Danieli.



































Não interessavam as imagens todas dos filmes. Cenas trabalhadas. Construídas. Coisas que nos fazem sonhar. E que valem por isso. Para nos darem mais elementos que permitem o sonho. Havia uma coisa lá de trás. De há dezasseis anos atrás. Porque foi aí que soube que havia um lugar em Veneza que se chamava Danieli. Foi aí que começou a construção de uma narrativa interior que me levou lá. Às escadas de mármore. Irregulares. Pelas vezes sem conta que foram/são percorridas. Aos lustres com cristais coloridos de Murano. Ao jogo labiríntico de claustros interiores que nos faz pensar que estamos num lugar sem possibilidade de atribuição de idade. E ao último andar. O lugar que faz com que Veneza seja irremediável na memória. Sem que isso seja uma coisa de postal. Ou de filme. Ou de narrativas que nos são exteriores.
E então, não dá para esquecer nada. Não dá para reduzir o que ali foi vivido a uma enumeração de pormenores. O acolhimento. A comida. O cenário exterior de mármores e cristais e veludos pesados. O que fica. O que fica é o silêncio que parecia uma miragem. Pela agitação toda que se respirava fora de portas. Sono silencioso e imperturbável. Páginas do livro que há-de ser sempre Veneza. Lidas em silêncio. Uma pausa nocturna na varanda. E a voz numa das salas próximas. Ao piano. Um fragmento. Every breath you take. A voz que é um respirar sussurrado. Ali. Bem a meio de uma noite silenciosa. Música que também há-de ser sempre Veneza no Danieli. Como o livro. Como o silêncio nocturno. Como o jantar lá em cima. A olhar a cidade transformada em pontos de luz. Como os pequenos-almoços demorados. De lá de cima, só há céu. E uma perspectiva do mundo que não se esquece. Água incessantemente cortada pela vida incessante de Veneza. As coisas que os homens ergueram. E a sensação de que nada daquilo era suposto. Que aquela cidade, aquele chão é uma espécie de desafio que os homens fizeram aos deuses das religiões que quisermos. Nada era suposto. Mas sim. Muito. Muito belo. E inesquecível.

4 comentários:

  1. Veneza é também o Danielli. Que eu só conheci há uns 10 anos atrás. Para já, só de imagens. Bom, que tenhas concretizado esse desejo. E que tenhas feito de um sítio inesquecível uma memória única e tua. Melhor, vossa. E do senhor que ao lado tocava essa música... Muito especial!
    Um beijo de Agosto com chuva!
    Babette

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  2. Olá Mar,

    Acho que quando se procura a essência de um lugar conseguimos parar o tempo ou, quiçá ganhar tempo.

    Um beijo

    Fa

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  3. Olá minha amiga doce:

    Queria muito que Veneza fosse aquele lugar. Depois conto-te mais coisas:) Um bocadinho líricas.
    E sim, especial. A voz ali ao lado. Uma daquelas coisas que não dá para antecipar, para prever. Que acontece e pronto. Ainda bem que sim.

    Um beijo de boa noite.

    Mar

    PS: Amanhã vou aprender danças orientais:)A ver se corre bem.

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  4. Olá Fa:

    As duas coisas, creio. Parar e ganhar tempo. Por se procurar a essência de um lugar. Para que não seja só espuma. Uma coisa difusa que se perde na memória.

    Um beijo com carinho.

    Mar

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