Quase Verão.



Presta-se a coisas com sol, esta altura do ano. Já em contagem para o Verão. Que começa no dia mais longo do ano. O dia em que há mais luz. E então, os inícios de refeição querem-se assim. A dar protagonismo aos frutos. A este em particular, por ser lindo. Por ter uma beleza muito feminina. Apesar da compartimentação obrigatória de género. Não importa. Para mim, é um fruto que evoca a beleza frágil, simultaneamente poderosa das mulheres. Associados a lascas finas de presunto. E a pingos de mel. Uma ligação forte, esta. De adivinhar a textura irrepetível dos figos. O doce de um mel ligeiro, floral. E cortar isto tudo com a franqueza do sabor do presunto. É sempre boa, esta maneira de antecipar um jantar de Verão. Hoje soube particularmente bem. Porque à volta, tudo era doce e luminoso. Porque consegui olhar uns dias à frente. Apesar de não conseguir isso muito bem. Uma coisa quase endémica, a de não querer estar no dia que está para vir. Mas hoje pensei que o dia mais longo do ano está quase. Que está a uma distância de quase. E isso fez-me bem. A ideia do sol que está para vir, fez-me bem. Hoje. E depois, mais um bocadinho de figos. E mais um bocadinho de presunto. E mais um bocadinho de mel. Para pensar melhor a ideia de dias longos e quentes. Para ouvir melhor as vozes de quem chega aqui. E fica horas doces em torno da mesa. Porque há mais tempo, no Verão. Julgo ser esse o ponto. O de haver mais tempo. De dar sempre para mais um bocadinho do que há para viver. Mesmo que hoje não tenha havido tempo para registar a mesa de almoço. Uma falha. Porque os domingos são sempre de mesa que se regista. Hoje era para ajudar a estudar. Por amanhã ser dia de exame de Português. Todos os anos, a mesa do jardim a ser cenário de sessões intensivas e prolongadas. Por isso, à mesa deste domingo houve Fernando Pessoa. E José Saramago. E Luís de Camões. E Luís de Sttau Monteiro. E alguns alunos. Convidados ilustres, portanto:) E no final do dia em que foi quase Verão, bastou dizer-lhes para serem inteiros. E que ia correr tudo bem, se não se esquecessem de ser inteiros.

12 comentários:

  1. Querida Mar
    No mesmo dia,dois textos de dádiva.Como Mãe. Como professora.São dois caminhos de completa entrega aos seres que ajudamos a formar!Os nossos alunos são um pouco nossos filhos. compreendemo-los melhor a partir do momento em que somos mães.Damos e damo-nos.e também recebemos!O brilho nos olhos quando damos o "tal" passo em frente!Sempre nós.A Mãe. a professora.É um privilégio viver esta dualidade, por vezes muito difícil.
    Beijinhos com um desejo de que tudo corra bem na nova etapa da vida do António...da Mãe...de todos que o amam.
    Emília Melo

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  2. Ora vamos lá a mais coincidências...
    O título deste teu post mais recente e o meu de hoje: um "Quase" risotto para um "Quase" Verão. O meu jantar de ontem ia ter figos com presunto. Mas uma troca inesperada de planos fez com que ficasse para hoje. Costumo regá-los com um fio de azeite. Hoje talvez experimente um doce fio de mel. Cerejas e Figos. Coincidências boas.
    Mais logo falamos. Outra vez ;)
    Babette

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  3. Olá Emília:

    Vou começar por aqui: tinha muitas saudades de a ler:) Fazer o quê? Sentimos a falta das pessoas. Mesmo que sejam sem rosto.
    Estou consigo no que escreveu. Nessa ideia de dádiva. Da dualidade difícil. Porque convém lembrar isso. Que não é uma coisa fácil. De darmos. De sabermos até que ponto é de aceitar. De definir bem as fronteiras. Mas dar lugar a isto, também. Não recusar esta possibilidade. A de nos sentarmos com um grupo de alunos que quer mais. Por isso ser um privilégio. Gostei muito de a ler. Mais uma vez. E ainda não fui buscar as gardénias. Os meus últimos dias têm sido de todos, menos meus. Sinto falta disso. De dias meus. Quando acontecer um desses dias, vou buscar gardénias:)

    Um beijo com muito carinho para a minha Emília.

    Mar

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  4. Um quase risotto, num dia em que foi quase Verão. Uma coincidência boa, essa. E adivinha qual foi o meu jantar de ontem, para mais convergências:) Risotto.
    Trocamos, então. Nunca fiz a versão com azeite. E acho que me apetece acrescentar tomilho fresco, para acentuar aquela ideia mediterrânica de que gostamos muito. De Verão.

    Um beijo de final de dia cheio. Outra vez cheio.

    Mar

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  5. Somos todos, minha happy single mother:) Únicos e irrepetíveis. E isso é lindo.

    Um beijo.

    Mar

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  6. Olá, Mar
    Vejo que teve um almoço de domingo cheio de gente ilustre. Espero que o exame tenha corrido bem aos seus alunos. Espero que tenham seguido o seu cconselho. Que tenham sido inteiros. Um beijo grande da terra onde o verão parece não querer chegar este ano.

    P.S.: Hoje fui ao colégio do Manuel ler uma história. No fim, ele correu a abraçar-me e disse, em voz alta :"É a minha mamã!" Lembrei-me de partilhar isto a propósito do seu texto anterior. É tão bom sermos mães deles. E sentir que eles gostam assim de nós.
    P.S. 2: Fico contente por a minha inspiração do outro sábado a ter inspirado neate sábado. Beijos

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  7. Espero que por aí hajam muitos dias de verdadeiro Verão, sem o quase...

    É bastante estranho, mas ontem à noite lembrei-me de si, quando ouvi entrevistas a alunos acerca do exame de português. Talvez porque tivesse lido de manha este seu artigo.

    Fiquei com uma enorme vontade de lhe perguntar se os seus alunos ficaram contentes depois da sua prestação no exame. Se lhe tinham dado algum feed-back da mesma.

    Eu não a conheço mas pelo seu artigo, fiquei com a nítida sensação que teria estado ontem "em pulgas" a torcer à distancia pelo bom desempenho dos "seus meninos".

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  8. Olá Ilídia:

    Partilhou uma imagem tão linda, sabia? Do seu menino a abraçá-la, depois de ter contado uma história. Gosto que tenha deixado esse pedacinho maternal. E a inspiração que fui buscar ao seu improviso de sábado soube tão bem. Uma daquelas coisas de três tempos. Bastou pão fresco, salada e vinho branco, para fazer companhia ao improviso vindo do outro lado do mar:)
    Correu bem, com os meus alunos. Foram logo procurar-me, no final. É esperar, agora.

    Um beijo para si. Que esteja bem. Apesar de o Verão estar indeciso, aí na sua ilha:)

    Mar

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  9. Pois hoje foi em pleno, o dia de Verão:) Sol, calor, vontade de mar. Coisas assim.
    E sim, os meus meninos e meninas vieram logo contar como tinha sido. Sabiam que eu estava ansiosa. Apesar de não ter sido eu a dar-lhes aulas de Português este ano, por ter ficado com turmas do 11º ano. Mas estive ali, nestes últimos dias, a assistir ao esforço e à vontade de cada um. Uma coisa boa, a de os ver à porta da sala. Todos juntos e com muitas folhas nas mãos:) Já em descompressão. Fico feliz que se tenha lembrado de uma pessoa que não conhece. Uma espécie de comunicação silenciosa, essa. A de nos lembrarmos. A minha Turista Ocasional que vive em Munique também faz parte dos meus pensamentos. Já viu como são as coisas?:)

    Um beijo para si. E faça sempre as perguntas que tiver vontade de fazer:)

    Mar

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  10. Querida Mar,

    também acho o figo um fruto lindo. Curiosamente, passam-se anos sem que os prove. E eles ali à distância de um esticar de mão, quando regresso à casa dos meus pais. A deixarem escorrer o mel pelo chão. A exalarem perfume. Este ano, quando os vir amadurecer vou-me lembrar de si. Vou-me lembrar que o importante é ser inteira, sempre. Como me disseram também um dia. Memórias que não esquecem. As de quem nos vê assim, inteiros.

    Mais um beijo, com ternura, sempre,

    Mafalda

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  11. Olá Mafalda:

    Os figos para mim, também são Lagos. Os melhores de todos eram sempre os que vinham do mercado de Lagos. Trazia-os para casa como se fossem pedras preciosas, por serem tão delicados. E no jardim havia figueiras muito velhas e batidas pelo vento.
    E é tão lindo se acontecer isso, de se lembrar de alguém que (ainda) não conhece ao olhar figos de Verão. Uma coisa muito inteira. Uma pessoa muito inteira, a Mafalda.

    Um beijo com carinho para a minha Mafalda:)

    Mar

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