O que se dá a um filho.



Quis que os presentes do meu filho fossem muito frugais. Para que aprenda a simplicidade, a humildade. Para que não se distancie destas palavras elementares. A mãe e o pai quiseram oferecer uma memória e um livro. Foi isso que quisemos dar a um filho que cumpre seis anos. Não os presentes desembrulhados numa pressa febril e antecipadamente enfastiada. Porque nestes dias, são sempre muitos, os presentes. Quis então, garantir que da nossa parte haveria um livro sem embrulho, a valer por si. E uma memória que recupera memórias gratas dos pais. Da infância dos pais do António.
No sábado, foi dia de ver carros. O brinquedo preferido do António. Para que visse os carros em tamanho real. E para que experimentasse o fascínio de olhar um Ferrari F40 ou um Lamborghini Miura. E adivinhar o som dos motores, a ritmo de corrida. Ficou feliz, o meu filho. Gostou do seu presente antecipado. De uma maneira pouco ostensiva, quase silenciosa. Os pés pequeninos a avançar no corredor. A olhar os brinquedos dos homens grandes. Com os olhos grandes. A brilhar.
E o livro que surgiu das mãos dos pais. De manhã cedo. Carta a um filho, de Kipling. Um livro feito de uma carta. Escrita por um pai ao único filho. Que acabou por morrer na Primeira Guerra Mundial. Um escrito comovente. Palavras elementares. Repetidas em forma de pedido. Uma anáfora. Se fores capaz de esperar sem deixar que a espera te canse. Se fores capaz de sonhar, sem deixar que os sonhos te escravizem. Se fores capaz de falar às multidões sem perder a virtude. Se fores capaz de preencher o fugaz minuto, com sessenta segundos vividos plenamente, tua é a Terra e tudo o que nela existe.
Eis o que foi dado ao meu filho. Uma memória que há-de ficar como ressonância de uma tarde de sol, no Museu do Caramulo, a olhar os carros. E as palavras. Que agora serão lidas pela mãe. E mais tarde serão os olhos dele a procurá-las. A juntar as letras hesitantes. Serão hesitantes, quando começar a aprender a ler. A ver se se transformam em palavras determinantes, determinadas. As tais que definem o carácter. As que o hão-de ensinar a preencher minutos fugazes com segundos plenos.  

8 comentários:

  1. ... E então sim, serás um homem! Kipling que me foi repetido ao ouvido pela minha mãe tantas vezes... É isso que se pode e deve dar a um filho. Que vai construir as suas memórias sobre alicerces fortes.
    Parabéns a ti, minha Mar, ao pai e ao António que hoje completa esse número tão redondo. Um número cheio. Um beijo grande aqui do Porto. Babette

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  2. Mar
    Em 13 de fevereiro de 2005, o mundo da Mar...e quem sabe...o MUNDO...transformou-se! Nasceu o António! Nasceu a Mar...Mãe.
    É bom que tenham oferecido ao António o poema "IF". Um lema de vida. O símbolo dos cadetes da Força Aérea Inglesa.
    As palavras de kipling não apresentam caminhos.Encaminham-nos para o desbravar das nossas competências.Caminho árduo, mas se...se...levar-nos-á à plenitude da nossa realização como Homens.É um belíssimo lema de vida para oferecer a um filho que completa seis anos.De certeza,que ele o oferecerá também aos seus filhos. Nós damos o que recebemos.
    Parabéns ao António, à Mãe e ao Pai.Pela vida e pelo que fazem com ela.
    Beijinhos
    Emília Melo
    P

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  3. A minha amiga do Porto. Que surgiu aqui. E que hoje também assinalou um dia especial. Que se tornou dia a assinalar num calendário afectivo, pelo amor que começou a ser construído num dia 13. Um número mal-amado. Sujeito a superstições. Para mim e para ti significa coisas boas, o dia 13 de Fevereiro. Obrigada pelas palavras de manhã cedo. E por estas, à noite, antes de ver terminado o dia.
    E sabia que também para ti, estas palavras evocariam coisas boas. Que as terias ouvido. Que teriam sido repetidas por uma mãe linda e cheia de amor.

    Um beijo da Mar. Que foi mãe há seis anos.

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  4. Emília,

    O meu mundo mudou muito há seis anos atrás. O meu universo alterou-se. Irreversivelmente. E sim, com o meu filho, nasci de novo. De uma forma que não conhecia. Que não sabia.
    Este poema é muito bonito. Um título breve. Pequenino, como o meu filho. "IF". O nosso "se", repetido muitas vezes. Para ficar nos que ouvem um poema. Vou repeti-lo ao meu filho. Para que as palavras se transformem em gestos inteiros. De pessoa que vive inteiro e por inteiro, o tempo de vida que há para viver.
    Obrigada por ter estado aqui. Hoje. Por ter feito parte da celebração em forma de poema.

    Um beijo da mãe Mar. Para a mãe Emília.

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  5. Muitos parabéns ao António, à Mãe Mar e ao pai filósofo. Não imagino melhores presentes do que os que foram oferecidos ao pequenino que só poderá ser um GRANDE HOMEM amanhã. Pelas memórias e nobres valores que os pais lhe incutem. Pelas referências e rituais que (adivinho!) poderão ser passadas de geração em geração.
    Amo este livro. Pelo poema e pelas ilustrações. Sou livreira e no Natal aconselhei-o bastante, com convicção, mas sei que poucos o levaram. Preferiram coisas mais "televisivas" e comerciais. Não discuto gostos, claro, mas fico muito feliz que tenha sido a escolha da Mar. (Não me surpreende). :-)
    Com um beijo alargado à família e votos de uma boa semana.
    Sandra

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  6. Eu sabia que a Sandra vivia no meio de livros. Só podia. Que poético. Sabe que era uma das profissões que queria ter, quando era pequena? Isso e ser arqueóloga e bailarina e jornalista:)E imagino que sim, que haja livros mais "vendáveis". Mas sujeitos à voracidade do tempo. Não este. Este é dos eternos. Que tem dentro palavras que permanecem.
    E espero mesmo que o meu filho aprenda a ritualizar as coisas que vive. Gostava que, a par das outras coisas que hão-de ficar, ficasse esta. A de tentar ser pleno em cada um dos minutos.

    Um beijo para a Sandra que vive no meio de livros:)

    Mar

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  7. Ah, Kipling, cujo primeiro encontro começou renitente e forçado, pela voz de uma professora de Literatura Inglesa pouco à vontade com o papel, mas depois uma paixão, que dura até hoje, acalentada pelos docentes que se seguiram. Felizmente!
    E 'If', um texto único, como única deverá ser esta relação entre pai e filho, cheia e íntegra, caminhando sempre de mãos dadas, até ao doce momento das palavras, you'll be a Man, my son!
    Um dos meus preferidos...

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  8. A ver se sim. If. Se. Se se torna um Homem, o meu filho. Muito lindo, o livro/poema. Palavras que hão-de ficar. Que o hão-de definir como homem. Quero acreditar nisso. E que essa definição lhe chegue também pelos livros.

    Um beijo da Mar.

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