(In)finitude.Em Coimbra.

Mais coisas registadas no caderno verde, sempre à espera de palavras, dentro da carteira com um nome poético, Alma. Guardadas ao ritmo da interiorização. Por saber que tinham que ser guardadas. Do Professor João Lobo Antunes. Serenas e quase sussurradas. Num sábado de manhã, em Coimbra. Muito do que eu faço é dar tempo. Mais um Natal. Ir até Julho, para chegar ao Mundial de Futebol. Mais uns dias, para assistir ao casamento de uma filha. Não podemos ser assassinos da esperança. (...)Morre-se mais durante a noite, nos hospitais. Em solidão secular. (...)Grande parte do que os nossos filhos vêem nos jogos é a abolição do Homem. A aniquilação do outro. (...)A ética ensina-se pelo exemplo.(...) O médico que me ensinou a operar, ensinou-me o princípio da compaixão. O diagnóstico mais difícil: o da morte. Da ausência de sinais. E o pensamento fulgurante e inquieto de uma investigadora que não conhecia, Laura Ferreira Santos. Coisas ditas por uma criança de sete anos, ali partilhadas. Eu já sei muita coisa sobre os dinossauros. Agora, o que eu queria saber, é por que é que o meu avô morreu. A reflexão sobre a não inclusão da morte na educação, sobre o afastamento das crianças da ideia da finitude. A evocação das pessoas que se lançaram no vazio, no 11 de Setembro. Da proibição tácita e subsequente de mencionar a palavra "suicídio" nos jornais. Para destituir aquelas imagens desesperadas de intencionalidade, de deliberação. Acabar aquele pedaço de dia com as palavras de um filósofo carinhoso, que me acolhe sempre com um sorriso e boas palavras. Há muitos anos, já. O Professor Anselmo Borges. A falar de uma sociedade sem eternidade. De cada instante ser ele. Único, irrepetível e irreversível. E dos paradoxos da morte. A começar por este: a morte é o impensável que obriga a pensar. A evocação de A Morte de Ivan Illitch. Da perplexidade final. Onde é que eu estarei, quando cá já não estiver?
Os encontros. A ideia de convergência especulativa. Não obstante as divergências. Que coincidem no ponto mais estimulante: o da reflexão, da argumentação, de todas as perplexidades. São assim, os encontros de filósofos. Todos os anos assim. Desde há muitos anos. Desde a altura em que entrava na Reitoria da Faculdade de Letras de mochila e sapatilhas. Permanece em mim a ideia persistente de duas comunicações. A da esperança no Homem, formulada pelo Professor João Lobo Antunes. E a do amor que nos resgata da finitude, pelo Professor Anselmo Borges. Duas palavras: esperança e amor. A propósito da morte. Existência e Morte. No 25º Encontro de Professores de Filosofia.
Antes de ir, a cristalização do vestido para a noite. Para estar junto dos meus alunos finalistas, num ritual de passagem. Elas com vestidos compridos e passos hesitantes em sapatos altos. Eles de fato escuro, gravata e sapatos brilhantes. Muito elegantes, os alunos que vão embora este ano. Depois de cumprirem mais um passo num percurso que vai ser de continuação. Mas estar lá. Junto à alegria de cristal dos meus alunos. Mesmo que atrasada, depois de uma viagem num dia de chuva. De cabelo indisciplinado, sem mãos de cabeleireiro e passos ligeiros, de tão felizes. Aqui também, o dia feliz e brilhante dos que partem este ano. Em direcção a um futuro incerto. Mas que tenha esperança e amor. Um futuro que tenha estas duas palavras há-de ser um bom futuro. Confio eu. Por eles. Para eles.

12 comentários:

  1. Que texto lindo, Marisa! Mais um que me fez não (querer) segurar as lágrimas!
    Palavras mágicas com Coimbra como pano de fundo!
    O (MEU!) ouro sobre azul!
    Obrigada por isso... ♥

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  2. Para mim, Existência e Morte é um tema de que gosto muito. A sua reportagem provocou-me certa pena por não ter ouvido as exposições dos investigadores convidados.Li ,há algum tempo num jornal, este pensamento magistral de Anselmo Borges"A nossa sociedade da banalidade rasante, do consumismo enlouquecido, da espectacularização ridícula, da correria alienada e alienante, só pode ser o que é enquanto assente no tabu da Morte. Se a Morte voltasse ao pensamento dos homens, ela imporia uma conversão."
    Não há dúvida de que o caminho a seguir tem mesmo de ser a esperança e o amor.Cultivados diariamente.Dando o exemplo.
    Depois da abordagem de um tema tão profundo, mas tão natural, fez bem em ter celebrado a existência.Consigo imaginá-la no lindo vestido preto aqui cristalizado, transmitindo esperança aos jovens que ajudou a formar. Comungando a sua alegria e participando nos seua sonhos.Considero ser este o verdadeiro privilégio de ser professor.
    Um beijo de boa noite à espera das coisas belas de domingo.
    Emília Melo

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  3. A minha happy single mother comovida.

    Por causa de Coimbra. Por causa das palavras cheias de substância que ouvi na cidade que te comove. Pela evocação de um momento mágico para os alunos que partem. A noite antes de todas as despedidas. Como a cidade de todas as despedidas.

    Um beijo para ti.

    Mar

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  4. Olá Emília,

    Ocorreu-me que teria gostado de estar lá. Foi um dia muito cheio. Que começou cedo. A ouvir a voz muito serena do Professor Lobo Antunes. E as coisas certas que disse. Certas, por serem humildes, humanizadoras. Onde todos se podiam rever, não obstante as histórias únicas e irrepetíveis de cada um. O Professor Anselmo Borges é muito especial para mim e para o meu marido. Especial porque o lemos com gosto. Sempre com inteligência. Sempre acima da ideia da religião. Por ser padre. Tontos, os que tentam colocar-lhe uma espécie de etiqueta, à conta disso. O discurso livre e brilhante deste filósofo escapa a essas e a outras etiquetas. Está à frente, no momento seguinte. A acrescentar, que gosto muito da alegria com que me acolhe. Uma pessoa boa que ficou. E fico feliz que a Emília o leia. Imaginei que sim, também.
    O vestido preto é sempre um óptimo recurso, não é? Está sempre bem, mesmo em dias sem tempo, em que nos preparamos em três minutos:) Pronta para celebrar a existência. A dos meus alunos no meu percurso. Para lhes dar esperança, também. Luzes brilhantes de esperança.

    Outro beijo de boa noite para si. Feliz, por estar tudo bem consigo:)

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  5. Um registo tão cheio de sábado. Com palavras e lições que são muito para incorporar. E aplicar. A medicina humanizada, como te expliquei no e-mail de há pouco. Que eu presencio e de que me orgulho por todos os meus que a exercem assim.
    E depois um vestido preto que registou outra parte do dia. Muito bonita essa imagem.
    Um beijo à minha Mar
    Babette
    PS. Bom também saber que a "nossa" Emília estava só num registo silencioso "porque sim". Esse é o melhor motivo!

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  6. Muito cheio de um sábado especial. E sim, uma medicina humanizada. Aplicada pelos teus. Pelos médicos da família do meu marido. Numa especialidade delicada, a da neurocirurgia. Muito nobre, essa profissão que lida com todos os limites indizíveis.
    O meu vestido preto no final de um dia cheio. A prolongar o encantamento num dia de chuva e vento.

    Um beijo para a minha Babette:)

    PS: Acreditas que ainda não vi o filme que deu nome ao teu blogue? Dias tão cheios. Noites que acabam tão tarde. Mas está guardado, em reserva para um momento de total disponibilidade:) Como o Barca Velha que esperou pelo aniversário dos teus pais.

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  7. Isa,


    Tenho saudades.
    Tuas, não de Coimbra.

    Os sítios fogem-nos ou nós fugimos deles, ainda não decidi.

    So...love ya sista*

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  8. Também eu. De ti. E não de Coimbra. Estranho não teres saudades da tua cidade boémia. Estás bem?:) Há um sítio onde podes ir sempre. Sabes, não sabes?

    So... para ti. Que me chamas Isa desde pequenina:)

    Beijo

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  9. Olá, Mar

    Teria gostado de assistir a esse encontro. Gosto de ouvir o Professor Lobo Antunes. Quero comprar o livro que ele escreveu sobre o Egas Moniz. Ultimamente também tenho comprado uma revista de filosofia francesa, que dedicou um dos seus últimos números ao tema da morte. Tem sempre textos muito bons que nos fazem reflectir.

    bjs

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  10. Olá Fa,

    Sim, teria sido bom. Sempre que vou, penso na abrangência da filosofia. De como congrega. Sem que seja preciso ser de, ter tirado o curso de. Claro que estes temas se prestam a essa amplitude. Imagino que se tivesse sido sobre Wittgenstein ou Kant, eu e a minha razão teríamos ficado à porta:)
    A revista será a Philosophie?:)

    Um beijo de boa noite para si. Uma noite descansada.

    Mar

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  11. Olá Mar!
    Palavras e pensamentos tão sábios na minha cidade do coração. Também eu gostaria de ter assistido a esse colóquio. Confesso aqui o meu medo e respeito por essa finitude para a qual sei que não estou preparada. Não a minha morte, mas a dos que me são tão tão queridos.
    Uma palavra também pelo post anterior e pelo carinho/admiração por todos os comentários que nele estão. Por isso não ouso ir lá escrever também. Pessoas muito humanas que passam pelo cantinho da Mar, que é também um espaço de partilha de experiências pessoais. Que às vezes me fazem chorar, que às vezes me enchem o coração de uma alegria tão especial que é indescritível.
    Mais uma vez uma boa semana para si e para os seus.
    Sandra

    P.S.1- Noiva Judia. Não sei se é o melhor livro para começar "a ler" Pedro Paixão, mas foi o que comprei.

    P.S.2- Nada me daria mais prazer que ter o meu link na sua lista de "seguimentos de perto", pelo que sim, claro que pode pôr. Aproveito já para perguntar se tasmbém posso por o seu quando tratar desses assuntos pendentes no meu blog?

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  12. Olá Sandra!

    Só hoje dei conta deste seu comentário. Detesto quando acontece assim: não dar conta. É por ter sido num post anterior.
    Gostei muito do dia que passei na sua cidade. Mesmo que dedicado a algo tão no limite. Mas é libertador pensar. Sempre.
    E acredite que acarinho e agradeço muito o que tem acontecido aqui neste espaço. Um espaço para deixar receitas. As pessoas fazem com que seja um bocadinho mais. Pessoas como a Sandra.
    A Noiva Judia é sobre uma das mulheres da vida do Pedro Paixão. Ele contou a história, naquela sessão em Viseu, há uns dias. Acho que sim. Que escolheu bem:)

    Um beijo da Mar.

    PS: E sim, assim que tratar dos assuntos pendentes do seu blog:)

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