Perto. Mas tão longe.






Nem sei bem como dizer. Talvez porque aquilo que se sente num lugar destes não é só textual. É mais de contemplação silenciosa das coisas que há. E das que levamos connosco. Como se fosse um altar onde vamos deixar o que precisamos de confiar a mãos invisíveis. A minha vontade maior era mesmo a de muito silêncio. A de estar num sítio onde pudesse escolher não interagir. Não estar. Não dizer nada. E foi assim. Foi muito assim. É o mais imperativo, num mosteiro. O silêncio. Horas disso. Horas em que pensei só que o mundo podia esperar um bocadinho. E que nem sequer daria pela minha falta nem nada. Bom assim. Que as coisas estejam nos lugares devidos.
Quando voltar a este texto e a estas imagens, hei-de lembrar-me da ausência de ruído, de perturbação. De uma noite fora do mundo. Mas estranhamente perto. Muito perto dos lugares que habito todos os dias. E a sensação persistente de que afinal não. Tinha partido de viagem para um lugar muito longe. Indizível. Difícil de categorizar. Ou de situar. É assim, a geografia que cada um de nós vai elaborando.
Nesse mapa interior, fica este lugar. O Mosteiro de São Cristóvão de Lafões. Com árvores e água por todo o lado. Pedras que existem ali desde o século XII. Pedras que já viram muito. Os monges silenciosos. Os homens que expulsaram os monges silenciosos. As ervas que invadiram tudo, durante anos. A reconstrução lenta e paciente. Como se esse facto objectivo pudesse justificar uma existência toda.
Andei pelos claustros deste lugar. Pisei as pedras e toquei nas paredes. Fui à igreja vazia. Olhei as inscrições nos túmulos. Pessoas que já não estão há tanto tempo. Pessoas que foram um nome. E uma história irrepetível. Ali. Já não estão. Lembro-me muito dessa noção, quando ali fui pela primeira vez. A de me ter demorado a olhar as inscrições nos túmulos. Tão pequena, na altura. Creio que terá sido por aí que me apercebi do irredutível que é a sequência a que estamos sujeitos. Termina ali. Com uma inscrição breve. Os nossos nomes. Duas datas. A do início. E a do fim. Depois disso, as saudades dos que ficam para trás. E sermos lembrados aniversariamente.
De vez em quando, há-de ser assim. Sempre que a vontade seja a de silêncio. Um saco de viagem muito breve. E treze quilómetros depois, o silêncio ampliado de uns claustros sem ninguém. Para nos sentirmos ninguém. Fundamental, esse exercício. Sentirmo-nos nada. Ninguém. Assim, quando voltarmos para o mundo, vamos esvaziados de nós. Voluntariamente reduzidos. Mas ainda assim, mais fortes. Por sabermos que tudo passa. Mesmo nós. Por mais que isso pareça uma invenção. Demasiado cruel para ser verdade. Enquanto não, uma possibilidade para a transcendência, este lugar. Tão perto. E onde nos sentimos tão longe.

Para o Vasco. Que sabe porquê.

12 comentários:

  1. Olá Mar,

    Espero que esteja bem depois desse silêncio todo.
    Comigo acontece o mesmo ter que estar em silêncio. A sós. Muitas vezes. Ultimamente cada vez mais.
    Um beijo com carinho.

    Íris

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  2. Belas, as palavras do teu post. E belas, as da 4ª imagem (não resisti a ampliar a fotografia :). Às vezes, até uma tagarela precisa de estar em silêncio :)Espero que essas horas de recolhimento te tenham feito bem.
    Um beijo da tua amiga
    Ilídia

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  3. Minha querida Mar:
    Já depois de termos falado. E de nos atropelarmos carinhosamente a falar do nosso fim-de-semana ;) Que bom que o teu teve silêncio e descanso. Podemos afastar-nos um continente em poucos quilómetros. E retemperar forças num só dia. Basta que tudo seja vivido em pleno. Como neste sítio que hei-de conhecer.
    Um beijo à minha amiga.
    Da sua Babette

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  4. Olá Íris:

    Fez-me bem, este silêncio. Acho que o silêncio nos ensina tanto. O voluntário. E o outro, o involuntário. Creio que a maior parte das vezes não conseguimos antecipar esses ensinamentos. Mas o meu entendimento é que o tempo e a distância fazem com que o silêncio (mesmo o involuntário) tenha um sentido.
    Isto para dizer que vai ver que sim. Que há-de haver um sentido. Seja qual for e enquanto não chega, o meu carinho. Também me acontece isso. Queria dizer. E também queria dizer que acaba tudo por correr bem. Penso assim.

    Um beijo com mais carinho para si.

    Mar

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  5. Já consegues comentar:) A imagem ampliada é a do livro que terminei no sábado. O que foi comigo para aquele lugar. "O sentido do fim" de Julian Barnes. Não sei se já leste. Mas é um daqueles. Para mim foi. Quis assinalá-lo aqui.
    Fizeram-me muito bem, aquelas horas. Voltei melhor. A gostar ainda mais de andar cá fora. Acontece assim, de vez em quando. Querer ir. E não formular nada. Respirar, só. Uma amiga minha que esteve na Índia fez uma coisa de que eu dificilmente seria capaz. Um retiro mais ou menos intensivo. Sem livros. Sem papel. Sem nada. Nos primeiros dias, teve de estar concentrada na respiração dela. Só isso. Disse-me que lhe custou. Que foi difícil. E que aconteceu chegar ao fim do retiro. Conseguir isso fez-lhe bem.

    Um beijo para a minha amiga Ilídia.

    Mar

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  6. Uma bela imagem, essa. A de conseguir um continente com quilómetros escassos. Aqui tão perto. Tão distante na minha memória. Falei-te dessa impressão, de quando era pequena. Nem me lembrava muito do resto. Só do cemitério pequeno à entrada da igreja. Das inscrições. Dos jazigos. Não gosto de jazigos. Já disse isso. Que quando acontecer, não quero isso.
    Tanto, ali. Vais ver, quando fores lá. E eu ligo à Dª Celeste, que ela há-de dar-te o mesmo silêncio. E o pequeno-almoço também:) Não sei se te disse, mas é delicioso. Sei como gostas de pequenos-almoços:)

    Um beijo da tua amiga Mar.

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  7. Soube do teu silêncio enquanto tagarelava com a Ina e com a Joana. Sentimos a tua falta, mas ficámos contentes com o silêncio que escolheste no fim de uma semana tão grande e cheia de palavras, horas marcadas para tudo correr bem.
    O silêncio, que nos renova, junto das árvores e das pedras. Que a seguir o mundo está logo ali, e é primavera...
    Um beijo.
    da Pipinha

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  8. Belo o sítio que escolheu para o seu silêncio! E tão bem que sabe o silêncio de vez em quando! Dá força para poder quebrar o silêncio mais tarde, quando necessário!
    Gostei muito do seu post e das imagens!
    Um beijo com carinho,
    Graça

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  9. Eu sabia que sim. Que estavam todas juntas. Era necessário, isto. Depois disso que escreveste. Muitas palavras. Muitas horas marcadas. E sabes o principal? Farta de mim:) Aquele lugar restitui. Recompõe-nos.

    Um beijo da tua amiga. Mesmo que não tenha jantado convosco:)

    Mar

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  10. Olá Graça:

    Muito belo, sim. Com a monumentalidade intrínseca. Mas com uma humildade muito bonita. Que faz com que o silêncio tenha uma densidade muito particular. Obrigada por ter gostado. Do texto e das imagens. Faz-me bem olhá-las. E fez-me bem saber que algures nos Açores, o seu olhar gosta de aqui estar um bocadinho:

    Um beijo com o mesmo carinho.

    Mar

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  11. Sabes que quando desliguei o telefone pensei logo nisso? Que não te tinha perguntado sobre o pequeno-almoço. Para mim é o detalhe último. E que me fica gravado nas memórias gustativas... Ainda bem que adivinhaste essa falta. E se é delicioso, mais um motivo.
    Queres outras coincidências saborosas? A minha mãe está a fazer um curso sobre "Arte e Espírito", e o hoje o professor falou-lhes do teu Convento de Lafões. O propietário de quem falaste foi, por seu lado, professor do meu pai. Mundo ervilha, este, não é? Mandei-lhes beijinhos teus ;)
    Babette

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  12. O pequeno-almoço é cheio de mimos. Pão dali de perto. Bolos secos com compotas. Sumo fresco com as laranjas do mosteiro. Muito acolhedor. E sabes, numa sala só para ti. Estive ali sozinha um bom bocado. Em frente a uma janela para o verde todo à volta.
    Imaginei que os teus pais talvez pudessem conhecer. E sim. Mundo-ervilha, o nosso:)

    Um beijo.

    Mar

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