Auguri.









  
Há uma propriedade inqualificável que nos torna capazes de acreditar nas coisas como se fôssemos crianças. E assim, aquelas palavras que vamos deixando cair, à medida que os anos passam, parecem voltar. No Natal. Acontece mais no Natal. Por causa disto. Das luzes por toda a parte. A cair dos céus. Nas paredes das casas. Nas árvores. Queremos acreditar mais, nesta altura do ano. Pensar que até pode ser que aconteça a magia toda que concebemos a sós, nos Natais todos que já aconteceram.
A revelação é reiterada. Nada de novo, todos os anos. Há árvores de Natal todos os anos. As ruas ficam brilhantes todos os anos. Caminhamos todos os anos pelas luzes. Todos os anos. E ainda assim, a tal propriedade inqualificável. A tal que diz que é para acreditar.
Deixo estas luzes. Estas memórias. Castanhas quentes ao fim da tarde. Uma música comovente. No último dia do ano. A quererem ser um bocadinho de magia feita luz. Para pensarmos que coisas boas e lindas podem acontecer. E se não, nada pode alterar aquilo que vivemos de mágico até aqui. Até este último dia.



Cinco segundos.


Cinco segundos de tempo para dizer aquelas coisas de Natal. Mas não queria que fossem circunscritas. Queria que se espalhassem, disseminadas pelos dias todos. Pelos caminhos todos. E é isso. O melhor do que há para viver. Agora. E do que está para vir por aí.
Música. Mais. Sempre, a música. Só por ser o que ando a ouvir, por estes dias. Fica guardada, a cadência dos dias prévios.  E o livro que anda a ser lido, por agora. A querer ser uma espécie de presente de Natal.

Coisas boas, então. Muitas.

Como se fosse.
































Nesta altura, é tudo como se fosse. De uma maneira ou de outra, as mesas parecem querer antecipar. Esta foi uma dessas declinações. O vermelho das maçãs e das romãs. O verde de uns ramos de cedro. A boa sorte das heras. O branco neve das flores muito pequenas de que gosto todo o ano. E o rosa das peónias. Raras, estas flores.Tudo misturado. Como se fosse uma espécie de jardim inventado para a noite.
Com a mesa, uma variação possível para uma entrada. Leve, com aromas misturados, como na mesa que quis inventar um jardim. Parmesão, coentros. Mesmo a pedir espargos verdes ligeiramente tostados. Mesmo a pedir tempo para ficar à mesa. À espera do que está para vir.
Panquecas de Parmesão e Coentros
5 ovos inteiros + 1 chávena (almoçadeira) de farinha + meia chávena (almoçadeira) de leite + seis azeitonas picadas + meia chávena (almoçadeira) de Parmesão + azeite, coentros e sal q.b. 
Bate-se os ovos, a farinha, o leite e uma pitada de sal. Entretanto, junta-se um fio de azeite e bate-se mais um bocadinho. Depois, as azeitonas e os coentros picados. Finalmente, o Parmesão ralado. Envolve-se e faz-se em pequenas porções, numa frigideira com um pouco de azeite.
E mais música. Esta.

Frágeis.






Todos devíamos chegar ao mundo com a etiqueta de frágil. Como as caixas de vinho. Qualquer insignificância pode ferir-nos ou matar-nos. E só temos o nosso corpo, não somos mais nada. A impressão de solidez massiva que pode dar um corpo na sua aparência, não oferece nenhuma garantia de duração. Como um copo de vinho.
Todo o teatro, todo o cinema, toda a literatura, toda a filosofia, toda a forma de expressão, repousam sobre a fragilidade. Ela é a nossa fonte de inspiração oculta, o motor de toda a emoção e de toda a beleza. Mesmo quando aspira à eternidade. Aceitemo-la. Reivindiquemo-la. Como quem pede mais um copo de vinho. Devemos preservar a nossa fragilidade, como devemos salvar o inútil. O vinho é inútil. Como a arte. O amor. A beleza. Mas é o inútil que nos salva do simples cálculo produtivo, que é dono do mundo. Sim, permite evadirmo-nos também. É, talvez, uma saída de emergência. Em todo o caso, o inútil, a fragilidade, o vinho, aproximam-nos uns dos outros, enquanto a força nos separa.

As palavras do início vieram por ele. Quis que estivessem aqui, mesmo que tenham sido escritas para outros fins. Mas achei que pertenciam aqui. Elas e as imagens. Um dos redutos mais bonitos da nossa existência partilhada passa por nos sentarmos juntos, ao final do dia. E haver dois copos de vinho. Que se vão enchendo à medida que nos esvaziamos do que trazemos connosco. E todos os dias a graça desta equação.
Curiosamente, raramente aparecem aqui os vinhos que acrescentam tanto. Não gosto de uma série de coisas associadas a este universo. E isso inibe-me. Não gosto de descrever a experiência. Nem que ma descrevam. Não gosto dos termos e dos detalhes técnicos. Gosto dos nomes das castas. De saber os lugares onde elas crescem. De tentar adivinhar a terra de onde veio o vinho que me sabe bem. Gosto da parte de gostar. E não querer saber porquê. Ou para quê. Porque sim. Intuição e vontade de viver quanto baste.
A minha memória sensorial seria irremediavelmente diferente. Caso não soubesse ao que sabe um Amarone. Ou um Vale Dª Maria. Ou um gin tónico antes de um jantar de Verão. Champanhe com comida ligeira. Ou sem nada. Só champanhe. Se fechar os olhos, consigo regressar a cada um desses lugares. E com ele. Nunca viajo sozinha, para essas memórias. Abro os olhos e ele está lá sempre. É o que está escrito em cada uma das rolhas dos vinhos que nos fizeram bem. Que estávamos os dois. A viver uma coisa muito bela. E tão inútil, como todas as coisas belas.
Com isto, uma música que tem estado connosco.


Começa assim.






























Sabia que a árvore deste ano seria esta. Ainda não sabia bem a lógica a que iria obedecer. Só que seria esta. Um bonsai com a minha idade. Fui assistindo à morte lenta da árvore com a minha idade. Meses, a lamentar silenciosamente. A não perceber. Acho que nos custa sempre mais o que não percebemos. Os outros bonsais mudaram com a cadência das estações. Foram Primavera. Depois Verão. Outono. Não este.
Acho que queria muito que o Natal fosse capaz de um resgate possível. É isso. Luzes. Flores pousadas nos ramos. Pássaros brancos. Uma casa com as janelas acesas. É como se estivesse vivo outra vez. Como se tivesse sobrevivido a qualquer coisa incompreensível.
Começa assim, o último mês deste ano. Com uma árvore que não quis acabar. Como todos os anos, é Natal. Como todos os anos, luz. Muita.

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