Umai significa "delicioso".








Creio que toda a gente terá os seus rituais de final de ano. Um processo inevitável. Interior, exterior. A oscilar entre essas duas coisas, no fundo, que o exterior dá sempre sinais do interior. Parece-me decorrer necessariamente do interior, o tal exterior tantas vezes julgado apressadamente.
Por isso, sim. Por estes dias, o meu exterior prepara-se luminosamente para acolher o início de um ano novo. Como acontece com todas as coisas a iniciar, precisamos necessariamente de terminar outras. No que depende de nós e do nosso oxigénio, como é óbvio. Há coisas que entregamos ao vento. E isso também é bom. Não tem nada de mal não controlarmos todas as variáveis.
Há três coisas exteriores que me ajudam a encerrar o ano e que me preparam para o que vem a seguir. Três rituais necessários. Ir ao cabeleireiro pela segunda vez no ano, para dar um corte pequenino ao meu cabelo. Comprar um caderno novo e deixá-lo à espera das primeiras palavras do ano novo. E ir ver as luzinhas de Natal a Lisboa. Lá é diferente. Sempre foi assim. Desde pequena que as luzes de Natal em Lisboa me parecem sempre diferentes das outras todas. Foi assim, este ano. Uma vez mais, as luzes que me encantam. 
E havia uma vontade enorme de comida de climas diferentes. Índia. Goa. Japão. China. Indonésia. Tailândia. Era comida com essa mistura, a que me apetecia em pleno pós-Natal. Fui ao sítio certo. Tão certo, este sítio. A começar pelo início. Fui pedindo coisas tal qual me apeteciam, sem obedecer a nenhum tipo de cerimonial. Comida de rua asiática reinventada em Lisboa. Um chutney de cebola que me ficou na memória como um dos melhores que já comi. O pão naan em pedaços mornos. As tempuras delicadas. Os gyoza, pequenas delícias japonesas que antes disso eram comida chinesa. As massas muito aromáticas com legumes salteados. E sim, também o sushi. Pelas mãos silenciosas de alguém que desde há muito se dedica a esta arquitectura etérea. 
Chama-se Umai, o tal sítio certo para comida destas geografias. Todas muito juntas, numa harmonia que eu adorei viver. Enquanto isso, as luzes de Natal. Enquanto isso, as palavras escritas pelo meu filho, no caderno que faz com que a minha carteira ande sempre um bocadinho mais pesada. Um caderno e uma caneta. Uma objectologia bem especial, a prolongar a ideia de que os nossos objectos são bocadinhos de nós. Dizem-nos aos outros. São nós. 
Faz parte das memórias deste sítio, o caderno dele. As luzes. E o caderno de reservas mais cheio de páginas que já vi. Fiquei a pensar na quantidade de nomes, dentro daquele bloco enorme. A quantidade de vidas, em registos quase diários. Quantas vidas. Quantos nomes. Fica também essa imagem. A desse outro caderno muito cheio de vidas. 
Delicioso mesmo, este lugar. Foi assim que o meu filho escreveu, no caderno. Que tinha "acabado de jantar" e que "estava delicioso". Bom quando a realidade confirma a palavra. Vale por todas as vezes em que não. Em que a realidade não é prolongamento do que é dito ou escrito. 

Fica aqui, perto das luzes de Natal, este sítio delicioso. Este texto, com mais coisas sobre. E esta música. O meu filho adora-a. E eu também. 


7 comentários:

  1. Ps: não sei se recebeu o meu comentário :(

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  2. Profesora, liguei no Natal, aproveitei que fui a Portugal, mas não consegui. Não sei que se passa. Era para dar um beijinho e para dizer que enviei um e-mail com um pedido especial :) e para saber novidades de si. Vejo que continua com a escrita bonita de sempre. Um beijinho da aluna com o cabelo às cores.

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    1. Marta,

      Eu respondi ao teu email. Nunca deixo ninguém sem resposta. Sou incapaz disso. Vou reenviar esse email, então. E não recebi nenhum telefonema teu. Pelo menos, não para o telemóvel. Deves ter ligado para casa, então. Eu saí, logo a seguir ao Natal. Não estava.
      Aquilo que quis dizer-te a propósito desse pedido especial está nesse email. Não é para aqui. Logo vês o que te escrevi e depois falamos.
      Gostei de saber que estás em Londres. Um lugar de acordo com o teu cabelo às cores.

      Um beijo para ti.

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  3. O restaurante vai fechar, lamentavelmente ... era uma delicia de sabores! Adorei quando lá fui.
    Votos de um bom ano da Carlotaentretachos

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    1. Olá Carlota,

      Sim, mas parece-me que vai haver mais comida deliciosa num sítio diferente:) Seja onde for, a comida continuará a ser assim com esta alma, estou certa.

      Um bom ano para ti também. Obrigada por desejares o mesmo.

      Mar

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  4. Gosto disso dos rituais. O teu cabelo que só é cortado duas vezes por ano, o caderninho em branco e as luzes de Lisboa são um encanto de passos a dar no fim de um ano. Curiosamente, os meus são de início de ano. Pé direito, "O" pequeno almoço de Dia de Ano Novo e estrear alguma coisa de novo, são alguns deles.
    Gostei de te imaginar a esvoaçar feliz por entre sabores distantes.
    Babette

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    1. Os rituais são-nos necessários. Podem ser bem pequenos e tudo o mais, mas necessários. A minha cabeleireira é uma querida. Chama-se Isabel e não se chateia por só tratar do meu cabelo duas vezes por ano nem nada. Desta vez, foram catorze minutos. Lavar, cortar e secar muito rápido, sem truques de cabeleireira:)
      E também tenho pequenos rituais de início de ano. Aquelas coisas que parecem querer guiar os nossos passos iniciais num ano a começar.
      Foi assim mesmo, nessa noite: a esvoaçar. Entre luzes e comida exótica.

      Um beijo.

      Mar

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