples. Fiz, não. Só ajudei. Sim, foi o Rodrigo que o fez, do princípio ao fim, para um projecto da escola. Partiu os ovos, mediu o açúcar, a farinha, o óleo e juntou o iogurte. Bateu tudo e pôs no forno. Foi tão bonito ;) No final, partimos 28 fatias e dividimos por 3 o bocadinho que sobrou ;) Já há memórias de bolo de iogurte com os meus meninos!...
    Ficou lindo, esse teu bolo... carregado de história(s) ;)
    Babette
    PS. O Diogo, no mesmo projecto da escola, fez dois truques de magia ;) também lindo...

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    1. Olá Babette:

      Bolo de iogurte rocks:) Fico muito feliz. E faz mesmo sentido. O bolo de iogurte parece brincadeira de criança, por ser tão fácil.
      Além do mais, dá memórias bem lindas. Muito inteiras.

      Um beijo de bom fim-de-semana. Para ti e para os meninos.

      Mar

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  3. Que partidas nos pode pregar um bolo de iogurte! Ao ler o post, fiquei deliciada, como sempre, com a escrita da Mar e, como também já vai sendo hábito, para além das receitas também levo as lembranças que o preâmbulo das mesmas me traz à memória. Hoje, tenho quatro ou cinco anos, estou em cima de um banco, a fazer jesuítas pequeninos com as sobras dos grandes que a minha mãe fazia. Ai que saudades!
    Este bolo de iogurte tem ar de ser divinal.
    Um ótimo fim de semana, com aroma de limão verde.
    Bjs
    Ana

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    1. Olá linda Ana com quatro ou cinco anos:)

      Obrigada. Por motivos que não interessa estar a desenvolver aqui, o meu olhar face à minha escrita é um bocadinho (ou muito) inseguro. Cada post demora mais tempo a escrever do que o que seria necessário. Leva tempo, o Inverno que tenho de atravessar. Por isso, obrigada. Muito. Fez-me bem.
      Este bolo de iogurte é especial. Hoje, mais ainda. Acabei de colocar quadrados pequenos ainda quentes numa lata para levar a uma amiga que perdeu uma pessoa. Eu não sei dizer coisas a propósito da morte. Achei melhor levar-lhe um bolo de iogurte e dar-lhe um abraço muito grande.

      Por isso, sim. O fim-de-semana teve aroma a limões verdes num bolo de iogurte. Não estava nos planos. Nem a perda. Nem fazer hoje o bolo de iogurte que nos dá a ideia de sermos crianças outra vez.

      Um beijo grande para si.

      Mar

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  4. Sabes que hoje comecei o meu dia com o teu bolo de iogurte? Desta vez, com canela e noz moscada. O Manel elogiou muito. O pai prefere a receita original. Andámos a conversar sobre isto, enquanto tomávamos o pequeno-almoço, num sábado de muita chuva, mesmo daqueles de casa. E depois, estive a falar com a Maria, que me disse que também tinha um bolo de iogurte no forno. Já viste a importância deste bolo? Uma daqueles receitas de sempre, a partir do momento em que a conhecemos. Obrigada :)
    Gosto muito de Bach, e muito, muito desta peça. Soube-me muito bem ouvi-la aqui, associada a este bolo.

    Um beijo grande de bom fim de semana,

    Ilídia

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    1. Olá Ilídia:

      O bolo de iogurte tem os significados todos de que já falei várias vezes. E creio que aquilo de que gosto mais é o facto de ser tão simples, tão despretensioso e tão capaz de dar felicidade.
      A Maria é uma querida. Enviou-me uma mensagem daquelas que salva, a propósito do post anterior a este.
      Nada a agradecer:)
      Esta peça faz-me lembrar quando era pequena. Era uma das que pedia para ouvir. A seguir, pedia a "música dos cisnes", para dançar como as bailarinas grandes. Coisas de criança.

      Um beijo para ti.

      Mar

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  5. Pois, o bolo de iogurte... se procurar bem fundo na minha memória, não me lembro quando entrou nos hábitos lá de casa. Terá sido quando eu já era adolescente e muito autónoma nessa coisa de fazer bolos e sobremesas. Para mim, tudo começou com O Meu Primeiro Livro de Cozinha, da Verbo, e com o bolo mármore... e ainda com uma aulas de culinária num clube dito 'selecto' para meninas de boas famílias... do tal clube pouco retive, mas as aulas de culinária, onde aprendi a fazer os meus primeiros quadrados de laranja, eram muito especiais. Numa cozinha antiga, com uma mesa enorme de tampo de mármore, a dar para um jardim cheio de cameleiras, como só o Porto tem. Depois do tal bolo mármore, em que se fazem duas massas e se exige alguma habilidade para se conseguir o tal efeito, e dos quadrados de laranja, que levam uma calda especial, o de iogurte pareceu-me uma brincadeira de crianças. Gostei sobretudo da versatilidade e da liberdade que ele nos dá... O último que fiz levou sumo e raspa de limão e uma mão cheia de framboesas... assim, de improviso. E ficou delicioso. Para provar que não é preciso muito para sermos felizes.
    Da Marta da beira de um farol.

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    1. Olá Marta:

      Dois dos bolos da minha infância. Quadrados de laranja e o bolo mármore. Não os faço há tantos anos. Tantos anos, agora que penso nisso. E sim, depois desses dois, bolo de iogurte é mesmo brincadeira de criança.
      Eu acho que a aritmética deste bolo é tão essencial, que faz mesmo com que seja inevitável não nos lembrarmos que sim, que não é mesmo preciso muito. Não é um bolo temperamental, não tem procedimentos redundantes, não precisa de claras batidas à parte. Vantagens, só. E, por mais que acrescente a receita inicial, não lhe altero a matriz, por saber que isso vai fazer com que não seja bolo de iogurte a sério. Será só uma coisa diferente, com iogurte pelo meio. Fiquei a pensar nessa associação a framboesas. Boa ideia:)
      Música sublime, a de Bach.

      Um beijo.

      Mar

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  6. Esqueci-me de referir que Bach é o meu compositor dilecto no Outono e no Inverno. A minha companhia à secretária e na cozinha. Perfeição inspiradora...
    Marta

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  7. Também me esqueci de referir Bach. Para mim veio com o amor, que eu até então era mais Mozart... Com o meu Zé descobri a maravilha matemática de Bach, a perfeição com harmonia. E sim é presença recorrente no Inverno, com a oratória de Natal e as Paixões por altura da Páscoa. Vendo bem é um compositor do ano inteiro! Obrigada à Mata envergonhada por ter lembrado!

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    1. De todo o ano, sim. Música de todo o ano.

      Um beijo.

      Mar

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  8. Mar,

    Não sei se há acasos... costumo querer acreditar que não, mas pode ser que sim, que haja acasos.
    Acontece por vezes ao ler os seus textos a coincidência de ainda há pouco ter tido um pensamento ou uma ideia que encontro aqui, nas suas palavras. Como hoje. Ainda há pouco, estava na minha cozinha ocupada com afazeres e pensei que enquanto as minhas mãos laboram, algo de bom na vida vai acontecer. Essa ideia de que a acção é a primeira e a última estrutura.

    Também por isso gosto muito de vir aqui.
    Além das boas receitas, da boa prosa, da boa música.
    Tudo com poesia dentro mais ou menos escondida.
    Obrigada.
    Beijinhos.
    Jo

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    1. Olá Jo,

      Creio que sim. Que a vida é cheia de acasos, de coincidências. Penso tanto assim, nisso de fazer coisas com as mãos. Por mais ocupada que esteja, não abdico da parte de fazer a minha comida. Ao final da tarde é especialmente redentor. Acabo por ficar com uma disponibilidade interior mais luminosa, por mais longo e complicado que o dia tenha sido. E como tem sido assim, nestes últimos meses.

      Obrigada a si. Gostava de ser capaz de lhe descrever com detalhe o alcance do que aqui deixou escrito. Terá de ser assim, "com poesia dentro mais ou menos escondida".

      Um beijo.

      Mar

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  9. Olá Mar,

    Que bom vir aqui e encontrar este post!

    Por aqui o tempo está cinzento e frio. Por isso, se fechar os olhos imagino-me com um quadradinho desse bolo e uma chávena de chá.

    Prazeres simples. Não é preciso muito para nos convencermos que sim, algo de bom na vida vai acontecer.

    O que me lembra que não faço bolo de iogurte há algum tempo. E certamente nunca experimentei acrescentar limão verde.

    Não vai demorar muito até que sim.

    Obrigada por isso. E pela música muito bela.

    Um beijo do Algarve e votos de boa semana,

    Sandra Martins

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    1. Olá Sandra,

      Aqui também. Tons de cinza e frio. Mas tenho gostado tanto do tempo que passo em casa. As estações fazem sentido. Muito sentido.
      Este bolo de iogurte tem sido assim especial. Ainda ontem quando cheguei à minha escola, a alegria de uma colega, a dizer-me que tinha feito e que era mesmo assim: com aroma especial a limões verdes e em vinte minutos exactos. Fiquei feliz.

      Obrigada a si, que está aí.

      Um beijo.

      Mar

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