Comida que soube a Outono. No Inverno. Antes da Primavera.

A começar pela mesa. Mais uma vez. Sempre inesgotáveis, as mesas. Os lugares de reunião. Onde nos sentamos todos os dias. E todos os dias, luzes com vida. Luz que não venha de cima. Que esteja perto. Junto à comida. Aos copos. Aos talheres. Desta vez, o aroma doce das velas Ladurée. E o centro de tudo, rostos multiplicados numa metáfora. Declinada até onde quisermos. A jarra Dora Maar, Jonathan Adler. A representar uma certa ideia de infinito no rosto de uma mulher (?) Interpretações. Sempre livres, as interpretações. De tão próprias.
E à mesa, comida que conforta. Porque há chuva outra vez. Daquela chuva mais ou menos indecisa. Que não é franca. Que não chove de uma vez. Dias assim pedem conforto quente. Apesar de ser quase Primavera. Apesar de todos os supostos que deveriam chegar com a Primavera. Ainda não. Por isso, à mesa, a evocação de um sabor de Outono. Para que a comida esteja de acordo com os elementos. Um risotto de míscaros. Reservas prudentes de Outono, pensadas para quando apetecesse. Vindas do frio que conserva, estas reservas. Ainda bem que sim, que na altura em que há míscaros, houve reserva de tempo e de vontade. Para antecipar outras vontades. As vontades súbitas de comida de Outono. Desta vez, o Outono soube ao meu prato preferido. Soube a parmesão suave. Incorporado em risotto ligeiramente amanteigado. Servido num prato fundo de massa, para se manter naquele point of no return. Por ser comida para agora. Comida que não pode ficar para depois. A contrariar a ideia de agora, a ideia de guardar. De reservar. De antecipar coisas que acontecerão para a frente. Nem que essas coisas sejam tão só a vontade de evocar o Outono à mesa. Perto do início da Primavera. Num dia de chuva em que apeteceu mar. Porque a chuva, perto do mar, não tem nada de indecisão. É evidente. Declarativa. Na água do mar.
E preciso mesmo de deixar outra receita de risotto? Nem me atrevo a contar as vezes em que sim. Estão lá atrás. Risottos no Verão. Risottos na Primavera. Risottos no Outono. E no Inverno, antes da Primavera, a saber a Outono. Basta procurar lá atrás. Pelos outros risottos que já estiveram à mesa.

4 comentários:

  1. Que risotto delicioso. Mais um que somas. Todos diferentes e todos dignos de registo.
    O branco dos objectos que usaste ficou ainda mais realçado no contraste do castanho de uma mesa nua. Fez-me lembrar o contraste das magnólias nrancas, que gosto tanto de ver.
    Continuação de bom dia. Depois de uns SMS trocados...
    Babette

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  2. Bom dia Mar!
    Este é o risotto que tenho de fazer ao meu pai. Que adora míscaros. De preferência apanhados por ele, que os conhece, sem que a minha mãe os veja, que tem receio. ;-)
    A mesa está, como sempre, cheia de encanto.
    Um beijo grande com votos de uma excelente semana.
    Sandra

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  3. Olá minha amiga doce!

    Gosto tanto deste arroz simples, que se fosse confrontada com aquelas perguntas definitivas, o escolheria com última refeição. Este fez-me pensar também nos risottos do "nosso" Shis. Que confortam.
    Gosto de mesas nuas, de vez em quando. E nesta, quis mesmo o contraste com o branco. E ver as luzes das velas na mesa.
    As magnólias do meu jardim estão a desaparecer devagar. Mais uma fase, uma etapa.

    Um beijo de bom dia.

    Mar

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  4. Um risotto para um pai que adora e conhece míscaros. Não consigo pensar numa homenagem mais carinhosa:) Confesso que costumo usar míscaros comprados. Vindos de uma pequena mercearia de confiança. Também tenho esses receios da sua mãe, tanto que nem deixo que o meu filho os coma. Coisas um bocadinho irracionais, talvez.

    Um beijo cheio de bons dias. Para a Sandra, que está a ler Pedro Paixão:)

    Mar

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