Frutos silvestres. Duas palavras. E com elas, todo um imaginário. De árvores altas por onde a luz tem de abrir caminho. Heras emaranhadas, a tornar o chão que se pisa um mistério a cada passo. E achar que quase podia ser como quando se era criança. Por se acreditar que havia gnomos a viver nos troncos das árvores muito grandes. Ou que debaixo do chão, um mundo de fábulas respirava. Lembro-me de perguntar à minha mãe quais eram os "frutos silvestres". Quais eram as árvores dos frutos silvestres. Lembro-me de me dizer que as amoras de que eu gostava tanto, eram isso mesmo. Silvestres. E sem mais, os frutos silvestres passaram a ser todos os frutos que eram como as amoras que me escureciam as mãos, quando era pequena. Que cresciam onde lhes apetecia. Que podiam ser encontrados quando menos se esperava. Num caminho. Num muro. Depois disso, até que podia ser provável haver um outro gnomo. A espreitar por entre as árvores muito altas. Ou quem sabe uma fada. A desaparecer rápido na luz que atravessa os bosques. A outra palavra que veio com "frutos silvestres". Porque é diferente dizer bosques. Quando se diz "bosques", está-se de repente num lugar onde dormem todas as criaturas que vivem dos e nos nossos sonhos de criança. Ou, no limite, a querer muito fazer um doce que é estas palavras todas juntas.
Doce de frutos silvestres
750 g de frutos silvestres (podem ser congelados, que não faz mal) + 600 g de açúcar + sumo de metade de um limão + meio cálice de Vinho do Porto.
Tudo num tacho largo. Fogo forte nos primeiros dez minutos. E fraco nos 50 minutos a seguir. Faz-se quase sozinho, este doce. Mas precisa de atenção. Mais ou menos de 15 em 15 minutos, um gesto muito elementar: mexer durante uns segundos.
Retira-se depois dos tais cinco minutos. Ou até atingir o ponto de estrada (Coloca-se uma porção de doce num prato e, com uma colher, abre-se uma "estrada". Se se mantiver com essa configuração, chegámos ao tal ponto a que era preciso chegar).
E depois de bem frio, vem a parte que é quase mágica. Por nos lembrarmos do que havia ainda há pouco. Ainda há pouco, não havia doce. Havia só os frutos. E depois não. Passou a haver frascos com um doce feito por nós. E sentirmo-nos fadas por um bocadinho. Não aquelas do lar. Não as do outro imaginário entediante. Fadas a sério. Como as que não existem. Só nas histórias. E muito silvestres, de indisciplinadas. Tal e qual os frutos.