Cada minuto.







 As minhas memórias de comer de há uns dias atrás são assim: pizza + cola fresca com gelo e limão. A combinação infalível. Não apetece grandes variações, também. Margherita. A receita-base. Ou clássica. Sempre a mesma coisa. Sou um tédio, a este nível (e a outros também:).
Foi assim de repente que me apeteceu ir à Pizzaria Lisboa. Suspendi tudo o que em mim e à volta andava de um lado para o outro. E fui. Um almoço rápido, num sábado em que cada minuto foi contado (e amado). Como na música que fica com gelo, limão e uma margherita: "lovin' every minute". E foi mesmo assim. Gostei de viver cada um dos meus passos. De cada um dos gestos pequeninos que nunca serão história. E muito (mesmo muito) da minha Margherita pronta num fechar de olhos. Das entradas muito essenciais. Da tal cola com gelo e limão. E da leveza insustentável que trazia comigo. Hei-de voltar a este lugar. Gostava muito que fosse com a tal leveza insustentável. E que cada minuto fosse amado. No fundo, quer-se sempre isso. É isso que queremos todos, não?
Para as pessoas que fizeram parte destes dias em que só dava para comida rápida:)

Paper planes.














A maior parte das vezes, pôr uma mesa de todos os dias, é como fazer aviões de papel. Como pegar em folhas brancas e fazê-las voar. Não fosse este exercício etéreo, e os dias seriam demasiado iguais entre si. Ocorre-me muitas vezes. Passamos a vida à espera de não sei o quê. E esperamos. Por ser prudente. Por ser racional. Por ser o correcto. Não usamos copos de que gostamos muito por ter medo que se quebrem. Não usamos pratos delicados pela mesma noção de fragilidade. Os talheres de prata ficam à espera de pessoas que não são as de todos os dias. E as pessoas de todos os dias não são as que realmente importam? Por isso, talheres de prata para elas. Copos com nome de bairro parisiense. E loiça que pode quebrar a qualquer momento. Pelo meio, caixas de vinho em madeira. Tabuleiros de chá que se transformam em suportes para a luz efémera de uma vela. E uvas "a sério". Por serem de Verão. Ficam duas possibilidades que evocam o bom de andar por aqui:) Todos os dias. E uma música com uma cadência meio infantil. Assim como a imagem muito frágil de fazer aviões de papel e acreditar que voam até onde se quiser.



Guia para um final (de dia) feliz.







Ocorreu-me que o mascarpone devia fazer com que os meus bolos salgados de legumes ficassem ainda mais leves. E sim. Muito mais. O único problema é este: desaparecem num ápice. Manda a prudência que sejam feitos e escondidos de imediato. E, muito importante, nunca partir em pedaços com antecedência e colocar na mesa onde vão fazer alguém feliz. Vão desaparecendo misteriosamente e corre-se o risco de não haver nada. Talvez vestígios, destroços, migalhas. Se se obedecer a estes mandamentos, corre tudo bem:).
Tirando o aspecto de serem do género de desaparecer rápido, estes bolos são cheios de qualidades. Primeiro: são inacreditavelmente simples de fazer. Sabem bem das duas maneiras: quentes ou frios. São leves, mas saciantes e ficam perfeitos com uma salada. Podem ser o início. Ou prato principal de uma refeição informal. Com uma sopa, no final de um dia cansativo, pode fazer com que nos sintamos reconciliados com a humanidade:). Nas imagens, sopa de feijão verde. O Verão sabe a feijão verde. 

Bolo salgado de mascarpone e espinafres
6 ovos inteiros + 1 embalagem de mascarpone + 200 g de espinafres + metade de um pimento vermelho + 1 cebola ralada + 3/4 colheres (de sopa) de farinha + azeite, sal, pimenta preta, coentros, salsa e parmesão q.b.
Primeiro, salteia-se os espinafres e o pimento num pouco de azeite. Reserva-se. Depois, numa taça larga, coloca-se os outros ingredientes e bate-se até ficar com bolhinhas. Entretanto, acrescenta-se os espinafres salteados com o pimento e envolve-se. Leva-se ao forno durante uma meia hora, numa forma untada com manteiga e polvilhada com farinha. Serve-se cortado em pedaços. Quente ou frio. 

Sopa de feijão verde
1 cebola grande + 1 batata + 1 courgette + 4 cenouras + 1 fatia de abóbora-manteiga + 20 vagens de feijão verde + azeite e sal q.b.
Faz-se um refogado com a cebola, num pouco de azeite. Depois, acrescenta-se a batata, a courgette, as cenouras e a abóbora, cortadas em pedaços. Cobre-se com água, tempera-se com sal e deixa-se cozer. Depois de começar a ferver, fica durante meia hora. Passa-se, até ficar creme. Depois, junta-se o feijão verde, cortado. Deixa-se estar durante uns dez minutos. Rectifica-se os temperos (mais sal e azeite, se necessário) e serve-se.

Para tudo ser (ainda) melhor, esta música. 


"Um pouco mais de azul"







Como o mundo está tão quente, um bocadinho de azul. Ou muito. Muito azul. Num pano guineense que parece um mar profundo. Na cerâmica entre o esmeralda e o turquesa. Um início de noite azul, esta mesa. No meio do verde. Comida fresca para uma noite azul no meio do verde, a que fica. Pela primeira vez, concebi fazer uma sopa para se servir fria. É que apeteceu tanto, exactamente pelo calor ser tanto. De agriões muito frescos. Um mar de possibilidades. E uma salada que alimenta só de olhar. Servida em doses individuais, para a estética poder persistir até ao último momento. Beterraba fresca e nozes. Comida que foi assim uma espécie de arrefecimento global. Numa mesa feita água. Beleza líquida. E efémera. Como quase tudo o que é belo. Quase tudo.

Creme frio de agriões com chèvre e coentros

2 courgettes + 1 batata + 1 cebola + 1 molho de agriões (médio) + azeite, sal, chèvre e coentros q.b.

A cebola e o azeite, primeiro. Depois de uns segundos, junta-se as courgettes (sem a casca) e a batata. Cobre-se os legumes com água e acrescenta-se um pouco de sal. Deixa-se cozer. Depois de ferver, reduz-se o lume e fica durante uns vinte minutos. Depois, junta-se os agriões e cozem durante dez minutos. Passa-se até ficar creme e rectifica-se os temperos. No fim, é só escolher: quente ou fria. Tanto numa hipótese como na outra, o chévre e os coentros ficam mesmo bem:)

Salada de beterraba e nozes

Rala-se a beterraba (que deve estar bem fresca). Coloca-se em saladeiras individuais e cobre-se com nozes esmagadas grosseiramente. É importante que não se reduza as nozes a pó. Esmagadas, antes. No momento de servir, um pouco de flor de sal, um fio de azeite e vinagre de maçã.

Mais música. Parece que se ouve o Verão, nesta música. Do género de querer ouvir perto de água.

NB: O título do texto é de um daqueles livros que deslumbra. De Hubert Reeves.


Ichiban.













Estamos sempre a tempo. De rever. De fazer diferente. De pensar de outra maneira. E, muito importante, de dar uma segunda ou terceira ou quarta hipótese. As vezes que acharmos necessárias. A nós. Aos outros. Ao que for. Neste caso, tratava-se de tentar rever um ponto de vista de há dez anos atrás. Pus-me a pensar que, em dez anos, mudamos tanto. E que era redutor ficar-me por uma primeira impressão. Não sou assim em tantos domínios, por que é que seria em relação a comida? Sushi. Sashimi. Reacção imediata às palavras: não gosto. Quis ver se era mesmo assim, dez anos depois.
Creio que um ocidental fica sempre um bocadinho "à porta", em relação à cultura oriental. Mesmo que se leia muito. Mesmo que num momento qualquer se aprenda o que se conseguir. Os sons das palavras. A filosofia do caminho das flores. A estética e os rituais. Sempre gostei de tantas declinações do país onde nasce o sol. Há anos que penso que um dia ganho coragem e vou até ao outro lado do mundo. Tóquio. Quioto. Num final de tarde, descobri que o Japão podia acontecer no Porto. Bem perto do mar. Bem perto de um lugar onde o sol desaparece todos os dias. A altura mais bonita para ir ao Ichiban, parece-me. Bem antes de o sol desaparecer à frente dos nossos olhos. E não se fica "à porta", ali. Envolvidos, afinal. Integrados. Por causa do lugar. Que não obedece ao imaginário previsível. Por causa das pessoas e da tranquilidade com que nos acolhem. Por causa da comida. Servida em cerâmicas que dão vontade de reproduzir o ritual vezes sem conta. E assim, a única coisa que fica à porta é o frenesim incompreensível que se vive, por estes dias. Que fique, o tal frenesim. Embora pense persistentemente que as nossas "elites" é que deveriam ficar à porta. Não merecem. O capital humano. A força que vive no esforço colectivo de todos os dias. Não merecem que haja pessoas capazes de, ainda assim, abrirem um restaurante. Como este das imagens. Do texto. Da minha memória partilhada.  


Pode acontecer.









Há uma imprevisibilidade tão doce, nos domingos. É um dia "nunca se sabe". Creio que o reservo interiormente para a surpresa. Sábado é dia de planos. Gosto de antecipar os sábados. Com os domingos é diferente. Obedecem a uma cadência docemente imprevisível. Imprevisivelmente doce. Pode acontecer querer muito ir ver o mar. por ver o mar. Pode acontecer um telefonema da minha mãe, a dizer que fez uma das minhas comidas de criança. Pode acontecer querer um jantar no jardim. Pode acontecer a voz de um amigo. "É mais importante do que nunca falarmos com quem gostamos muito." Tão simples. E tão certo. Falarmos com quem gostamos muito. Muito isso. Muito disso.
A memória de um jantar no último dia de Junho deste ano veste-se das cores da mesa das imagens. E sabe a dois tons: ao verde-branco de um Pêra Manca e ao amarelo solar de uma entrada. Muito frescos, os dois tons. Puderam acontecer no último dia de Junho. Tal como uma voz que gosto tanto de ouvir. Há tanto tempo que sim. E uma música que cura. Plainsong, The Cure. Melodia para assinalar finais que podem ser inícios. Tal como o último dia de um mês assinala o início de um outro.

Manga fresca com chèvre e presunto

1 manga + lascas de presunto + pedaços de chèvre + nozes + 1 fio de azeite + pimenta preta

Antes de tudo o mais, a manga deve estar muito fresca. Depois, corta-se em fatias finas e dispõe-se num prato largo. Por cima, lascas ligeiras de presunto e pedaços esfarelados de chèvre. Para terminar, nozes esmagadas, um fio de azeite e pimenta preta moída na hora de servir. Pode servir-se com uma salada verde a acompanhar.



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