Domingo.









É estranho estar a escrever sobre um domingo numa terça-feira à noite. Ou talvez não. Talvez haja um sentido para que assim seja. De todos os dias em que gosto muito de estar em casa, os domingos serão, seguramente, os dias em que essa noção é mais certa. Com a serenidade de todas as coisas que sentimos como certas. Serenidade. Uma palavra possível para dizer os meus domingos. O dia em que mais me concedo o tempo para respirar. Para me sentir entre uma coisa e outra. Entre uma semana e outra, no fundo. É muito importante procurarmos situar-nos. Sabermos onde estamos. Onde não queremos estar. E assim, não tenho a mínima vontade de turvar essa noção. Não é dia de sair. Não é dia de compromissos. Não é dia de andar em trânsito ou de entrar em sítios com muita gente. É dia de estar em casa. De reparar em todas as coisas pelas quais passo a correr, nos outros dias. É dia de vestir roupa confortável o dia todo. E é o dia em que mais gosto de fazer comida. A minha comida quotidiana é ainda mais sentida nos domingos. Sem grandes planos ou grandes antecipações. Assim serena, a comida dos domingos. E o vinho. A densidade inicial de um bom vinho é ainda mais vivida. Por estes dias, caixas de um dos meus vinhos preferidos. Não para reservar. Não para guardar à espera de um futuro que pode ou não acontecer. Para beber. Para viver. Por isso, as caixas são todas para abrir e o vinho é para ser bebido e muito bem vivido.
No último domingo, uma das comidas preferidas do meu filho. Como ele adora este tempero. E, como quase todas as coisas de que as crianças gostam muito, tão simples. Não é comida de criança nem nada. Mas como ele fica feliz, sempre que faço isto. Para ele, a minha versão bem aromática de uma carne que é, normalmente, tida como indiferente. 

Lombinhos de porco com molho inglês e cebola vermelha
NB: O tempero é básico e os procedimentos também. Mas o segredo/garantia para que fique bem está na sequência da receita. 

2 lombinhos de porco (médios) + 4 dentes de alho + 2 folhas de louro + 2 colheres (de sobremesa) de massa de pimentão + 4 copos de vinho branco +  4 colheres (de sopa) de molho inglês + sumo de uma laranja + 2 cebolas vermelhas + sal, azeite e coentros q.b. 

Tempera-se a carne. Se possível, com antecedência. Depois de lavados, coloca-se os lombinhos no tabuleiro onde irão ao forno. A seguir, o tal tempero. Primeiro o sal, logo a seguir, o vinho, o sumo de laranja e o molho inglês. Depois, os dentes de alho (esmagados e com um pouco da casca), as folhas de louro (sem a nervura do meio). No fim, "massaja-se" a carne com a massa de pimentão, acrescenta-se um fio de azeite generoso e os coentros picados. Vai ao forno a 200º c durante 40 minutos. A meio do tempo, retira-se e hidrata-se a carne com o molho. Decorridos os 40 minutos, retira-se do forno e fatia-se a carne. Hidrata-se novamente com o molho e acrescenta-se as cebolas, partidas em quartos meio grosseiros e previamente regadas com os sucos do tabuleiro. Vai ao forno durante mais 15 minutos. Fica delicioso com umas batatas de tacho, com o meu arroz de molho inglês e com bróculos cozidos.

E sim, o tal vinho de que gosto (mesmo) muito fica perfeito com esta comida bem temperada. Explicit. O vinho e a minha comida. E eu, também. Que sou do género declarativo, de não andar a contar histórias. Deixo esta referência mais detalhada, para pormenores mais técnicos a propósito de um dos vinhos mais de comer (e mais graduados: 15.5%) que já bebi. Por isso é que precisa de ser associado a comida que o mereça. Como esta que fica hoje. 

A música é sincopada. Como se fosse um coração a bater. Broods. 


17 comentários:

  1. Olá Mar,

    Eu gosto da noção libertadora da sexta - feira. Mas sim, tempo de serenidade é ao domingo.

    Entro em "modo semana" um bocadinho para dar atenção a algumas tarefas e assim evitar o caos na segunda - feira, embora considere que isso faz parte das possibilidades que o domingo encerra.

    Depois tenho mais tempo para cozinhar e para poder desfrutar, da comida, da casa e da companhia do meu marido.

    E o domingo também é dia de pôr a leitura em dia. Para mim é muito importante este pormenor.

    Mais uma vez e correndo o risco de me repetir, concordo totalmente com a ideia de viver o momento.

    No sábado fomos ao cinema ver o filme "O Juiz". O personagem principal sofre de cancro, em fase terminal.

    Há uma cena em que pai e filho abrem uma garrafa de whisky, muito antiga. Precisamente porque o tempo está a acabar.

    Isto para reforçar a ideia de que adiar quando pudemos viver só leva a tempo perdido porque não podemos voltar atrás.

    Quanto à receita, parece-me muito bem e já está anotada.

    Um beijo do Algarve e votos de uma boa semana,

    Sandra Martins

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    1. Olá Sandra,

      A sexta-feira é-me muito, por motivos que prefiro guardar e que têm que ver com o meu filho. A sobriedade e a contenção no discurso maternal são-me fundamentais.

      O domingo tem qualquer coisa. O meu marido costumava odiar. Eram não-dias. Mas isso era antes de eu andar por aqui, diz ele:)

      Se pensar, não escapamos ao momento. Podemos é viver mal, a nivelar por baixo, sem rasgo, sem alma, presos a coisas que não fazem sentido. O que é uma lástima. Por motivos que não interessa estar a desenvolver aqui, aprendi que, na dúvida, é melhor beber o tal vinho, fazer a tal comida e ser feliz:) É o que eu penso e é assim que procuro viver.

      A receita dá vontade de viver bem o momento. Tempero aprovado pelo meu filho:)

      Um beijo para si. Estou a viver a semana com o que ela está a ter de bom e de mau. Como todos nós. Espero que a sua esteja a ter mais coisas boas do que más. E obrigada pelo seu comentário.

      Mar

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  2. Podíamos dividir as pessoas em dois grupos: as que acham impensável passar um domingo em casa (e em frente ao fogão, então nem sonhar!) e aquelas para quem o domingo é sinónimo de casa, de conforto, de serenidade.
    Já anotei a receita pois, apesar de não comer carne de porco, os meus homens adoram.
    Bjs
    Ana

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    1. Olá Ana:

      Creio que sim, que dava para essa aritmética:) Seja como for, gosto sempre de pensar que a felicidade tem muitas declinações. A minha é esta. Adoro cada minuto dos meus domingos e agradeço interiormente poder fazer a minha comida em paz e os carinhos que recebo. A reciprocidade também tem muitas declinações.
      Que lhes saiba bem, então. Obrigada pelo seu comentário.

      Um beijo.

      Mar

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  3. Hoje ocorreu-me a palavra certa para descrever os domingos: são casulos. Gosto do recolhimento do domingo, de comida saborosa e roupa confortável. O meu molho inglês vai ser usado em breve numa receita assim, tenho a certeza ;)
    Beijo
    Babette
    PS. Obrigada por há pouco ;)

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    1. Uma palavra possível, essa. A quietude dos domingos tem uma cadência muito particular. Gosto de os respirar. Dos meus rituais com o Vasco. De como gosta da comida. Coisas assim.

      Fico feliz por teres acrescentado esse tempero aos teus temperos. E nada a agradecer. Depois desse "há pouco" que foi ontem, fiz a segunda revisão nos testes de uma turma e nem pude vir aqui, como é hábito.

      Um beijo.

      Mar

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  4. Cheguei aqui através do blog "Panelas sem depressão" e gostei muito das receitas e das reflexões.
    Também vivo o Domingo como "a pausa" da semana!
    Um abraço,
    Ana

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    1. Olá Ana,

      Ter chegado aqui através da Guida é muito lindo. Obrigada por ter gostado. Fico feliz.

      E sim, os domingos são assim. Têm esse efeito-pausa. Ainda bem que existem.

      Um abraço para si. Obrigada pelo seu comentário.

      Mar

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  5. Querida Mar,
    como não lhe chamar de querida se tudo o que tem entrado na minha vida através de si, têm sido momentos tão queridos partilhados com os que mais amo. A sua escrita inspiradora e os seus cozinhados com amor têm sido tão importantes para mim. Obrigada por ter este espaço maravilhoso. Obrigada por me inspirar e mudar a maneira como cozinho. Passar por aqui é muito bom.

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    1. Querida leitora sem nome,

      Há dias assim. Deixou este comentário numa altura particularmente difícil. Ou em mais uma das estações difíceis da minha vida. E isso significa que li as suas palavras e que me permiti um bocadinho de alegria. A par disso, umas quantas lágrimas de comoção. Talvez haja um sentido oculto para tudo o que me tem acontecido. Talvez.
      Obrigada. Salvífico, o seu gesto. E sim, mesmo que não consiga pensar muito bem da minha escrita e que nunca mais tenha conseguido escrever noutro registo que não este, o facto de fazer a minha comida com esse amor, salva.
      Que este lugar continue a merecer essas palavras. Obrigada mais uma vez.

      Mar

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  6. Olá Mar,

    Vim para dizer que fiz a canja.

    Como as coisas simples podem ser tão reconfortantes!

    Muito obrigada.

    Um beijo do Algarve e votos de um fim - de - semana com os momentos muito bem aproveitados.

    Eu vou tentar fazer o mesmo nestes dias de férias.

    Sandra Martins

    PS - Obrigada também pela sua resposta aí em cima. Havemos um dia de falar acerca dessas coisas que não pertencem aqui.

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    1. Olá Sandra,

      Agradeço esse carinho. E a verbalização aqui. Essa canja é mesmo assim: simples e reconfortante. Como um afago. Fico feliz que tenha gostado.

      Dias bons para si. Descanso e coisas belas, nessas férias.

      Nada a agradecer. E eu sei que tenho outro email seu. Vi há pouco. Responderei com o tempo que ele merece. Desculpe, que de vez em quando a caixa de entrada dos meus emails dá vontade de entrar em negação e fugir, dadas as outras dimensões silenciosas da minha vida. Mas tudo se faz.

      Um beijo de bom fim-de-semana.

      Mar

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  7. Para mim, os domingos também significam casa e conforto. Embora hoje esse recolhimento não tenha sido possível. Tivemos uma festa de aniversário e chegámos há pouco. Mas agora estamos a aproveitar o resto do fim de semana no sofá :)
    Muito lindas as tuas fotografias do teu/ vosso conforto. E muito apetecíveis, os lombinhos de porco. O António tem bom gosto :)

    Uma boa semana,

    Ilídia

    PS: Acho que nunca bebi vinho com 15,5 % :)

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    1. Olá Ilídia,

      Dias de dar espaço ao nosso espaço, no fundo. Sempre que possível, é claro. Mas costumo "defender" bastante os meus/nossos domingos, em todo o caso.
      A comida tem um efeito tónico. Enquanto a faço. E depois. Pela alegria deles, temperada com a minha. Ontem foi especialmente lindo. E o Vasco nem conseguia dizer-me bem porquê. Deu-me um beijo quente, enquanto eu fazia o jantar e disse "obrigado". Não é preciso muito. Nunca foi.

      Uma boa semana para ti também.

      Mar

      PS: Prova este. Não se sente essa graduação. É estranhamente suave.

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  8. Só para dizer que a receita foi aprovadíssima, como aliás todas as que daqui vão! Obrigada pela inspiração.

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    1. Olá Maria,

      Obrigada. Fico bem feliz. Espero merecer sempre essas palavras. Que as receitas corram sempre bem, então.

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  9. Olá Mar,

    Chamo-me Frederico e sou, junto com os meus irmãos Jorge e Vasco, o produtor do EXPLICIT.
    Agradam-me muito as suas palavras sobre o nosso vinho e enchem-me de orgulho.
    Não fazemos este vinho para agradar a toda a gente mas sim para proporcionar, a alguns, momentos como o que descreve.
    Tentamos que as uvas, trabalho, suor e amor colocados na elaboração do nosso vinho transpareçam no copo e que o consumidor perceba isso. Por isso chamamos-lhe EXPLICIT.
    Muito obrigado,
    Frederico.

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