Arco-íris. Portas de entrada. E uma história.







Uma cidade em nós nunca é a mesma. Por mais que voltemos a lugares que já nos viram, nunca é a mesma coisa. Aquilo de se colocar cruzes sucessivas nos mapas individuais que vamos desenhando. "Já fiz." "Já estive lá." "Já provei." "Já vi." Não é assim. A começar por aquilo que levamos connosco a cada um dos lugares que já nos viram noutras circunstâncias. E o nosso olhar, formatado por aquilo que somos naquele instante irrepetível que nos acolhe como se nunca ali tivéssemos acontecido.
Desta vez aconteceu reparar nas portas das casas de Braga. Especificamente nas casas com azulejos. Tão bonitos. Tão complexos, na aparente simplicidade e repetição de padrões e de cores. Representações de um infinito monogramático. Tentamos o infinito de todas as maneiras. Mesmo que nem demos por isso. Mesmo que o conceito nem sequer faça parte do nosso vocabulário, de abstracto. Como os arco-íris. Abstracções às cores. A água a desencadear a hipótese de um arco-íris mesmo ali, ao alcance das mãos. Nada como nas histórias de quando somos pequenos. Que no fim do arco-íris vive a possibilidade de não sei o quê que nos há-de fazer felizes. E o meu olhar dividido entre o arco-íris e a contemplação carinhosa da angústia. Uma mulher de cabelos pretos, compridos. Os lábios pintados de vermelho. Primeiro sentada numa esplanada. Depois em pé, a olhar o horizonte de onde não vinha ninguém. Depois sentada outra vez. Mas num muro. A olhar o telemóvel. Depois em pé. A andar de um lado para o outro. O vermelho vivo dos lábios a perder cor. E os olhos tristes. Depois foi embora. Sozinha. O mundo não é simples. Mas de vez em quando, era bom que assim fosse. Se sim, ela não teria de ter estado à espera. Se sim, mesmo que tivesse esperado um bocadinho, ele teria vindo. E iam embora os dois. A abrir caminho por entre a cidade de granito. Braga é muito assim. Voltemos lá as vezes que quisermos. O granito será sempre o elemento persistente.

3 comentários:

  1. Uma das cidades portuguesas que mais gostaria de visitar. Pela beleza com que é descrita e pela vontade de ser revisitada por quem lá vai. É bom querer rever lugares, mesmo que nunca seja igual.
    Um beijo,
    Graça

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  2. Sim. Rever tem sempre aquela componente de não irmos sem nada para os lugares. Mas mais atentos a detalhes que passariam despercebidos a um primeiro olhar. Muito provavelmente, terei estado atenta às portas das casas por isso mesmo. Pelo facto de o olhar não estar tão direccionado para outras coisas. Achei-as lindas e até pedi permissão a uma senhora para fotografar a porta da casa dela:)

    Um beijo para si.

    Mar

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  3. Gostei dessa ideia de que voltar tem sempre outros olhares. Transportamos mais vivências, experimentamos outras condicionantes, as próprias cidades mudam. Por isso, e sabendo tu o que eu gosto de viajar, acho que há sempre lugar a voltar. Para isso mesmo. Para haver tempo para fotografar as portas e os azulejos. Adoro portas e azulejos, sabias?...
    Babette

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