Um pouco mais de gengibre.





Há imenso tempo que tinha a ideia. Sabia que a primeira vez que fizesse chutney teria de ser assim: de manga com gengibre. O meu preferido. Mas sempre comprado. Um frasco com aquela sobriedade inglesa. Delicioso. Mas nunca feito por mim. 
A minha rotina de final de dia obedece a rituais que me são absolutamente preciosos. Um deles é ir fazendo o jantar com intervalos que sabem sempre a queijo da Ilha e a chutney de manga com gengibre. Um copo do vinho que for servido ao jantar de todos os dias. Música. Pôr a mesa. E nada daquela cadência enjoativa  de "domestic goddess". There's no such thing:). Isto para dizer que ter tomado a decisão de fazer este chutney foi uma das melhores decisões que tomei nos últimos tempos. E como eu tomo as decisões erradas tantas vezes:) Esta não. Mesmo certa. Com o melhor dos pretextos: a minha ligação a uma pessoa muito especial que vive nos Açores e que costuma andar por aqui, não obstante o mar e tudo o mais:) A Ilídia. Neste post. E tinha de ser assim. Que a inspiração viesse dela e do blog que alimenta, numa ilha que fica longe daqui, mas perto no que mais interessa. 

Chutney de manga e gengibre

3 mangas (não muito maduras) + 3 maçãs + 1 cebola picada + 300 ml de vinagre de sidra + 200 g de açúcar + 1 colher (de sobremesa) de sal + metade de um pimento amarelo + 2 dentes de alho (esmagados) +1 punhado de sultanas (douradas) + 3 colheres (de chá) de gengibre ralado 

Primeiro, descasca-se as mangas, corta-se em pedaços, salpica-se com o sal e reserva-se. Entretanto, faz-se o mesmo com as maçãs. Depois, num tacho, leva-se tudo junto ao lume durante cerca de 50 minutos (nos primeiros dez minutos, lume forte e brando, no tempo a seguir), mexendo ocasionalmente. As instruções dizem para esperarmos duas semanas até podermos abrir os frascos onde guardamos o chutney, mas eu não consegui esperar. E correu bem na mesma:) 

NB: Este chutney fica delicioso a acompanhar carnes vermelhas, como numa das imagens. E reina absolutamente, associado a queijos. 



"Denial", scones e chocolate (muito) quente.






Tinha de ser. Ainda não tinha acontecido a gripe. Bem previsível, por mais que eu até seja resistente. A questão é que não sou resistente numa perspectiva meramente preventiva. Resisto até ao fim. Em pleno exercício de "denial". Não, não estou doente. São só umas dores de corpo passageiras. Não, a minha voz não está com aquele tom de cama e rouco. Não, não sinto nada uma orquestra sinfónica na minha cabeça, em pleno exercício de afinação. E faço tudo como se nada fosse. E que ninguém se atreva a ter pena ou a querer ajudar mais do que o habitual ou necessário:) Até que acontece ser incontornável e inapelável. Normalmente, esse carácter inapelável e incontornável declina-se no meu pensamento e assim: é urgente cair no sofá, enrolar-me numa manta e esperar que isto vá embora. Sou uma paciente extremamente impaciente. Da única vez que fiquei internada, algures com sete anos, tirei os fios todos dos meus braços e vim passear para os corredores. Até ser apanhada por uma enfermeira, que me gritou o "então, jeitosa?" mais sonoro da minha vida:) 
Agora a questão: como é que eu faço, assim que assumo que é mesmo verdade e que estou com uma clássica gripe? Chocolate (muito) quente. Um reforço infalível. Bebido mesmo antes de ir dormir. E é chocolate no estado mais puro. Nada de especiarias nem de técnicas estranhas que consomem paciência preciosa em tempo de gripe. Só assim: leite quente e três colheres (de sopa) de um bom pó de cacau para chocolate quente (uso Neuhaus e costumo comprá-lo aqui). Nunca junto o leite de imediato. Primeiro só um bocadinho, para mexer como se fosse um creme. Depois sim, o leite até encher uma daquelas canecas de ir connosco para o sofá. Uma revista, uma manta e dois analgésicos hão-de fazer com que tudo passe. 

Os scones das imagens são um bónus. No auge do assumir da minha gripe, o meu filho perguntou se eu podia fazer scones. Ainda hesitei. Mas ele é tão irresistível e eu sou tão do género de tentar contrariar neuras, que a resposta foi um vamos lá:) 

Scones clássicos como as gripes 
(quantidades para cerca de 15 scones)

500 g de farinha + 1 ovo inteiro + 50 g de manteiga + 1 chávena de leite + 4 colheres (de sopa) de açúcar + 1 colher (de chá) de sal

Derrete-se a manteiga. Enquanto isso acontece, coloca-se numa taça a farinha, o açúcar e o sal. Abre-se uma covinha no meio e coloca-se o ovo. Junta-se depois o leite à manteiga já derretida e estas duas coisas à mistura da taça. Amassa-se durante uns cinco minutos, enfarinhando as mãos, se começar a colar. Depois, forma-se bolinhas do tamanho de tangerinas e vai-se colocando num tabuleiro polvilhado com farinha. Vão ao forno a 200 ºc durante cerca de 15 minutos. Dois minutos antes de tirar do forno, pincela-se com um pouco de gema de ovo misturada com um fio de leite. 

A música que me apeteceu ouvir, enquanto isto tudo acontecia. Space Oddity. David Bowie numa perspectiva Smashing Pumpkins. E porque me lembrei dos meus dois versos preferidos desta música. Insistentes, no meio desta gripe persistente. 



Morangos + Gengibre.




Eu adoro morangos. Gosto daquele vermelho. Da maneira ligeira como vão sendo consumidos, ao longo do ano. Quase sempre entre uma coisa e outra. Estão numa taça, no frio. Um. Depois outro. Nunca com açúcar. Detesto sentir os cristais do açúcar associados à doçura exacta dos morangos. Com natas também não. Assim. Simples. Passados por água e basta. No tempo do calor, é aquilo de serem da época. Nas outras estações todas, sabem a qualquer coisa que me é especial. Pelo menos, é assim que eu os entendo. 
E gosto de compota de morangos. Muito. Desde pequena. Talvez por ser muito essencial. Por não ser insuportavelmente doce. Pelo vermelho inequívoco. Não sei dizer bem. 
Fiz esta versão pela primeira vez há uns dias. A tal taça com morangos estava no frigorífico. O jantar era de forno. A mesa já estava com aquelas coisas misturadas de que eu gosto. E eu tinha quarenta minutos livres:) Fiz compota de morangos. Com um toque final de gengibre. Ficou pronta a tempo de ser servida no final do jantar. Associada a um bolo de mel com canela e laranja. Há decisões assim. Momentâneas. Absolutamente circunstanciais. Impulsivas. Ainda bem que sim. Neste caso, deu nisto. Numa compota muito simples, feita em quarenta minutos exactos e que é prazer dentro de um frasco. 

Compota de morangos e gengibre

1 quilo de morangos frescos + 850 g de açúcar + sumo de um limão + 1 colher de sobremesa de gengibre ralado. 

Num tacho, coloca-se os morangos (partidos ao meio), o açúcar e o sumo do limão. Deixa-se estar em lume forte durante os primeiros dez minutos. Depois, reduz-se, na meia hora seguinte. Cerca de dois minutos antes de retirar do lume, acrescenta-se o gengibre. Envolve-se bem, deixa-se estar os tais dois minutos e retira-se do lume. 

NB: Fiz esta compota sempre numa panela de ferro fundido. Não sei se fará diferença, em termos do tempo necessário. Por isso, a minha sugestão é a clássica: o ponto de estrada (num prato, colocar um pouco de doce e fazer uma espécie de estrada, se o caminho ficar bem desenhado, está no ponto:)

E Massive Attack. Trip hop vai bem com morangos e gengibre:) Para além disso, o Verão vai ter a música deles. Aqui. 




15 de Fevereiro, Casa da Ínsua.










Face a um convite, dizemos que sim. Ou que não. Eu disse que sim. Que no dia 15 de Fevereiro podia ir à Casa da Ínsua, sentar-me a uma mesa e ter a possibilidade de comer coisas feitas com Queijo Serra da Estrela. Uma matéria-prima bem difícil. Talvez por isto: parece que se basta. Que pede um bom pão e um bom vinho. Tudo o mais pode ser só ruído. Em alguns casos, sim. Mas há as outras hipóteses. Nomeadamente as que nos surpreendem. Aconteceu assim. E essa surpresa resultou sempre do exercício depurado da simplicidade. Ou seja, os pratos de que mais gostei foram os que, de alguma maneira, não perturbaram o sabor inicial do queijo. Ele estava lá. Inteiro, no seu sabor. Mas associado a outras matérias que lhe serviam de palco. Ou de pedestal. 
Partilho imagens das coisas de que gostei. Do que me soube mesmo bem. Uma truta marinada com Queijo Serra da Estrela, do Chef Vítor Claro. Uma entrada (fabulosamente suave e harmoniosa) do Chef Miguel Laffan. A sobremesa idealizada por Ljubomir Stanisic, a associar o Queijo Serra da Estrela a gelado de goiaba. E um bombom de chocolate preto com interior feito do queijo-rei deste evento, criado pelo Chef da Casa da Ínsua, Paulo Cardoso. 
Gostei do tempo que passei na tal mesa. Com loiça de uma outra marca que é muito nossa: a Vista Alegre. E gostei muito do abraço da imagem final que deixo. Dos Chefs todos juntos, na altura de virem à sala, receber a alegria, os aplausos e as fotografias. Eu gosto desta. Sem os rostos. Gosto dos braços deles a envolverem-se num abraço conjunto, de mangas arregaçadas. Uma má fotografia pode até nem ser tão má quanto isso, afinal. 
Na sequência do almoço, circulei pela quinta, fui ver a queijaria, os campos de cardos e fui à loja da Casa da Ínsua, para trazer o queijo Serra da Estrela produzido ali. Para aqui. A ver se faço coisas a partir deste queijo especial, que determinou um almoço igualmente especial. 

Obrigada à Visabeira. Pelo evento. E pelo convite. 

Fica também uma das músicas que acompanhou a viagem solitária até Penalva do Castelo. 


Rio.







Há alguns anos, estive um mês e meio no Rio. Na altura, nem processei as implicações. Não sabia dos efeitos daquele oxigénio do outro lado do Atlântico. 
O primeiro respirar no Rio. Nunca se esquece, quando um país toma assim conta de nós. Foi o que aconteceu. De repente, a minha onda "grunge" da altura transformou-se em cor exuberante. Os biquinis de cores vibrantes, os panos de praia que circulavam pela cidade, ao ritmo do que apetecesse fazer, os jeans largos conjugados com t-shirts curtinhas e alegres como só ali. As saias muito mini. O tom dourado na pele. As flores no cabelo. 
Amo o espírito carioca. Aquela leveza. O tom despretensioso e franco. A risada. O Português (ainda) mais à solta. Copacabana. Água de côco. O cheiro inesquecível da chuva num dia quente. O imediato do tropical. A mistura. Os sentidos a serem convocados a cada momento. O Rio diz-nos para vivermos. Nem que isso dê cabo de nós. Cidade exclamativa, exuberante, esquizofrénica, densa, tensa, assimétrica, trágica, manifesta, declarativa. Não dá para filtros entre nós e uma cidade assim. Melhor: se houver filtros, o problema está em nós. Não naquela exuberância que nos arrasta para a rua e nos implora que dancemos com ela. 
O padrão desta toalha é um bocadinho do meu Brasil. E quero lá saber da chuva:) 

Apesar de.




´
Pois. A chuva. Incontornável. Há demasiado tempo que é incontornavelmente persistente. A verdade é que, mesmo um espírito solar e optimista, acusa o cansaço. Sempre aquele cinzento. Sempre aquela água a cair do céu. Parece que temos de nos blindar, antes de sairmos dos sítios. Como se fosse uma guerra. 
Eu acho que cada um de nós tem as suas receitas. Infalíveis. Mais ou menos infalíveis. Sujeitas a avaliações periódicas. A adaptações. A questão é que parece que, face a tanta chuva e a tanta persistência, as receitas parecem ficar cansadas. E nós com elas. Ou então, não. Porque é quando tudo é mais cinzento, que é mais importante dar uns twists de cor. E sim, com aquela alegria solar que quer ser invencível:) 
O que é que eu faço, quando chove muito e durante tanto tempo? Gosto (ainda) mais de estar por aqui. E uma casa pode ser o melhor lugar do mundo, em dias em que chove e faz frio. Comida. Uma mesa cheia das cores que faltam à volta. E um vinho que parece ter sido feito para acompanhar esta entrada ligeira. Cheia de coisas que sabem bem. Apesar de todos os "apesar de", há sempre coisas que nos fazem bem. Em todo o caso, a chuva podia ir dar uma volta enorme:) 

Salteado de rebentos de soja com bacon, nozes e coentros

100 g de bacon (cortado em cubos) + metade de um pimento amarelo + 250 g de rebentos de soja (frescos) + sal, azeite, pimenta preta, coentros e molho de soja q.b. + um punhado de nozes

Numa frigideira ou num wok, colocar o bacon, o pimento e um fio de azeite. Deixar saltear durante uns três minutos. Juntar um pouco de molho de soja e deixar evaporar, salteando. Logo a seguir, juntar os rebentos de soja, um pouco de sal e um fio de azeite. Misturar bem e continuar a saltear durante 10 minutos, com a ajuda de duas colheres de pau. Pouco antes de retirar do lume, mais um pouco de molho de soja, os coentros picados e a pimenta preta. No momento de servir, as nozes picadas grosseiramente. 

E claro. Música. Mais persistente do que a chuva, a música. 


Vá lá:)








Até que lhes resisti. Parei um bocadinho, a caminho do que ia fazer. Mas pensei logo que poderia ser só uma nostalgia do que ainda não aconteceu. Se é Inverno, é para viver até ao fim. Nada de andar a tentar inventar Primaveras antes do tempo. E continuei, rumo às tais coisas que eram mesmo para fazer. Pouco antes de vir embora, voltei ao lugar onde elas estavam. E as túlipas vieram comigo. 
A verdade é que já sinto (muito) a nostalgia das flores. O meu jardim está só verde. Eu gosto muito daquele verde-caos e tudo. Mas queria que aparecessem os narcisos e os jacintos. Que as minhas rosas preferidas estivessem cansadas de estar a dormir. Mas a Natureza é que manda. E se é para continuar a chover e céus cinzentos com mau-feitio, seja. O ponto é que na mesa e na casa, a Natureza não manda:) E então, quis que fosse assim. Campestre. Com aquela ligeireza dos dias de sol. Loiça misturada. Os guardanapos de pano com as iniciais gravadas. Madeira. Prata. Cristal. Cerâmica. Porcelana. Ferro fundido e um arroz fumegante a pedido de um filho que adora ervilhas. E uma salada que motiva sempre a mesma pergunta: "o que é que isto tem?" 
Um bocadinho de Primavera dentro de casa. E em mim. Apesar de ter ouvido nas notícias que o céu com mau-feitio é para continuar. Só resta pedir ao céu que deixe de ter mau-feitio. Talvez isto ajude. Flores frescas e uma música que parece um "vá lá" sussurrado. 


AddThis