Ouvi dizer.



Ouvi dizer que é amanhã que vai chover. Gostava que sim. Muito. Qualquer coisa de queimar etapas, no Inverno que não houve. E saber que nem que chova muito a partir de amanhã, nunca será mesmo Inverno. Por estar tudo trocado. Porque isso do Inverno devia ter sido em Dezembro. E em Janeiro. E no mês que chega hoje ao fim. Ainda assim, queria muito que fosse verdade. E que chovesse amanhã. Enquanto se espera pela chuva, uma sopa daquelas que faz sonhar mais com a possibilidade de água na terra. Que está seca há demasiado tempo. A precisar muito de chuva. A ver se sim.

Creme de feijão manteiga

1 cebola + 2 courgettes médias + 1 batata + 200 g de feijão manteiga (pode ser em lata) + sal, azeite e salsa q.b.

Um refogado breve com a cebola e o azeite. Depois disso, as courgettes (sem a casca) e a batata. Água até cobrir. E logo a seguir, o feijão. Um pouco de sal. E fecha-se a tampa da panela, até ferver. Reduz-se o fogo, assim que sim. Passados vinte minutos, o tal creme. Creme mesmo. Sem nada de irregularidades. Antes de desligar, ver se é preciso mais sal e mais azeite. No momento de servir, salsa picada.

E está, o creme que pede chuva. Não há povos que dançam por chuva? E outras coisas? Eu peço água com uma sopa que gostava que chovesse amanhã. Que não fosse só uma coisa de ouvir dizer.

Uma questão de tempo.




























Seria isto. Seria risotto. Se tivesse de pensar rápido na última coisa de todas, seria risotto. Podia ser como o da imagem. E queria pedir para que fosse feito por mim. Não é por presunção. Não por achar que o faço como ninguém. Não é nada disso. É só por ser tão belo de fazer. É só por isso. Só porque há uma entrega diferente das outras todas. E um quase amor nos pormenores. Quase a sermos um rosto possível de uma coisa desconhecida. E bela. Começa pela escolha dos legumes. Continua no ritual de os partir com devoção. E depois juntar as cores todas que inventámos. Com isso, os grãos de arroz. Vinho branco para aquela efervescência que é como nenhuma outra. E tempo com cuidado. Tempo com atenção. É uma questão de tempo, no fundo. Cerca de vinte e dois minutos, para dar uma medida ao tempo necessário. Até haver isto.  

Risotto de aipo com tiras de bacon tostadas

1 alho francês + 1 talo de aipo + metade de um pimento vermelho + 1 copo de vinho branco + 1 chávena almoçadeira de risotto (desta vez usei arborio) + 1 litro de caldo de legumes + 1 colher (de sopa) de manteiga + sal, azeite e queijo parmesão q.b.

Antes de tudo, a água com um cubo de caldo de legumes. Ao lume até ferver. Enquanto isso, corta-se o alho francês, o aipo e o pimento em pedaços pequenos. Leva-se ao lume em azeite, num tacho largo. Faz-se um refogado leve e junta-se o risotto. Mexe-se várias vezes, para integrar bem o arroz. Quando chegar a altura, o vinho branco. E a evaporação. Mexe-se até não haver vestígios de vinho. Por esta altura, o caldo de legumes já ferveu. Adiciona-se metade, até cobrir o arroz. E mexe-se até desaparecer o caldo. Junta-se o restante, com um pouco de sal. E voltamos ao gesto. Mexer até não haver líquido. Só que desta vez, quando desaparecer, juntamos a manteiga e o parmesão ralado. Envolve-se tudo e prova-se, para ver se precisa de mais sal. Feito isto, fecha-se o tacho. Mas não completamente. Deixa-se um bocadinho entreaberto. Dois minutos exactos antes de servir.

As tiras de bacon vão ao forno num tabuleiro, quando se juntar a segunda dose de caldo de legumes. E deixa-se estar, enquanto nos ocupamos do risotto. No momento de servir, estarão bem tostadas. Prontas para dar uma graça final. E dão. Resultam muito bem, com um risotto leve de aipo.

Com risotto, vinho tinto. Acaba por ser com tudo, o vinho tinto. Mas este é um dos que apetece sempre. Herdade dos Grous. 2009. Ou Reserva 2008. Ou qualquer coisa que tenha este rótulo. Até ver, que isto dos vinhos varia de ano para ano. De garrafa para garrafa, às vezes. Não há adquiridos. Embora também aqui seja uma questão de tempo. Precisa de tempo, o vinho. E dá uma noção de tempo que deixa rasto. Nunca é de esquecer, quando acontece a graça de um vinho que deixa rasto atrás de si. Que nos faz querer mais da noção de tempo que deixa marca. Sem pressas. Sem nos precipitarmos. É assim com os risottos. É assim com o vinho. Uma questão de tempo. E outras coisas que eu não sei dizer.  

Drive.






























Não sei bem o que é que impulsiona o quê. Se é a estrada. Se é eu gostar muito da metáfora que é cada um dos nossos caminhos. Se é a música que ouvi pela primeira vez há não sei quanto tempo. Muito. Já posso dizer coisas dessas. Há muito tempo. Há muitos anos. Andava eu de sapatilhas. Com uma mochila Eastpak verde. A dizer muitas vezes que nunca iria ter uma carteira. Que nunca iria usar sapatos de menina. Coisas que os nossos caminhos nos ensinam. Acabou por ser de outra maneira. Com a mesma naturalidade com que usava as minhas sapatilhas e as minhas calças de ganga, largas e abaixo da cintura. Para infelicidade reiterada da minha mãe:) Essa era eu, há muitos anos. A entrar numa espécie de arena, para ir ouvir os Incubus. E é um exercício de rememoração curioso, ouvir a mesma música, numa circunstância mais à frente. Só por haver uns anos entre aquilo que eu era e aquilo que eu sou. E sei que nesse entretanto, a substância não mudou em nada. Aquilo que me fazia ir. Aquilo que me fazia estar de braços abertos. Aquilo que me encaminhava para o dia seguinte. Isso está aqui. Mesmo que agora eu tenha de medir melhor os passos. Por causa dos sapatos altos nas pedras ou isso:) Mas ainda assim. Estar assim. Ser assim. A olhar em frente com aquela propriedade inqualificável que nos faz andar para a frente. Com ou sem direcção. Com ou sem objectivo.
No dia das imagens havia um propósito. Uma iguaria para alguns. Uma coisa da qual se deve manter distância, para outros. Lampreia. Um ritual de todos os anos. Nesta altura do ano é assim. Faz-se o caminho até Sever do Vouga. Até bem perto do rio. Segue-se por uma estrada sinuosa. Cheia de árvores muito altas. E água ao fundo da tal estrada sinuosa. É o rio Vouga. A água de onde vêm as lampreias que para mim são uma iguaria. São o mês de Fevereiro, as iguarias avinagradas que fazem com que se percorra uma estrada sinuosa. E pensar que o caminho até às coisas que queremos vale por si. Que é bom de fazer. Com todas as curvas. Com todas as bifurcações. Com todas as paragens pelo meio. Não faz mal parar no caminho. Nem faz mal hesitar. No fim, anda-se sempre em frente. Em direcção ao que está para vir. Ao amanhã a haver.

Mar.




























A vontade era de mar. Bastava estar perto do mar. Que todas as coisas desarrumadas regressariam às gavetas certas. Ou às estantes. Ou aos lugares todos onde arrumamos as coisas que estão fora do lugar. Este é o meu mar perto. E eu sei que não é o meu mar só por ser mais perto. Há outros perto, mas este é o que mais é uma casa. E gosto dele de todas as maneiras, como acontece aos que amam. Gosto quando está com nuvens negras a flutuar. Gosto quando está muito zangado e com muito vento. E quando invade a areia sem avisar. De vez em quando, o meu mar fica quieto. E deixa a areia em paz. Só até ao final do dia. Que aí, toma conta de tudo. Até ao dia seguinte. Em que desperta como se nada fosse.
Não me importa nada aquelas coisas que as pessoas dizem. Que é "desagradável". Que o mar sabe bem é com muito calor. E sem vento. Não importa nada. Basta uma capa de lã e deixa de ser "desagradável". E gosto assim. Que as ruas pareçam nuas de pessoas. Que as poucas que há, pareçam estar a fugir de alguma coisa, por causa do vento que varre tudo. Muito agasalhadas, com os rostos ocultados. A entrar rápido numa das casas às riscas. Vindas do mercado. Ou de outra casa às riscas. Um dos padrões da Costa Nova, as riscas. Mas aquilo de que mais gosto é da minha Costa Nova monocromática. Do azul que há atrás das casas às riscas. É essa a cor que mais procuro, ali. Por mais que goste das cores todas do mercado. Ou da estridência amorosa das mulheres das bancas de mármore cheias de peixes das águas frias. É só o azul. São só todas as possibilidades de azul.
E o mar resolve tudo. Guarda segredos que ninguém sabe o que são. Preserva em si as coisas que são de ficar. Que hão-de torná-lo mais mar. Devolve à areia o que não lhe interessa. E isto sempre da mesma maneira. Naquele movimento de água cadenciado. Sempre o mesmo. Fica com umas coisas. E deixa outras atrás de si. Quando lhe apetece, respira fundo e arrasa com tudo. Para que coisas que nunca existiram sejam erguidas. Também é bom assim.

Fim de dia.




Os meus fins de dia não são bem fins. Mais princípios. Gosto assim. Melhor, preciso que seja assim. Por saber que durante a outra parte do dia, esperei silenciosamente pelo princípio do fim. Não daquela maneira que não vive o que está a acontecer. Não é isso. É por gostar da libertação de pensar na possibilidade de chegar ao tal princípio do fim. E saber que, assim que se fecha a porta atrás de mim, se dá início às coisas que podem ser aquilo que eu quiser que sejam. Coisas mais ou menos imperceptíveis. Coisas assim como ir ao terraço para ver a luz a acabar. E sentir que o fluir do tempo é sábio. Que já vi muitas estações do ano daquele terraço. E que isso, só por si, já é muito. Depois, volto o olhar para dentro. E sei que isso pede lareira. Mais um bocadinho de tempo e são coisas só para mim. A seguir, um gesto reiterado. Vinho tinto junto à lareira. E o vinho pede mais. Quase sempre, coisas que não são bem de sentar à mesa. Um bocadinho cinéticas, as coisas que um copo de vinho tinto pede, neste momento do dia. Como esta declinação. Rápida de fazer. Essencial. E que faz com que o fim de dia seja mais princípio. Ainda mais princípio, assim.

Chouriça e cebola vermelha

1 chouriça (a matéria-prima, neste caso, é uma condição imprescindível. O que significa que terá de ser caseira ou vinda de um talho de confiança.) + 1 cebola vermelha + azeite, vinho branco e pimenta preta q.b. + salsa picada

Parte-se a cebola em gomos e a chouriça em rodelas finas e longitudinais. Leva-se ao lume em azeite, numa frigideira, para saltear. Depois de uns minutos escassos, hidrata-se gradualmente com vinho branco e deixa-se evaporar um bocadinho. Mesmo antes de desligar, pimenta preta moída na hora e salsa picada.

À espera, um copo de vinho tinto e pão. E lareira. E a antecipação das leituras do fim de dia. Que se prolongam para a noite. Para o fim a sério demorar mais tempo a chegar.

(Des)construção.






























São muito frágeis, as edificações. Por mais sólidas que até pareçam. Mas prontas a ruir. De um momento para o outro. Blocos sucessivos. Matérias mais ou menos perenes. E tão nostálgicas de solidez, no fundo. E saber o tempo todo que o detalhe está em querer a edificação. Ainda que se saiba da possibilidade de desmoronamento. Podíamos ser mais gramaticais, nós. A ver se se resolvia o problema. Passávamos a poder ser polissémicos ou uma outra categoria qualquer. Ou se calhar não. Se calhar, não.
Uma descontrução só, a mesa de aniversário dos sete anos de vida do meu filho. Mas a partir do que conheço como ninguém. Que gosta de blocos de madeira. E de edificações impossíveis. Ou só possíveis aos sete anos. E por conhecê-lo como ninguém, as maçãs. Os frutos preferidos dele. Depois das maçãs, um bolo branco por fora e de iogurte por dentro. Tal como ele gosta. Na base de tudo o que foi edificado, o azul. Por dizer todas as noites que vai ter sonhos azuis. Diz que os meus serão em tons rosa. Mas que os dele vão ser azuis. Sonhos azuis para o António, então. Sempre azuis. Como os céus que gosta muito de fotografar. Também gosta de guardar o que nunca mais pode ser, o meu filho. Como um céu azul. Ou uma lua muito inteira. E está certo. Ele gosta assim.

Haja o que houver.




Por esta altura, o meu menino está a fazer-se cada vez maior. Todos os dias mais um bocadinho. Eu tenho assistido. Todos os dias. É isso que as mães fazem. Estão todos os dias. Com todas as limitações. Com todas as coisas que não conseguem ser. Ou fazer. Sete anos disto. Cumpridos hoje. Num dia que nunca foi. Num dia que não há-de voltar a ser. Nasceu num dia 13. Um daqueles números. Lembro-me da pergunta do médico, depois de fazer as contas. Se eu tinha problemas com o número treze. E não. Se iria ser o dia em que o meu filho nasceria para o mundo, não. Seria sempre o dia mais belo. Seria sempre com mais luz por causa disso. Foi um dia longo, o dia treze de há sete anos atrás. Mais um bocadinho e a luz passava para o dia catorze. Mas a minha luz escolheu um dia treze para nascer para mim. E para o mundo.
Tão cheio de mundo, que é. Sem medos, ele. Sem fantasmas. Vai com tudo. Está com tudo em tudo. A querer muito jogar bem à bola. À noite, conta-me dos progressos. Que marcou mais golos do que o Ricardo. E que até já consegue tirar a bola ao pai. E é do género de fazer os trabalhos de casa antes de tudo o resto. Diz que primeiro temos de fazer o mais difícil. Que o que é só bom fica guardado para depois. Para saber melhor. Gosta muito dos números. E de desenhar bem as letras. Aparece com frases escritas do nada. Lê os rótulos das coisas todas. As legendas na televisão. E os títulos grandes dos jornais. Um mundo à espera. Pela palavra. Está a entrar num universo que não acaba, o meu filho. E eu aqui. A escrever todos os dias mais um bocadinho. Para ele. Por ele.
É isso. É para ele. Há as outras coisas todas. As que me dizem respeito. Mas sei que quando me sento aqui, será para ele. Para que saiba. Para que leia a narrativa em elaboração. Por ter medo de não estar. Por ter medo de acontecer qualquer coisa e não haver meio de lhe fazer chegar o quotidiano que pude dar. Está aqui. Para que o leia. Haja o que houver. Venha o que vier. E saber que aquilo que já foi vivido não pode ser rasurado. Nenhuma das sopas que fiz para ele. Nenhuma das vezes em que fiz aletria mesmo sem gostar. Ou arroz doce. Ou rabanadas sem ser Natal. Ou as coisas todas que agora não consigo dizer. Assim, nunca se esquece. À espera que aprenda a ler mesmo, eu. Estou à espera que aprenda a ler tudo.
Para ele, um bolo de arroz com uma vela. Um dos bolos de que gosta muito. Foi assim que começou o dia dele, o tal do número de que quase ninguém gosta. E com presentes. E beijos sem fim, enquanto despertava. E presentes para os amigos da escola. Fornadas de presentes. Feitos pela "tia" Pipinha. Colocados em saquinhos pela mãe. Com a ajuda do pai. Que ia dizendo que não sabia que também isto faria parte de ser pai. Colocar autocolantes em sacos com biscoitos. E não. Não tínhamos como saber, na altura. Soubemos só uma coisa: que as nossas vidas nunca mais seriam as que tínhamos conhecido até ali. A única certeza que se tem, nestas coisas de se ter um filho. Tudo o mais, é navegar à vista. Ir confiando. Ir fazendo pelo melhor. O melhor que pudermos. Haja o que houver.

Scale it back






































A entrada do dicionário diz que "scale back" significa isto: to reduce the size or ammount of something. Eu não conhecia a expressão. Só sabia que a música que ouvi hoje ao final da tarde me fez bem. E até achava que não era preciso saber mais nada. Mas depois disseram lá longe que a música se chamava "Scale it back". E foi aí que tive vontade de ir ver o que significava. Ainda bem. Por ser adequado. Senti que era assim. Que se adequava. Talvez pela verbalização de uma necessidade recente. O pragmatismo das formulações inglesas, aplicado a uma circunstância. Ou a uma necessidade circunstancial. E isso fez-me gostar ainda mais da música que me fez bem ao final da tarde. Completamente caída não sei de onde, a música que deixo. Bom assim, quando acontecem coisas de que não estamos à espera. Coisas que não conseguimos antecipar. Marcar. Escrever num suporte qualquer. E esperar que aconteçam.
Fez com que voltasse a vontade de verbalização, a música. Foi isso. Não andava a conseguir. Olhava para as imagens guardadas e nada. Não acontecia aquilo que acontece sem mais. E que desencadeia os verbos. E os substantivos. Com adjectivos à mistura. Tudo em segmentos muito breves. Para não me dispersar. Para não ter como escapar à vontade inicial. A da verbalização. A do registo só porque sim. Como se estivesse a construir uma espécie de mapa interior. Uma cartografia feita de lugares. De pessoas. De coisas. Que me sabem bem. E criar uma geografia possível. Que exista enquanto eu existir. Que exista por eu existir. Alguma coisa que viva disso. Como este ponto geográfico indeterminado onde gosto de me demorar. Enquanto o destino me permitir. Existir. E poder conceder-me a dádiva do registo. Conseguir ser capaz de dizer o que o destino permite.
Para evitar a dispersão: desde Domingo que não me sentia capaz de escrever fosse o que fosse. E não queria passar por cima disso. Com uma receita de reserva ou outra coisa qualquer. Não gosto de passar por cima das coisas. Antes ir ao fundo delas. Para poder olhá-las nas suas dimensões. E fazer como diz a música. Scale it back. Aprender a reduzir o tamanho ou a quantidade de alguma coisa.

Pouco que dá muito.





Há uma humildade intrínseca a determinadas coisas com que se faz comida. Sabemos que se se disser "lagosta", há uma série de referências inevitáveis. Se pronunciarmos "trufas", mais referências. Os referentes, as referências. O que se entender. Mas e quando se diz "batatas"? Quais são as coisas que vêm com isso? Que imaginários ou cenários? Muito longe dos outros. Muito provavelmente. Batatas. Ingredientes prévios. Disseminados. Para acompanhar qualquer coisa. Raramente valem por si. Ou não. Até pode acontecer que aconteça. Como com esta entrada muito frugal. Por se sentir que as batatas reinam, ali. Que nem o sabor de um queijo é capaz de perturbar. De desviar os sentidos do que ali é soberano. E então, mesmo que viva num país com pouca (ou mesmo nenhuma) soberania, sei que temos coisas assim como estas. Que uma das lições maiores da nossa comida é a da frugalidade. Que os peixes que vêm das nossas águas frias são como não há em nenhum outro lugar. Que as couves que por esta altura do ano são cobertas de geada durante a noite, são folhas tenras no dia seguinte. E que o nosso sol, a nossa luz é mesmo muito nossa. Não se consegue em parte nenhuma. Em nenhum dos outros lugares onde parece residir a nossa soberania. Uma consequência dos (des)governos sucessivos.
Sem saber muito bem o que está para vir. Sem conseguir antecipar o que for, podemos a nossa soberania maior. Que é assim. Do pouco, fazer muito. Batatas, umas rodelas de queijo, um fio de azeite e flor de sal.

Batatas doces e chèvre

4 batatas doces + 8 rodelas de chèvre + azeite, flor de sal e pimenta preta q.b.

Descasca-se as batatas doces, corta-se ao meio e um pouco na base, para não ficarem irregulares. Coloca-se num tabuleiro, salpicadas com flor de sal e regadas com um fio de azeite. Leva-se ao forno. Decorridos 20 minutos, hidrata-se um pouco, com água. Mais dez minutos no forno quente e, logo a seguir, as rodelas de chèvre em cada metade, com um pouco de pimenta preta moída. Quando o queijo estiver no ponto, retira-se. À espera, pão. Uma salada bem verde. E um copo de vinho. Branco. Rosé. Ou o que quisermos.

E está. Pouco que dá muito.

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