Era um lugar de má-fama. Por causa dos prédios a degradar-se. Das lojas que pareciam ter deixado de fazer sentido, num mundo de passos acelerados em ambientes climatizados. Mercearias onde restava o cotovelo do dono, sozinho e apoiado no balcão, a olhar a rua vazia. Às vezes, quando uma rua perde umas vidas, ganha outras. Uma das consequências. E as outras vidas que a tomam, afastam outras existências. O medo é uma coisa terrível. Em todas as suas ocorrências e manifestações. Depois, vieram os artistas. Os artistas são como as pessoas que acreditam em Deus: não têm medo.
A Rua Miguel Bombarda, no Porto, é uma cidade dentro de outra cidade. Ou um mundo. Um universo. Há de tudo. De tudo. Galerias de arte contemporânea. Manifestações (i)legíveis de pensamentos à solta. Uma frutaria ao lado de uma loja de móveis nórdicos. Antiguidades vs velharias. Um jardim interior cheio de bonsais e água corrente. Uma banca de bolas de Berlim em frente a uma loja de roupa étnica. Papéis delicados ao virar de uma esquina. Gente de esquerda. Gente de direita. Gente que está ao meio. Gente que não quer estar em lugar nenhum que possa servir de etiqueta ou de gaveta.
Do que eu gosto mais é da ideia de me perder. De me distrair e de não reparar que o tempo vai andando, ao ritmo dos passos que páram a cada porta. Há sempre qualquer coisa. Uma boneca bailarina. Uma caixa de música. Um vestido-quimono. Flores frescas. Figos numa caixa. Copos de limonada.
Arte. Muita. Do género de se gostar muito. Do género de não se gostar nada. Emergente e consagrada. De rua ou de olhar ao ritmo de champanhe. Acho piada às conversas soltas. Sobre coisas que, a maior parte das vezes, não vejo nem sinto. Gosto do (meu) silêncio. Gosto quando um quadro me faz parar. De ficar quieta. De olhar sem tentar perceber porquê. Sinto as cores e as formas como se fossem música. Dizem os entendidos que esse é o melhor dos critérios. Gostar. Com paixão. Com as cores que trazemos em nós. Acho que sou capaz disso, mesmo que não saiba dizer porquê. Como no amor, talvez. É uma coisa de não se saber porquê, também.
Neste mundo feito bairro, um lugar onde parar. A Pensão Favorita. Comida sem complicações. Um jardim fechado sobre si mesmo, mas com o céu todo por nossa conta. Um chão de que gostei muito. Móveis de avó dos anos 50, misturados com móveis dos filhos dos anos 70. E aquele toque de narrativa. A palavra "pensão" tem tantas ressonâncias. Pode ser respeitável, de fazer pensar em gente em regime de pensão completa, quase de família. Ou pode ser uma palavra clandestina, de amantes sôfregos de hora de almoço roubada ao tempo respeitável e público. E eu acho lindas e grandes e poéticas as duas coisas: as pessoas respeitáveis e as outras, que parece que fazem tudo mal.
E vontade de Hard Club. Uma história outra, a do Hard Club. Mais música. E um vídeo inesquecível. Banda sonora da rua onde há sempre qualquer coisa.