Do "amor pelas coisas visíveis".




























"Aí se levantará como um canto o teu amor pelas coisas visíveis que é a tua oração em frente do grande Deus invisível."
                                                  Sophia de Mello Breyner Andresen

As palavras dela são maiores. E apetece o silêncio, quando é assim. Quando as palavras são coisas que somos e fazemos e pensamos e sentimos. E quando acontece sermos pequenos ante palavras que dizem mais do que somos. O mercado de Lagos é uma declinação do meu amor pelas coisas visíveis. As coisas que trago de lá são a minha oração. Em frente a um deus que não sei. Posso tentar que seja sem rosto, sem configuração. Que não esteja à distância de uma filosofia ou de uma religião. Que seja divino porque há peixes. E frutas. E legumes frescos. E pão. Só por isso haver um deus. Celebrado com gestos sem memória. À medida de uma humanidade profunda e partilhada. Por se celebrar solenemente a dádiva de haver peixes. Frutas. Legumes. E pão. A dádiva de haver pão. Num altar que pode ser de madeira ou de mármore. Mas um altar onde se celebra coisas que trazemos connosco.
Todos os anos, o percurso que ela enuncia à entrada do mercado. Todos os anos, o percurso interior que me leva lá. E fica aqui.

7 comentários:

  1. Mar:
    Já imaginou um quadro como o da última fotografia? Que linda natureza "morta" que daria. Aprendi que o pintor, préviamente, tinha que fazer a montagem do cenário das peças a pintar. A composição. Esta é realmente bela. Gostei no seu texto da ideia do divino tão próximo dos nossos olhos. Vai-me fazer bem pensar em si e neste post ao longo deste dia.
    Beijinhos desta sua admiradora.

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  2. A tua descrição quase que me pôs no mercado de Lagos. A imaginar-te a escolher o que o dia tem para oferecer. E depois a composição cinematográfica para a foto. Como a Lusitana diz, um quadro. E a Lusitana que me perdoe, mas prefiro usar aqui os termos anglo-saxónicos: "there is still life"... Nem que seja a vida que damos no momento em que preparamos o divino para servir num prato tangível. E quotidiano.
    Mais beijos para Sul
    Babette

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  3. Olá minha Lusitana:)

    Acredita que foi sem propósito? Costumo tirar as coisas que vêm do mercado e ir colocando em cima da mesa, para depois arrumar o que for para arrumar e temperar as coisas para o imediato. Quando acabei, reparei que estavam tão bonitas, as coisas do mercado de Lagos. Seria uma lástima não partilhar, não acha?
    E sim, a minha forma de deus vive nestas coisas pequenas. E nas coisas pequenas que eu faço com elas. Obrigada pelo pedaço de divino que deixou. Por se lembrar de mim ao longo do dia. Por causa de coisas do mercado e assim. Fico feliz. E grata.

    Um beijo com carinho.

    Mar

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  4. Lembro-me muitas vezes de ti. Muito especialmente aqui. Por saber que ficarias assim como eu: encantada. Com as bancas de peixes. E de frutos e legumes. Gosto mais disto do que de sapatos:) E tu sabes que eu adoro sapatos. Fico feliz por saber que te sentiste aqui. Pela descrição fragmentária. E pelas coisas que vieram de um lugar que é feito de matéria tangível. Que depois se transforma em coisas intangíveis e quotidianas.

    Um beijo do sul e nocturno:)

    Mar

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  5. Um dos meus lugares de amar, sim. E estás aí desde sempre.

    Um beijo por isso. Por estares.

    Mar

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  6. Para a Lusitana outra vez:

    Faltou acrescentar um pormenor que muda tudo: a composição começou por ser aleatória e de rotina. Mas depois adquiriu realmente características de quadro:)E deixou de ser aleatório ou sem propósito.

    Outro beijo com o mesmo carinho.

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