Vanitas.






Bom mantê-la perto. Digo, a ideia dela. Da finitude. Da mortalidade. Da palavra que custa dizer. Ou pensar. O detalhe estará numa coisa muito elementar. Tudo aquilo que é nomeado, dito, identificado, é passível de ser integrado. E a vida com coisas integradas depois de pensadas, é uma vida que vale sempre a pena ser levada. Seja lá até onde for. O confronto. Ainda que custe muito. Ainda que doa. Acaba por determinar em grande parte a ética quotidiana de que vou deixando rasto. Aqui. E em outros registos mais ou menos silenciosos. A noção de que há um lugar para onde todos caminhamos é estranhamente libertadora. Por um lado, porque há nessa libertação uma componente de aceitação. Por outro, porque nos interpela ao mesmo tempo que nos diz para aceitarmos. Uma convocatória tácita. Podemos ignorá-la, fingir que não é nada connosco. Ou então, não. Há algum tempo que escolhi o segundo "ou". Por todos os "ses" que consigo conceber ou antecipar. E por saber que cada representação do belo e do bom invoca aquilo de nós que não quer morrer. Apesar de sabermos que sim o tempo todo.
A mesa que fica hoje traz a abstracção para a mesa. A grande questão acaba por ser mesmo a da Morte. Tudo o mais são maneiras que vamos inventando para nos aproximarmos de tudo o que nos pareça vagamente imortal. Como a beleza de uns sapatos. Ou a fragilidade de um corpo a extinguir-se. A ser capa de um livro que é sobre isso mesmo. Aquilo que de nós se extingue. Aquilo que de nós permanecerá. Vanitas. Foi essa a designação para a mesa. O nome para a representação inequívoca do mais inequívoco dos conceitos.


Partilho um texto que será, seguramente, um dos mais partilhados. A propósito da vida e da morte. Do amor e das perdas. Um dos muitos textos certos. Do género de dar dimensões certas às coisas mais incertas de todas.

http://news.stanford.edu/news/2005/june15/jobs-061505.html

Fundação.









É assim como um refúgio. A Fundação. Um lugar que vale por si, enquanto edificação. No que isso tem de material, mas também de imaterial. A arquitectura sóbria e quente, quase orgânica. Os jardins. As exposições. A música que há ali. As conferências. As edições que dificilmente aconteceriam. E tudo o que acontece. Na Fundação Calouste Gulbenkian.
Por estes dias, uma exposição sobre o mar. Uma outra a propósito do imaginário labiríntico de Alice, tomando como referência a hora do chá. E as conferências dos dias 15 e 16 deste mês. Dedicadas a Eduardo Prado Coelho. Há pessoas que desaparecem e não há meio de preencher o lugar que deixam. Vazio. O quotidiano era um lugar melhor, depois de o ler.
Para lembrar, então. O homem que foi "o melhor de nós", segundo Eduardo Lourenço. E este lugar/oásis. A que se volta com vontade de reiteração que se reinventa. Nunca se entra ali da mesma maneira. Nunca se sai igual, também. Trazemos sempre qualquer coisa que não havia antes. Sempre qualquer coisa que não havia.

Todos os dias.




































A pergunta dele foi assim: "Por que é que as tuas mesas são assim todos os dias?". A resposta foi sem pensar muito: "Porque a mãe acha que a vida é especial todos os dias." O meu filho a querer saber o que move numa coisa tão pequena. Mas tanto. Nisso de querer saber. Nisso do tanto que pode haver numa coisa pequena como pôr uma mesa.
É assim como na resposta imediata. É tão especial, a vida. Todos os dias. A vida de todos os dias é tanto. Como quando explico aos meus alunos por que é que a sala de aula onde estão terá de ser o melhor dos lugares onde poderiam estar. Porque é ali. É naquele momento. E nunca mais vai ser o dia 07 de Novembro de 2012. E nunca foi. Tanto, isso. Como as mesas das imagens. Mesas de dias que não tiveram outro acontecimento significativo que não o de terem acontecido nos dias em que aconteceram. Consigo lembrar-me bem, ao olhá-los em forma de mesa. Os individuais com coisas escritas e desenhadas por mim e pelo meu filho. Os frutos que são tanto do Outono. As luzes breves e perfumadas das velas. O vinho tinto a libertar os aromas da terra de onde veio. O espumante rosado que celebrou aquele dia irrepetível que não era dia de celebração de calendário. Flores numa salada verde com maçãs. O dourado de uma taça como se fosse um sol que se pudesse trazer para a mesa. Uma enumeração emocional. Para não me esquecer. Muito provavelmente, aquilo que ficará de mim, passará por enumerações destas. Não se adivinha nada de grande ou de significativo. Só este tanto. Só este muito. Todos os dias a serem tanto e muito. Todos os dias. Ainda aqui. E o enorme que é isso de ainda estar aqui.

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