Verde persistente.















O verde é persistente como tudo. Talvez seja por isso que dizem que é a cor que é esperança. Faz sentido. Uma daquelas coisas que ouvimos e que dizemos como se fosse alfabeto. Podemos não ter a menor ideia dos simbolismos das outras cores, mas do verde, sim. Nunca nos esquecemos. É a cor da esperança e pronto. A cor que rasga a terra e os troncos das árvores. Que escorre pelas pedras feito água. Que ama os elementos e as estações todas. A cor da esperança é assim como a esperança e parece tentar lembrar um dado muito importante: a persistência. Mesmo contra todas as desesperanças e cada um dos nossos invernos impartilháveis. 
Há uns dias ocorreu-me isto, enquanto andava lá fora no jardim. E eu sei que é sem importância e tudo. É como ficar encantada a olhar para os desenhos dos musgos nas pedras das escadas e das paredes. Ou para o verde inequívoco na parede da adega e pensar que aquilo é uma arte qualquer. Ou para a espécie de tapete verde debaixo das árvores que vai mesmo bem com o azul das minhas sapatilhas de faculdade. Coisas sem importância mas que eu acho lindas seja como for. Isso dá-lhes importância suficiente, creio. Semióticas muito particulares. As das coisas que nos dizem coisas. As das cores que nos dizem coisas. 
A receita de hoje é bem especial. São todas, no final de contas. Todas elas respiram vida e o meu entendimento íntimo disto de fazer comida. Mas este puré tem sempre um efeito qualquer. Quem não gosta nada de purés, rende-se à evidência deliciosa deste verde. Quem gosta muito, passa a gostar ainda mais. Quem é indiferente, detém-se nos aromas e nos sabores verdes das ervilhas e da hortelã e do manjericão. E é o puré preferido do meu filho. Enquanto o faço, ronda e sonda, a ver se já pode provar:) Fica bem com tudo, este verde. Nas imagens, surge com umas peças geométricas de uma versão de entremeada com sidra que hei-de deixar aqui por estes dias. E este verde também adora peixes assados e legumes salteados e é tão bonito, que tenho a sensação de que se aguentaria bem sozinho. 
À parte a questão do verde e dos simbolismos e das consequências, é (mais) um acompanhamento com luz própria. Tudo bem que as coisas até podem ser como têm de ser. Mais ou menos (im)previsíveis. Mais ou menos expectáveis. Mas, de cada vez que não nos rendemos à evidência de um acompanhamento indiferente, é como se a fé necessária à esperança fizesse o seu caminho. Em nós. Um caminho em nós e nas coisas que vamos fazendo e vivendo e respirando. Em cada dia, fés pequeninas. A fé de chegar a casa e de constatar que o verde do jardim não desapareceu. A fé da (minha) alegria por fazer comida, no final de cada dia. A fé do encontro marcado com uns lençóis brancos e com as minhas leituras pela(s) noite(s) dentro. Transitórias e efémeras e persistentes. As cores da Primavera da Tatler. As páginas de mais um volume da tal escritora misteriosa, agora terminado. E o sono. E os sonhos todos de que (quase) nunca me recordo. E o dia seguinte. Sempre, a fé no sol e no verde persistente do dia seguinte. 

Puré de ervilhas, manjericão e hortelã

6 batatas (médias) + 2 cebolas (médias) + 200 g de ervilhas (uso congeladas) + 1 colher (de sopa) de manteiga + água, leite, sal, azeite, hortelã e manjericão q.b. 

Corta-se as cebolas em pedaços grosseiros, leva-se ao lume num fio de azeite e deixa-se estar até começar a estalar. A seguir, acrescenta-se as batatas cortadas em cubos. Um pouco de sal, mais azeite e água até cobrir as batatas. Fecha-se a panela e deixa-se estar até cozer. Quando as batatas estiverem cozidas, acrescenta-se as ervilhas e deixa-se estar durante dois minutos. Decorrido este tempo, retira-se a água e passa-se com a varinha mágica, até deixar de haver grumos. A seguir, o manjericão e a hortelã, mais sal (se for necessário) e mais um bocadinho de varinha mágica. Depois, a manteiga e leite aos poucos e mexer até derreter a manteiga e até ficar com a consistência que queremos. Serve-se, salpicado com mais manjericão e mais hortelã, que não faz mal nenhum mais um bocadinho de verde:) 

A música é da banda sonora deste filme. Faz sentido. O Grandes Esperanças de Charles Dickens, interpretado por Alfonso Cuarón está de acordo com o verde. 


12 comentários:

  1. Esperança. O lugar passivo mais auspicioso que existe.
    Onde se dá lugar à nascente da vida e ao poderoso desconhecido.

    Beijo,
    Jo

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    1. Olá Jo,

      Qualquer coisa de passividade, sim. Mas essa espécie de passividade que está pronta para receber. E para aceitar o que quer que o tal poderoso desconhecido traga consigo.

      Um beijo para si.

      Mar

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  2. Olá Mar,

    Gostei deste mantra: verde persistente e verde esperança.

    Por vezes, sem nos darmos conta, ela foge e deixa-nos desamparados. É preciso ser persistente.

    E também gostei muito da receita. Adoro purés e, se considero fácil variar no prato principal, o mesmo já não acontece com o acompanhamento.

    Por isso, será para fazer.

    Um beijo do Algarve

    Sandra Martins

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    1. Olá Sandra,

      Que bom que gostou da receita e do verde-mantra. Com esse espírito de ser para fazer. Também adoro purés. É um dos meus acompanhamentos preferidos. Desde pequena.
      A esperança parece ter essa propriedade inqualificável que parece escapar-se-nos das mãos abertas. Faz parte. Acontece. É aí que entra a tal persistência, creio.

      Um beijo para si.

      Mar

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  3. Gosto muito de verde. De todos os seus sentidos e simbologias. E de roupa verde. Fica bem a ruivas, dizem ;) E de purés verdes com hortelã. Acho que nunca provei a combinação ervilhas + manjericão, mas deve ser saborosa. A experimentar um dia destes.

    Um beijo grande,

    Ilídia

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    1. Olá Ilídia,

      Também eu. Muito. E sim, o verde vai bem com cabelos ruivos. Conheci há uns dias uma escocesa assim: ruiva e a usar um vestido verde. Bem linda.
      O manjericão vai muito bem com ervilhas. A ver se experimentas:)

      Um beijo.

      Mar

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  4. Ohhh que lindo Mar! Alguém com um nome tão bonito como o teu, só poderia sentir, escrever, partilhar, coisas tão bonitas... e não, não são nada insignificantes, também eu, me deslumbro com os verdes, nos campos, no musgo, nas folhas... Deslumbro-me com as pequenas coisas e a natureza é mesmo um deslumbre. Sempre.

    Esse puré, com essa cor tão bonita! tenho que experimentar ;)

    Beijinho grande

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    1. A vida dá-nos tanta matéria para deslumbramento, querida Cláudia. Ainda hoje senti isso de maneiras muito bonitas e muito verdes e com flores:) A Primavera começou outra vez.

      O puré é maravilhoso. A ver se sim, se experimentas fazer.

      Um beijo grande. Obrigada.

      Mar

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  5. Olá Mar,

    Este verde é tão persistente que, tal como tinha dito, já experimentei.

    Para acompanhar uns salmonetes grelhados. Deslumbrante! Sobrou um pouco e serviu para abrilhantar o almoço de ontem.

    Fico à espera da receita da entremeada deste post. Deixou-me curiosa.

    No sábado voltei a fazer os seus bolinhos de limão, mel e canela. Os meus sobrinhos estiveram em minha casa, para fazermos bolinhos e das duas receitas escolhidas, uma foi essa.

    Um beijo do Algarve, já na Primavera

    Sandra Martins

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    1. Olá Sandra,

      Sempre essa atenção carinhosa de voltar para dizer que experimentou e que correu bem. Fico feliz e agradeço. Este puré é especial. E sim, tão bom quando sobra. O verde e a essência não perdem propriedades de um dia para o outro.
      Esta entremeada é deliciosa. Simples, mas de uma elegância muito particular. Faltam uns acertos finais. Já sabe como é o meu espírito: experimentar bem, antes de deixar as receitas:)
      Feliz por esses bolinhos terem estado à mesa para os seus sobrinhos.

      Um beijo de Primavera para si!

      Mar

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  6. Gosto muito do verde tenro da Primavera. Lindas fotos e lindo texto, como sempre. Um beijo deste lugar mais a Norte onde ainda não se vê esse verde luminoso,

    Ana

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    1. Olá Ana,

      Um verde tenro, sim. Boa formulação:) Obrigada, querida Ana. Fico muito feliz por gostar com esse carinho. Há-de haver um verde luminoso para si. Vai ver.

      Um beijo.

      Mar

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