"It always seems impossible until it's done."








Enquanto escrevo, não se sabe ainda se será uma menina de 16 anos a receber o Nobel da Paz deste ano. Enquanto escrevo, espero que sim. Que a lição aparentemente elementar dela prevaleça. Que o direito que ela reinvindicou e que lhe ia custando a vida seja mais forte. Quis ir à escola. E di-lo com uma firmeza que está para lá da estatura frágil. Da idade. Do género. Alterei os planos de aula de hoje à tarde para falar dela. Tinham uma vaga ideia, os meus alunos. Mas não do que havia determinado que uns homens, ao serviço de uma certa visão religiosa de olhos fechados tivessem decidido que deveria morrer. A lição "subversiva" desta menina é esta: "Um aluno, um professor, um livro e uma caneta podem mudar o mundo." Tão certo.
A educação para todos. Cada vez menos. E não é só lá longe. Também aqui. E vai ser pior. Até que só os filhos de quem pode pagar possam ter o direito elementar de sonhar. Porque é de sonhar que se trata. Desse direito. Sonhar ser médico quando se nasce numa aldeia longe de tudo e se acorda às 5.30 da manhã para ajudar os pais agricultores e chegar a horas às aulas. Não é história. Um dos meus colegas de liceu. Melhor aluno naquele ano. E sim, medicina. Por mérito próprio. Por paixão. Por querer muito ser ele a ditar as regras do jogo. E não o dado aleatório de ter nascido num terreno pouco fértil para sonhos.  
Ela é herdeira de um homem que está frágil. Perto da morte, dizem. Mas não se sabe ao certo. Em todo o caso, já estarão preparados os discursos sobre ele. Anda sempre comigo um papel amachucado, mas que não se desfaz. Sobre o poder da educação. E este mantra muito breve. "It always seems impossible until it's done." Repetir. Repetir. Repetir. Todos os dias. A propósito de tudo o que em nós é grande e pequeno e assim-assim. É modesto o suficiente, que não gosto de discursos edificantes e virtuosos. Muito menos em relação a uma profissão que é nobre por si. 
Quando fiz este bolo, não sabia que a última fatia iria ser um bolo de aniversário improvisado para um dos meus alunos. Também não sabia que teria de arranjar uma solução de recurso para os colegas do aniversariante e que um frasco de biscoitos seria esvaziado para um prato. As horas de almoço flash acabam por dar para algumas coisas, afinal. Também não sabia que iria ter vontade de fotografar a t-shirt de uma das minhas alunas. E com isso, a alegria dela. Os sonhos todos. Os medos todos. As omissões e as elipses. E aquilo que um professor aprende com eles. Há muitas coisas de todos os dias. Mas eu acho que sei qual é a mais importante. A maior. É a esperança. Eles não deixam que a esperança se vá. Não há meio de desaparecer, tenho aprendido. E são eles que fazem isso. Não eu. Eles.
Que ela receba o prémio. Se sim, espero que alguém lhe faça um bolo e que a faça feliz.
Bolo de iogurte com nozes e limões verdes

4 ovos inteiros + 1 iogurte natural + 4 copos (de iogurte) de açúcar + 2 copos (de iogurte) de farinha + 2 copos (de iogurte) de nozes raladas + 2 copos (de iogurte) de óleo + raspa de 1 limão (verde) + acúcar demerara para polvilhar.
Não é preciso grande história: bate-se tudo junto e leva-se ao forno durante 50 minutos. Retira-se. Desenforma-se. E polvilha-se com açúcar demerara e raspas de limão.
Com a música, uma ligação para dois lugares longínquos. Um projecto que tenta fazer coisas impossíveis todos os dias. Este: http://skateistan.org/

6 comentários:

  1. A menina de 16 anos não ganhou o Nobel. Também tive pena. Mas pôs o mundo a pensar na causa dela e do povo dela, que, afinal, cada vez mais é a de todos nós. Fizeste bem em alterar o plano da tua aula. É importante que os nossos alunos valorizem e aprendam com exemplos como o da Malala. Gostei do teu bolo improvisado para o teu aluno. E da foto da t-shirt da tua aluna(apesar de me ter assustado quando a vi, pois a primeira coisa que me passou pela cabeça foi que irias parar novamente. Quando li o texto, fiquei mais descansada :).

    Um beijo,
    Ilídia

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  2. Olá Ilídia:

    Pois não. Infelizmente. Por muitos motivos. Mas muito especialmente por um aspecto essencial: a revolução, naquele ponto do globo, só acontecerá quando a circunstância das mulheres for outra. E isso acontece, em grande parte, graças à educação. É assim que as coisas mudam realmente. Até porque são as mulheres que educam os homens, a partir do momento em que são mães. Mas a mensagem desta menina é forte o suficiente. Nem de propósito, no dia seguinte, li uma crónica de um jornalista que leio sempre com gosto, Ferreira Fernandes: "Nobel não ganhou o Prémio Malala da Paz". Diz tudo, não?
    Era a última fatia. Estava destinada ao meu aluno Pedro. É interno, passa a semana fora de casa. Foi um mimo pequenino. E achei piada à t-shirt da Ana Teresa. Nada de deixar estas coisas, que gosto bem delas:)

    Um beijo. Boa semana!

    Mar

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  3. É verdade o que essa menina diz: "Um aluno, um professor, um livro e uma caneta podem mudar o mundo."
    Acredito que tu és uma dessas professoras. Alguém que se atreve a contornar um programa estipulado para alertar os alunos para causas tão maiores, é certamente um dos professores a que a Malala se referia.
    E apesar da acidez do limão verde, o teu bolo deve ter sido bem "doce" para quem o provou.
    Um abraço de boa semana,
    Guida

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  4. Olá Guida:

    A acidez do limão resulta perfeita:) Acredita. Fiz este bolo dois dias seguidos, dada a rapidez com que desapareceu. E sabes, não custou nada alterar os planos. Mesmo nada. Tal como a acidez dos limões verdes: resultou na perfeição, por se adequar ao meu programa de Português:)

    Um abraço enorme, a meio de uma semana daquelas:)

    Mar

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  5. Essa menina não deixa de ser reconhecida por tudo o resto, apesar de não ter ganho o Nobel da Paz. Que cruel, o nosso mundo. Que maltratadas são as mulheres e em tantos lugares. Venho daquela semana longa. E não deixo de pensar que apesar do cansaço, que vitória a minha em poder participar de um evento que há bem poucos anos teria maioritariamente homens como participantes. Apesar de todos os defeitos do nosso país, de todas as coisas que não fazemos bem, somos afortunadas, enquanto mulheres, quando nos comparamos com as mulheres de outros países e culturas. Deixando de parte a filosofia, bolo bom, esse!!! Vou experimentar! Um beijo. Tão cansada! Mas de volta às minhas coisas e às minhas pessoas. E mais rica...
    Babette

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  6. Olá Babette em recuperação:)

    O mundo é o que é. E o que eu acho é que, independentemente do género, há pessoas que têm um brilho e pronto. Esta menina é uma dessas pessoas. Que faça e diga e proteste e discurse perante os homens "grandes". A atribuição destes prémios obedece a muitas lógicas. Algumas adivinhamos outras nem sonhamos. Faz parte, a parte das lógicas.
    Gosto muito da causa dela. Sabes bem que não tenho nada aquela postura de se ter direito sem mais, só porque se é mulher. O ponto é que aquilo que está em causa é bem sério. Quando ir à escola é um gesto subversivo, alguma coisa está profundamente errada. O medo ancestral dos homens. O medo das mulheres. Do poder que trazem em si. O fácil é cortar-lhes as bases desde o início, como acontece no lugar onde ela ia morrendo.

    Um beijo.

    Mar

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