Comida para um "vinho tranquilo".







Nunca sei bem onde começam e terminam as coisas, nisto de pensar numa refeição. Com o dado de não conceber um jantar sem a presença voluptuosa e (normalmente) vermelha de um vinho. Creio que se calhar, as coisas até começarão por aí. Escolho o vinho, abro-o, começo a fazer a comida. A sequência é mais ou menos esta, com todas as quebras aleatórias que as sequências (também) permitem. Bom assim, que a vida não deve prender-se a nenhum exercício que não seja libertador, na medida do possível. Especialmente nos gestos em que podemos isto: escolher.
Para um vinho especial, nunca me permito experiências. Ou seja, a comida tem de ser uma daquelas coisas consolidadas. Comida que eu sei que vai ser só deliciosa. Comida que eu sei que vai evidenciar ainda mais os traços de um vinho que acrescenta dados sensoriais e irrepetíveis às nossas vidas. 
Para este vinho, a minha receita infalível de frango salteado com amêndoas. Perfumado com limão, lima, coentros e manjericão, no final. Com o tempero persistente e irresistível que é tão a minha matriz: azeite, alhos, vinho branco. Por isso, num destes dias,cheguei a casa, fiz o meu tempero e abri um vinho. Este. Na descrição, dizem que é o único vinho tranquilo ali produzido. Bem lindo, um vinho tranquilo. Era mesmo disso que estava a precisar, no dia em que o bebi. Por isso é que me soube ainda melhor. O vinho e fazer esta comida. A alegria invencível por fazer comida e um vinho tranquilo. Parece-me uma combinação perfeita, ainda que não seja de todo evidente associar carne de frango a um vinho destes. Mas ficou (e soube) bem, que é o que interessa:) 

Frango lima-limão com amêndoas e manjericão
Ingredientes para 4 pessoas

6 peitos de frango do campo + 4 dentes de alho + sumo de metade de um limão + sumo de metade de uma lima + 1 folha de louro + 1 copo de vinho branco + 1 punhado de amêndoas + 3 folhas de manjericão fresco + sal, azeite, pimenta preta e coentros q.b. 

Lava-se cada um dos peitos de frango, elimina-se as nervuras desnecessárias e parte-se em pedaços mais ou menos iguais. Coloca-se numa sertã (uso de ferro fundido) ou num wok e tempera-se. Assim: sal, os dentes de alho esmagados (com um pouco da casca), a folha de louro (dividida, sem a nervura do meio), o sumo do limão e da lima, um fio de azeite, pimenta preta e coentros picados. Se houver tempo, reserva-se durante uns 15 minutos. 
Leva-se ao lume e vai-se virando a carne, à medida que for libertando os sucos. Deixa-se o tempo suficiente até que esse líquido evapore e acrescenta-se o vinho branco. Deixa-se evaporar outra vez e acrescenta-se mais azeite (esta parte é a gosto, mas fica melhor se formos generosos no fio de azeite:). Deixa-se cozinhar mais uns minutos e acrescenta-se as amêndoas, salteando um pouco. Pouco antes de servir, as folhas de manjericão picadas, para se espalhar bem o sabor. 
Fica óptimo com a salada de uma das imagens. Tomate-mini de rama com amêndoas e com manjericão fresco. O tempero é o habitual: flor de sal, azeite e vinagre de sidra. 
E sim, dá gozo comer isto com pauzinhos japoneses. Misturar referências e mundos não traz mal nenhum ao mundo. Antes pelo contrário:) 

A música é assim tranquila como o vinho e como a maneira como faço a minha comida. Uma declaração serena, rematada com a exuberância do (meu) Brasil que me faz sempre pensar em coisas boas. Uma delas, a primeira vez que dancei ao ritmo destas palmas, lá longe. Não se esquece e pronto. 


8 comentários:

  1. Gostei tanto desta versão bem temperada do frango com amêndoas... E da luz das fotografias: envolvente! Só pode ter sido feliz, essa associação de um vinho tranquilo a uma comida como esta. Duas receitas infalíveis para dias difíceis: ter um vinho para beber e comida para fazer. Irrepetíveis, todas essas circunstâncias. Mas muito de querer fazer com que valha a pena. A música é linda. O Caetano também tem uma voz tranquila, dei-me agora conta... Boa associação.
    Uma semana feliz!
    Babette

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    1. Olá Babette,

      Já te tinha falado tantas vezes desta receita e ainda não tinha partilhado aqui. Fica sempre bem. O meu filho repete sempre. Imagino que os teus dois índios também:)
      E acredita, às vezes, os dias parecem guerra e pronto. A parte (muito) boa é que chegar a casa significa isto. Música, vinho e comida. E mais coisas, só que não é para estar a dizer tudo aqui:)
      E sim, uma voz tranquila. Gosto sempre de ouvir.

      Uma semana feliz para ti também!

      Mar

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  2. Vou roubar esta tua receita. Adoro frango e é sem dúvida a carne que comemos mais cá por casa. Caseiro, claro. Criado ao ar livre no quintal da casa dos meus pais onde debicam o que lhes apetece e onde lhes são servidas travessas de batata cozida amassada com sobras de legumes da sopa. Aqui na cidade, no "meu" talho também encontro frango muito parecido. Vale bem a pena a diferença de preço. Adorei a tua combinação com a amendoa!
    Uma boa semana!!

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    1. Olá Vera:

      Be my guest:) Também gosto muito. E lembro-me imenso de ti, sempre que faço esta carne. É uma sorte enorme poder ter bons ingredientes. No teu caso, de absoluta confiança. De vez em quando recebo presentes desses, alimentados ao ritmo do que lhes apetece e é uma festa:) A maior parte das vezes, o Gabriel do meu talho ajuda no processo. A vida é feita de confiança, não é?
      Se fizeres, que te/vos saiba bem. Fico muito feliz:)

      Boa semana para ti também!

      Mar

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  3. Olá Mar,

    Retenho deste post a sensação de tranquilidade. E que falta me fazia hoje esta sensação!

    Tranquilidade que advém das fotografias das jarras Dora Maar (são duas certo?), tanto com a luz como com as flôres, tranquilidade ao imaginar o ritual de abrir uma garrafa de vinho e ir degustando enquanto se faz o jantar e ouve música, tranquilidade ao cozinhar e apreciar uma refeição tão simples como reconfortante.

    Sei que me estou a repetir mas, o "Coisas d'Amar" é infinitamente mais do que apenas um blogue com receitas.

    Gostei muito da ideia dos pontos de luz do outro post. Resolvi experimentar usando conchas que apanhei na praia e velas.

    E ponho em prática as receitas também, claro. Fiz há pouco tempo para um jantar em casa de amigos a entrada com o mascarpone, usando as tostas sugeridas (fazem de facto a diferença!).

    Trouxe a taça vazia e a alma cheia! Não há melhor argumento pois não?

    Um beijo do Algarve,

    Sandra Martins





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    1. Olá Sandra:

      Comentário lindo, o seu:) Obrigada. Bom ter passado coisas boas. A ideia persistente é essa mesmo. A comida é um bálsamo. As coisas que associamos à comida, os rituais, as músicas. Faz tudo parte. E a vida ganha sentidos tão para lá do imediato. do que está à superfície.
      Fico feliz pelos resultados das coisas aí no Sul. Fico muito feliz. Estas são jarras Dora Maar depois de terem sido velas perfumadas. Assim que se consomem, lavo-as muito bem e passam a ser jarras ou o que for. Já acolheram tostas daquelas que acompanham pastas frescas:)
      E não, não há melhor argumento.

      Um beijo para si.

      Mar

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  4. Já te disse que o teu blog está cada dia mais bonito? À força das palavras e das sugestões despretensiosas acrescentaste a capacidade de evoluir com as fotografias. Parabéns!
    Um abraço,
    Guida

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    1. Olá Guida:

      Quem diria:) Fico feliz. Daquela minha maneira de menina, como diz o meu Vasco:) Obrigada. É recíproco, que gosto muito do teu lugar.

      Um abraço grande.

      Mar

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