Procura.































A maior parte das vezes, parece que a vida nos faz perder. Coisas. Pessoas. Lugares. Outras não. Parece que as coloca no nosso caminho. Assim. Sem mais. Depois vem a outra parte da equação. Que é fazermos coisas com as coisas. Andava a pensar persistentemente que queria ver azulejos à mesa. Meses nisto. Procurava em antiquários. Em velharias. Nunca era bem aquilo. Estavam estragados a maior parte das vezes. As cores não eram bem como as que imaginava. Ou os desenhos. Deixava cair a ideia. Mesmo depois de insistir, escolhia a abdicação.
Até que aconteceu numa deambulação por Lisboa. Não quis um caminho a que estava habituada e escolhi outro. Isso determinou que acontecessem, os azulejos. Alguém tinha escolhido dedicar-se a uma arte tão nossa. Tão com a nossa luz azul. Num jardim, havia uma banca cheia de azulejos. Reproduções dos azulejos todos que vejo nas casas e que me fazem parar o olhar. Feitos de maneira a poderem ser usados consoante as conveniências mais inusitadas. Como tábuas de queijos, bases para quentes e para copos. Individuais. Ou assim como imaginava. Na mesa. Para contemplação.
Estiveram à mesa. Estarão sob outras formas, de inesgotáveis. Mas estão aqui, depois de tanta procura. Estiveram à mesa do almoço do primeiro dia de Outono. Tanto sol. Tantas, as possibilidades. Com a mesa, a graça de uma gata que só podia ser Gracinha. Uma gracinha só, ela. A brincar com a toalha da mesa, a reinvindicar a minha atenção. Memória deste dia. Desta mesa. Faz parte.
Deixo o contacto do Álvaro, para disseminar a arte dele. À medida das possibilidades modestas deste lugar virtual feito de coisas que são.

Presente no Futuro.
































2030 imaginado, perspectivado, antecipado, projectado. Em Setembro de 2012. As interrogações são abstracções necessariamente. Muitas, as interrogações. Perguntas a serem pretexto para o presente. Num presente com estes números: 14 e 15/09/2012.
Lá fora, as pessoas na rua. A cidade cheia de inquietações à solta. Lá fora, uma luz que só é possível em Setembro. Ali dentro, as mesmas inquietações. Os mesmos medos. Uma profunda humanidade em cada um dos nossos gestos. Uma profunda humanidade no que aconteceu durante dois dias no CCB. Uma profunda humanidade no que aconteceu nas ruas, ontem à tarde. Pessoas a fazer coisas. Pessoas a pensar nas coisas. Pessoas a tentar. Dá para ser de outra maneira? Dará para ser de outra maneira? Independentemente do que estiver ainda por inventar que nos magoe ou que nos faça ter medo do que está por ou para acontecer. Independentemente de tudo o que ainda não foi, as palavras de Tolentino Mendonça, a propósito da imortalidade: "o gesto de abrir a mão e fazer o bem, é infinitamente melhor." Muito, disso. Mais, disso. Isso, em vez de cerrar os punhos e escolher a maldade. Isso, em vez dos "discursos egoístas" de que falou Pacheco Pereira e que nos fazem olhar para cima, para os lados com vontade de polarização, de antítese.
O meu filho esteve comigo. Assistiu a tudo. Esteve comigo num futuro que será mais dele do que meu. Terá 25 anos em 2030. A mesma idade que eu tinha quando ele nasceu. E o presente dele foi tanto. Viajou de comboio pela primeira vez. Atravessou uma cidade em convulsão a dizer adeus às pessoas. Recíprocas, as pessoas. Também a dizer adeus. Experimentou uma felicidade inqualificável a brincar com um repuxo de água, num jardim.
Com as memórias que conseguem ser ditas, o continuar. Passa por coisas tão pequenas e imperceptíveis como esta, o continuar. Fazer uma massa que apazigua. Para um jantar no centro de tudo o que aconteceu em dois dias. Numa casa que me acolhe com um abraço e carinhos no cabelo. O importante era fazer um jantar para podermos estar todos juntos. O importante era arranjar lírios brancos para a mesa. No fundo, acaba tudo por fazer sentido. Disseram que cada um dos nossos gestos é que pode fazer toda a diferença. Disseram que "a vida é dom" e que o vislumbre da imortalidade passará por sentirmos isso como uma verdade interior. E tudo a acontecer. Tantas pessoas nas ruas. A reclamarem o direito de serem entendidas como pessoas. A lembrarem a quem de direito que a história é capaz de não ser bem como a tentam desenhar nos gabinetes fechados.
O tempo é disto. E é agora. O tempo é de estarmos conscientes. De não nos alhearmos e dizermos que estamos "fartos". Alguém se encarregará de pensar e decidir por nós, se assim for. Por isso, sim. Comida e mesas e beleza. O que houver para viver. Sim a isso. Mas não de costas viradas para a restante realidade. Ela está aí. Numa rua qualquer. Num sítio onde nos digam "pára para pensar" e não "para para pensar", segundo a grafia nova que esventra a Língua por decreto. Enquanto isso tudo, as palavras. Os gestos. Tudo o que somos. Tudo multiplicado. A ver se adianta para alguma coisa.
Massa com molho de tomate
1 embalagem de tagliatelle + 8 tomates + 4 dentes de alho + 1 cebola + 1 pimento verde + 10 azeitonas descaroçadas e cortadas em pedaços + 1 colher (de chá) de açúcar + azeite, sal + orégãos + lascas de Parmesão.
Coze-se a massa em água, sal e um fio de azeite. Assim que estiver pronta, passa-se por água fria corrente e reserva-se. Entretanto, leva-se a cebola, os alhos e o pimento ao lume, em azeite. Junta-se os tomates cortados em pedaços e deixa-se cozinhar durante dez minutos. Decorrido este tempo, tempera-se de sal, junta-se o açúcar, as azeitonas e os orégãos. Mais dez minutos ao lume e a massa, no final. Bem envolvida no molho, para ficar bem harmonizada. No momento de servir, mais orégãos e as lascas de Parmesão que cada um quiser no seu prato de massa.  
Espargos verdes feitos pelo Nuno:)
Corta-se os espargos com a mão, no fundo do talo, eliminando-se a parte branca. Numa frigideira sem nada e previamente aquecida, coloca-se os espargos. Quando estiverem ligeiramente tostados (mais ou menos 10 minutos), rega-se com um fio de azeite e tempera-se com sal. E está. Espargos à maneira do meu primo Nuno.

Rua do Alecrim, 99.






























Há endereços assim. Ficam na memória. Dizem-se de memória. Rua do Alecrim, 99. A República das Flores. Sei este caminho há anos. Sei que depois de sair da Basílica dos Mártires, viro à esquerda. Depois disso, sei que o caminho é curto até se ver a placa da rua com nome de flor. Tinha mesmo de ser numa rua com nome de flor, este lugar. Um lugar onde escolher flores com a luz filtrada da noite. E chás. E vidros com cores vindas de perto e de muito longe. Tecidos e cheiros. Azul turquesa misturado com laranja. Verde escuro com azul petróleo. Velas e incensos. A sensação de ali estar um pequeno universo. E sempre o que acontece depois de ir à República das Flores. Sempre mesas com coisas vindas daquele universo que parece que nunca dorme.

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