Uma vida. E um livro.

A vida é a de um maiores investidores financeiros de Espanha. E o livro foi o primeiro da editora que criou, dedicada a publicar títulos tão deliciosos como este: "Apologia de lo inútil". E eu sei que numa primeira impressão, esta referência poderá não ter nada a ver com comida ou com o acto de cozinhar. Mas eu acho que tem tudo. Porque há uma diferença entre o gesto básico de nos alimentarmos e o ritual de nos dedicarmos a recriar, a ritualizar o acto de cozinhar. Também uma inutilidade, esse gesto. Uma sopa é uma sopa. Vegetais cozidos, passados ou não. Com mais ou menos sal. Mas se a essa sopa acrescentarmos azeite, cebolinho e umas lascas de queijo parmesão, deixamos de ter uma sopa. Deixámos de ter algo que vai só suprir uma das nossas necessidades mais básicas. Para termos uma memória, uma experiência ou tão só o esforço de reinventarmos e de conjugarmos aquilo que a vida nos dá.
Tudo isto para dizer que este livro se dedica a falar de coisas inúteis. A começar pela Filosofia, passando pela arte, pela literatura, pelo amor, pela felicidade. Achei tão de partilhar, porque parei nestas páginas na Vanity Fair espanhola (ed.de Janeiro) e não resisti a falar deste homem que estuda Filosofia seis horas por semana, que diz que os filósofos são empresários do inútil e que "el verdadero placer son las cosas inútiles de la vida: las cañas, las tapas, la lectura."
O nome dele é Santiago Eguidazu. A editora é Avarigani (que em swahili é a resposta a uma saudação). E o livro é "Apologia de lo inútil".
E esteve um dia de sol tão bonito. Tão luminoso que deu para ir ao jardim e guardar esta imagem. Porque é de guardar, quando encontramos um livro num dia em que o sol surge, depois da chuva. E assim nunca nos esquecemos que todos os dias são possibilidades. Basta não as recusarmos, como dizia a Sophia de Mello Breyner, que tinha pena dos que recusavam a poesia. Do irreversível que há nesse gesto de recusa.

7 comentários:

  1. Mar
    A questão útil/ínútil tem perseguido o Homem ao longo do tempo.Muito se escreve sobre esta oposição. Será que são opostos?O uso que dou ao inútil torna-o útil.Se uma inutilidade me faz feliz ou infeliz, passa a ser útil. Faz-me crescer como ser humano em busca da felicidade!
    Será que os filósofos são empresários do inútil, com diz Eguidazu? Fico-me com uma frase de Espinosa"A Filosofia é o caminho árduo e difícil que pode ser percorrido por todos, se desejarem a liberdade e a felicidade."
    Obrigada por este post. Fez-me pensar como outros anteriores me fizeram procurar,ouvir e gostar de Preisner.Ouvir e inundar a casa com a música dos the XX-intro.
    O blog da Mar é útil porque me faz subir mais um degrau na escada para o sublime!
    Aquele abraço!
    Emília Melo

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  2. Que bom citar Espinosa no meu blogue. O filósofo do meu marido. Os livros de e sobre. Pela casa. Procurados por mim e por ele. Estou consigo, no que escreveu. Sobre o que para nós é útil. E sim, tudo aquilo que nos faz felizes, nos é essencial. Útil, portanto. Desconfio que estudou Filosofia. Ou que gosta muito. Não é comum citar-se Espinosa. Estou certa?
    Obrigada por este comentário precioso.
    E por Preisner. E por The XX. E pela subida ao sublime. Muito belo, o que escreve.

    Um abraço da Mar

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  3. Só estudei Filosifia no Liceu.Sim. Eu sou do tempo dos liceus!Adorava e tive 18 no exame de 7ºano.Mas segui para Filologia Germânica.
    A leitura e reflexão sobre Espinosa foi-me transmitida pelo meu Pai,um auto-didacta.O meu Pai. O meu grande Amigo. Partiu em Junho mas ficou em todos nós.Eu não precisava de falar e ele entendia-me...As palavras que então me dirigia eram um bálsamo para as minhas dúvidas e preocupações. O meu Pai. O meu filósofo a quem nunca nenhum professor ensinou Filosofia.
    Um abraço
    Emília Melo

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  4. Olá, Mar

    Como já reparou hoje estou a colocar em dia as minhas leituras e quando pensei que estava quase a terminar encontrei mais um dos seus textos que conduzem à reflexão.

    A propósito do tema recordo-me de uma pequena história. Quando a minha mãe ainda não conhecia o futuro genro perguntou-me se ele apreciava uma mesa bem arranjada. Na altura contei ao meu marido que ficou chocado com este tipo de preocupações, que não considerava prioritárias. Para ele a futura sogra deveria estar preocupada se ele possuiria ou não outras qualidades. Não com o facto de ele poder apreciar uma mesa bem posta. Claro que eu acho que a minha mãe revelou uma enorme sabedoria em formular esta pergunta, que só gradualmente foi sendo compreendida e contextualizada, mas que nessa altura lhe pareceu inútil. Para a minha mãe este era um aspecto importante. Mesmo hoje, com Alzheimer, mantém essa preocupação e vê utilidade no processo.

    bjs

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  5. Para a Emília Melo:

    Tão belo que a reflexão filosófica tenha sido transmitida por um filósofo tão especial: o Pai. Lamento a sua perda. Mas sabe? É muito precioso que a memória do seu pai tenha permanecido em si pelas palavras de Espinosa. E por tudo o que a isso está associado. Por um filósofo a quem nunca foi ensinada Filosofia. Obrigada por partilhar esta reflexão filosófica sobre os afectos. E sobre a morte de alguém que não desaparece verdadeiramente. Por perdurar em nós.
    Beijo da Mar

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  6. Para a Fa:

    De uma enorme sabedoria e sensibilidade, as palavras da sua mãe. E acho mesmo que as coisas que aparentemente são inúteis, destituídas de grandes objectivos, são as mais belas. E as mais difíceis de fazer quotidianamente. Porque convenhamos: nem sempre é fácil mantermos o grau de encantamento ante as coisas que fazem os nossos dias. Mas também sinto que, à semelhança do que faz a Fa, a Babette, a sua mãe, é tão melhor o esforço de nos devotarmos a uma mesa. A uma refeição. A um ritual. Porque isso ensina a lição maior: a do amor.
    Um beijo para si. E um outro muito especial para a sua mãe. Que fez de si uma pessoa muito bonita. Obrigada pelo que deixou aqui.

    Mar

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  7. Olá,
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