Nunca me tinha acontecido isto. Fazer um jantar com alunos. Não eram só meus alunos. Eram de outra turmas, também. Não consigo lembrar-me de quantos estavam naquele cenário metálico de cozinha industrial. Mas sei que foram de uma doçura voluntariosa inesquecível. Sei ainda que houve um grupo que se dedicou a descascar (muitas) cebolas e (muitas) cenouras. Mais batatas e courgettes. Para uma sopa feita numa espécie de caldeirão:). Depois a "equipa" da massa gratinada. Mais vegetais partidos em pedaços. E bacon em cubos. E muitas coisas. Souberam fazer tantas coisas, eles. Com aquela alegria que eu sei que é para guardar. Com o carinho todo que eles merecem.
Lembrei-me de fazer isto com eles. Por que não fazer um jantar com e para os alunos que vivem fora de casa durante a semana? Na escola, porque a casa deles é literalmente a escola. Acordam e adormecem ali. E isso determina muitas coisas. Determina que eles sejam assim como são. Determina que eu goste deles assim como são. Com todos os traços irrepetíveis que trazem consigo. E muitos deles nem sabiam desta minha vertente nem nada. Alguns sim. Mas naqueles dois finais de tarde, acho que perceberam que há uma outra dimensão, para além daquela que existe numa sala de aulas todos os dias. Com os mesmos saltos altos e tudo:) O balanço final deste dia foi uma sopa maternal feita pelos meus alunos. Uma massa gratinada. Uma salada com o verde a dominar, mas com mais cores. E pêras cozidas com cobertura de chocolate. Este foi o balanço mais ou menos tangível. O outro é tão imaterial. Tão interior. Tão de ficar aqui. Como a outra sessão. Dedicada às outras coisas que são de mesa. A postura certa. Os gestos. Os copos e os talheres. A colocação do guardanapo no colo. Coisas assim. Coisas assim que eles acolheram com aquela vontade alegre de querer saber mais. Porque o sentido maior desta segunda parte foi-lhes explicado no início. E era simples: não queria que nenhum deles se sentisse diminuído por ambientes que às vezes são esmagadores. Que podemos tentar minimizar os factores de fragilidade. Como este, que é tão simples. Mas as coisas simples são aquelas que devemos procurar saber de olhos fechados. E que tendemos a diminuir. E então vieram para mais um final de dia. Com aquela alegria toda de que só eles são capazes. E ouvir as coisas simples que lhes queria dizer. No restaurante pedagógico da escola onde acordam e adormecem. A escola onde tenho o privilégio de os ver crescer todos os dias. Todos os dias mais um bocadinho. Hoje dizem que não são capazes de uma coisa. No outro, já não é bem assim. Num dia, anunciam que não querem poesia. No outro, já estão a escrever, ávidos, fragmentos do Livro do Desassossego. E assistir a isto tudo. A dádiva que é poder assistir. E a gratidão. A minha. Por cada um dos dias. Mesmo aqueles difíceis. Em que sinto que não cheguei. Que não fui capaz. Também há dias assim. Mas eu sei que a névoa confusa assenta. Aquela que vem sempre que nos sentimos insuficientes. Sei que assim que ela vai embora, penso que é para voltar a tentar. Porque voltar a tentar qualquer coisa é sempre libertador. Vale por si. E é tudo.
NB: Tenho a "benção" dos meus alunos, por causa das fotografias deste post. A imagem deles aqui carecia de autorização prévia. E eles foram generosos. Mais uma vez.