...because cruelty is always possible later.










































 Uma inscrição recuperada. A verdadeira está gravada em pedra, nos jardins da casa da Peggy Guggenheim, em Veneza. Ela lá saberia por que é que mandou gravar esta frase num banco de jardim. Deviam ser sulcos na pele de cada um de nós, estas palavras. Para não nos esquecermos daquelas coisas. A bondade. A ternura. A generosidade. É que o difícil é sermos bons. Fácil é o contrário. E como o mais provável é a crueldade, o mais possível de ternura e de bondade. É que o mundo carece da ingenuidade de acreditarmos em duas palavras tão brancas.
Na mesa da ternura e da bondade, uma salada que faço sempre nos dias que aquecem o mundo. Esta:
Salada (muito) de Verão
Tomate coração-de-boi + fatias de papaia + orégãos + lascas de Parmesão + flor-de-sal, azeite e vinagre de vinho branco q.b.
A sequência deve ser esta: tomate cortado e um pouco de flor-de-sal. Depois, a papaia em cubos e os orégãos. Nesta altura, tempera-se com o azeite e o vinagre. No fim, as lascas de Parmesão.
NB: Pode ser temperada com uma meia hora de antecedência e guardar-se no frio, para estar naquele ponto muito de Verão:)
Com a mesa e a salada muito de Verão, um exército de sete nações feito música.


Coisas do sol e do mar.























Nas horas em que o sol é mais impiedoso, não dá. Sombra. Uma cama fresca e branca a ser uma imagem possível para a felicidade. Um livro. Nunca é mais do que um. Escolhido antes de sair. Por saber que há sempre livros com a data dos dias de Lagos no interior. A poesia improvável nas páginas de uma revista. Histórias de criança. E quando o sol acalma um bocadinho, é tempo de água. E de sol que não queima. Que só deixa um rasto dourado no cabelo. Na pele.
O sol e o mar ensinam a frugalidade. Ensinam que não se deve acumular muitas coisas. Que o mais importante pode muito bem caber num cesto. Que aquilo que nos cobre o corpo pode ser o estritamente necessário. Um registo solar. E frugal. Como os finais de refeição destes dias. Sem grandes elaborações. Lascas de Parmesão, um fio de mel de rosmaninho. Bolo de cenoura, se assim quisermos. E café quente, servido numa tigela de cerâmica. Curioso. Cansamo-nos tanto à procura do muito, do maior, do melhor. E acontecer assim. Ser aparentemente tão pouco, o necessário para uma existência interior sem inquietação. Todos os dias deviam ser dias de Verão em Lagos. Se assim fosse, podia chover e nevar o que a Natureza quisesse. Por dentro, seria sempre um dia de Verão em Lagos. Por dentro, esta música.

Mesa com vista.






























Como o azul lá de fora é tanto e tão solar, parece que as mesas que o avistam não precisam de muito. Uma manta marroquina, flores em tons ocre dentro de copos de iogurte, velas à noite e cerâmica algarvia. E aquele azul. Sempre ali. Enquanto se faz a comida. Enquanto se põe mais uma mesa. Dois azuis. Um à distância de um chamamento a dizer que é para vir para a mesa. E o outro. Imenso. À espera.
Nesta evocação, estarão sempre as pessoas de uma destas noites prolongadas. Eles os dois na água. Os rituais silenciosos daqui. O cheiro do tomilho a marcar os lugares à mesa. A comida. A música.

Salada de beldroegas, endívias e amêndoas
Coloca-se as beldroegas numa taça, depois as endívias (cortadas ao meio) e no fim, amêndoas torradas com sal. Tempera-se com flor-de-sal, azeite e vinagre. 
Massinhas com corvina e camarão
1 cebola (média) + 1 dente de alho esmagado + 1 tomate maduro + 1 chávena de cotovelinhos + 2 postas de corvina + 10 camarões + azeite, sal e coentros q,b.
Faz-se um refogado com a cebola e o alho, num pouco de azeite. Depois de a cebola ficar translúcida, acrescenta-se o tomate. Mexe-se e deixa-se estar uns dois minutos. Acrescenta-se um pouco de água e coloca-se as postas de corvina. Cozinha-se de um lado e do outro (dois minutos para cada), retira-se do tacho e reserva-se (depois de se eliminar as espinhas). Acrescenta-se ao refogado umas três chávenas de água. tempera-se com sal e deixa-se ferver. Depois, junta-se a massa e coze durante uns 7 minutos. A meio da cozedura da massa, acrescenta-se os camarões e mais água, se for preciso. Bem perto de servir, o peixe, os coentros e mais sal, se necessário. Serve-se de imediato e num prato fundo.

Profusão.























Tomilho. Hortelã. Orégãos. Coentros. Poejos. Quando as palavras podem ser inícios, pontos de partida. Por serem coisas. As palavras são sempre coisas. Tangíveis. Ou nem por isso. E podem ser assim. Dizê-las é sentir-lhes o aroma. O sabor. Antes e depois de as vivermos. Aqui perto do mar tem sido assim. Uma profusão quieta. Silenciosa. Ficam as receitas para as imagens.
Cenouras algarvias (sem cominhos)
2 cenouras médias + flor-de-sal, azeite, vinagre e tomilho q.b.
Com um descascador de legumes, corta-se as cenouras em fitas. Coze-se durante três minutos em água (que já deve estar a ferver). Retira-se, escorre-se e passa-se por água fria. Depois, tempera-se a gosto, com os outros ingredientes.
NB: A receita original destas cenouras não tem tomilho. Eu é que não suporto o sabor dos cominhos:)
Risotto de abóbora com tomilho
A receita é esta. Substitui-se a pimenta preta por tomilho.
Tomate-cereja com uvas brancas e lascas de Parmesão
Corta-se os tomates-cereja ao meio e coloca-se num prato largo. Faz-se o mesmo com as uvas. Depois, as lascas de Parmesão e os orégãos. No final, flor-de-sal, azeite e vinagre.
Arroz avinagrado de coentros e orégãos
1 cebola pequena + 1 dente de alho (esmagado) + 1 tomate maduro + 1 chávena de arroz carolino + água + azeite, sal, vinagre, coentros e orégãos q.b.
Faz-se um refogado com a cebola, o alho e o azeite. Quando a cebola ficar translúcida, acrescenta-se o tomate (cortado em pedaços e sem a casca). Deixa-se cozinhar, juntando-se água aos poucos. Entretanto, acrescenta-se três chávenas de água. Tempera-se com sal e tapa-se, até ferver. Depois, o arroz. Quando estiver quase cozido, junta-se os coentros, os orégãos e o vinagre. A medida deste último fica ao critério de cada um. Acrescenta-se mais água e sal, se necessário e serve-se bem caldoso.
Creme de beterraba, tomate e hortelã 
1 cebola + 1 courgette + 1 batata + 1 beterraba (média) + 1 tomate coração-de-boi + sal, azeite e hortelã q.b.
Primeiro, a cebola e o azeite. Depois, o tomate (sem a casca e cortado em cubos). Um refogado muito leve. Acrescenta-se depois a courgette, a batata e a beterraba. E água, até cobrir os legumes. Tempera-se com sal e deixa-se cozer. Passa-se, até ser creme. No momento de servir, acrescenta-se a hortelã. E mais coisas. Camarão (se for servida fria, fica delicioso). Ou um queijo de pasta dura.

Todas as coisas impossíveis.








Nos últimos dias, pensa-se mais nas coisas impossíveis. Nas coisas que foram sendo impossíveis, à medida que vamos vendo que não adianta ou que não importa ou que não porque não. Se calhar, as coisas impossíveis são aquelas em que deixamos de acreditar. Deve ser por aí. Aquelas que deixamos cair, depois de tentar muito. O processo de deixar cair, deixar ir, deixar morrer, é sempre um processo de perda. Nunca se ganha, quando é assim. Só fica para trás o que dedicámos. Bem que a música diz para termos cuidado com o que damos.
Imagens com dias cheios de papéis e um carinho especial por alguns erros alimentares:), no meu último dia de trabalho. Horas em frente a um computador dão nisto, ocasionalmente. E o olhar concentrado em documentos sem metafísica, também. Mas é curioso pensar nos sentidos maiores das palavras que vivem em objectos quotidianos. Essa ideia do "todos os dias" faz com que nem olhemos. Hoje olhei. Sabe-se lá porquê. Para a palavra delete. Até que era bom. Um delete e estava. Não havia sinal de nada do que esteve/está  errado em nós. No universo próximo, distante. Depois, fazia-se um enter. A partir daí, era só uma seta a apontar para a utopia de um dia lá para a frente. As ressonâncias poéticas de um teclado quotidiano e sem metafísica:)
Para assinalar, uma daquelas comidas que sabe pela vida, no fim de dias que nos cansam. Um refogado de legumes. Para ser feito ao ritmo do que houver ou do que nos apetecer. Com arroz branco. E um ovo escalfado, se assim entendermos. Tudo a ser uma espécie de recompensa por se sobreviver à vida. E cortar vegetais tem um quê de terapia. Quando é preciso pensar nas coisas impossíveis que achámos possíveis, este exercício ajuda a pensar que há coisas piores. Que o difícil é sempre tão relativo e diverso. E depois, o fundamental é mesmo conservarmos alguma da nossa ingenuidade, como caminhar com cuidado para não pisarmos margaridas espontâneas. Enquanto for assim, vai correr tudo bem. E que triunfe a parte das margaridas espontâneas:)  

Refogado de legumes com ovos escalfados

1 cebola + 2 dentes de alho + 2 courgettes + 2 cenouras + 1 pimento vermelho + 200 g de rebentos de soja + 150 g de bacon + 1 tomate + 1 colher (de sobremesa) de Maizena Express + ovos, azeite, sal, vinagre de sidra, coentros e pimenta preta q.b.

Começa-se por cortar as courgettes, as cenouras, o bacon e o pimento em cubos pequenos. Reserva-se. Entretanto, leva-se ao lume a cebola e os dentes de alho picados, num pouco de azeite. Deixa-se, até que a cebola fique translúcida. Acrescenta-se depois o bacon e o pimento e deixa-se estar durante um minuto. Depois, o tomate, as cenouras, as courgettes e os rebentos de soja. Tempera-se com um pouco de sal, mais azeite, vinagre de sidra e coentros. Acrescenta-se um pouco de água, fecha-se e deixa-se refogar durante cerca de 15 minutos. Para espessar um bocadinho o molho, junta-se a colher de Maizena e mexe-se. Pouco antes de retirar do lume, acrescenta-se os ovos e deixa-se durante cerca de 3/4 minutos. Serve-se com arroz branco. Como nas imagens. Quando está no prato, polvilha-se com pimenta preta.

 E mais música. Com uma expressão linda a servir de título. Algures pelos três minutos, dá para um "dance yourself clean" explosivo. Banda sonora de uma interrupção breve. Para mar. Até ao regresso, então.

Enquanto não.


















Vontade de azul dá nisto. Em coisas azuis por todo o lado. Mais uns dias, até haver mar. Em todo o caso, o precioso do que se vive enquanto não. Como mais uma mesa. Ou a luz recortada de uma lanterna. Até ser mesmo noite. Com as saudades do azul do sul, saudades dos sabores. Muitas. Por isso, batatas algarvias. Feitas de acordo com a minha memória sensorial e as instruções de uma algarvia. E estes espargos. Tudo a acontecer. Enquanto não. Enquanto não, mais música. Banda sonora para uma interrogação com um quê de eterno retorno. "Are you mine?" Claro que não. As pessoas não são de outras pessoas. Pertencem-se e pronto. O resto é música e muita conversa:) 

Batatas algarvias

5 batatas médias + 2/3 dentes de alho (esmagados) + azeite, sal, vinagre de sidra, coentros, orégãos e pimentão doce q.b. + um pouco da água de cozer as batatas. 


Corta-se as batatas em cubos. Cozem-se em água e um pouco de sal. Quando estiverem cozidas, devem ser retiradas, reservando-se um pouco da água numa chávena. Numa frigideira, coloca-se os alhos esmagados e um pouco de azeite. Deixa-se um bocadinho e junta-se as batatas. Mais azeite, vinagre e um pouco de sal. Envolve-se e polvilha-se com pimentão doce. Depois, os coentros picados e orégãos. Envolve-se outra vez e junta-se um bocadinho da água de cozer as batatas. No fim, mais uma dose generosa de azeite e um bocadinho de vinagre. Ficam prontas bem rápido. E acompanham aquilo que nós quisermos.


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